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Outros

Eu impedi um linchamento

Cheguei até a ver pessoas que tem a frase "bandido bom é bandido morto" como lema me apoiarem na situação.

Tudo começou quando eu estava no meu quarto deitado pra dormir, numa noite de dezembro de 2016 em São Paulo. Eu ouvi uma gritaria na rua, falaram que tinha um bandido no telhado, e do nada vi pessoas com facas e pedaços de pau correndo dentro de casa – eu estudo Comunicação Social na PUC e moro em uma república.

Na mesma hora eu saí correndo atrás deles, pra ter certeza que não iriam matar ninguém na minha casa, peguei meu telefone e liguei pra polícia. Fiquei correndo pela quadra atrás dos linchadores, com receio daquelas facas serem usadas, até que pegaram o cara dentro de uma casa. Eu entrei depois, ele já estava no chão ensanguentado e tomando pauladas na cabeça e nas costelas. Foi instantâneo, eu pulei em cima dele, e ninguém entendeu nada, acharam que eu ia bater nele, mas só fiquei na frente dele. Na hora só pensei em não deixar ele morrer, e foi automático. Enquanto estava correndo na rua atrás dos linchadores estava torcendo para a polícia chegar antes de pegarem ele. Mas quando vi ele sangrando no chão, tomando pauladas, parece que todo medo foi embora, talvez seja a adrenalina, ou compaixão, nunca vou ter certeza. O pior foi quando eles pararam de bater nele e começaram a fazer pressão psicológica pra eu sair da frente, foi então que o medo voltou.

Eles continuaram a tentar bater nele enquanto ele estava agarrado nas minhas costas gritando um tipo de choro que nunca tinha ouvido igual. Quando a polícia chegou eu estava discutindo com os linchadores com alguns pedaços de pau apontados na minha cara, então assim que eles chegaram eu saí pra falar com um polícia que estava na viatura, ele viu minha camisa branca e meus braços cheios de sangue, além de algumas pessoas me xingando e falou "É melhor você ir pra casa antes que sobre pra você também". - Depois do linchamento, ninguém teve coragem de fazer o B.O. porque todos iriam pra delegacia, então ele foi solto. Fiquei sabendo que ele é uma pessoa em situação de rua, e segundo algumas pessoas tinha HIV.

Faria isso novamente mil vezes se tivesse necessidade, uma vida vale mais do que qualquer coisa. Cresci ouvindo a história de quando Cristo não deixou homens apedrejarem uma mulher até a morte por ser considerada adúltera, ele entrou na frente dela e disse "Quem de vocês nunca errou, que atire a primeira pedra". Sempre que ouvia essa história imaginava essa cena, foi um espelho pra mim. Foi perceber que eu poderia ter sido um dos responsáveis pela morte de uma pessoa, da mesma forma que as pessoas que viram o Luiz Carlos Ruas sendo espancado no metrô e não fizeram nada, poderia ter sido eu ali também.

Depois do relato que fiz no Facebook várias pessoas vieram falar comigo, algumas preocupadas e me apoiando, e outras com um discurso de ódio inflamado, porém consegui ter algumas conversas construtivas com pessoas de opiniões contrárias, que vieram me xingar achando que rebateria na mesma moeda. Cheguei até a ver pessoas que tem a frase "bandido bom é bandido morto" como lema me apoiarem na situação.

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