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Fui Atropelada por um Carro

Fui atingida pelo carro de um motorista bêbado. Na verdade, acho que fui atingida e atropelada, porque, disseram as testemunhas, tive que ser tirada debaixo do carro do cara.

Fui atingida pelo carro de um motorista bêbado. Na verdade, acho que fui atingida e atropelada, porque, disseram as testemunhas, tive que ser tirada debaixo do carro do cara. Não tenho certeza como foi isso porque fiquei inconsciente o tempo todo. Gostaria de dar um tapinha nas costas do meu próprio corpo por ter, em reação, me apagado tão rápido, mas na hora isso ia doer pra caralho.

A última coisa da qual me lembro é dizer tchau para um bike-courier fofíssimo e dar um checada extra olhando pro dois lados antes de atravessar a rua indo pra casa. Estava rolando uma neblina estranha que normalmente só aparece em pequenas cidades assombradas do litoral. Ou melhor, “se assentou”. Enfim, subi na minha bike, dei um impulso no meio-fio, e não andei mais do que dois metros antes de ver os faróis rasgando a neblina pela minha direita a 80km/h, como li depois no boletim de ocorrência. O resto são lembranças vagas.

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Pelo menos aprendi o seguinte: se você vai ser atropelada, tente fazê-lo em frente a um bar que acabou de fechar. Não só pelos milhões de pessoas ligando pra polícia dos seus celulares ao mesmo tempo, mas todo mundo vai estar tão cheio de coragem (cerveja) que eles vão entrar na cena do acidente, cercá-la, e ainda interrogar o motorista enquanto outros te tiram de baixo do carro. Fora que, defrontadas com algo que eu acho (estava inconsciente) ser tão alto, brutal e assustador, as pessoas vão simplesmente se juntar.

Minha cabeça inteira foi enfaixada ao melhor estilo Bret Michaels, e cheguei na sala de espera do hospital. Minha amiga Ameera, que me viu sendo retirada do local e me acompanhou no meu primeiro rolê ambulância, ligou pro meu irmão e tentou me manter entretida. Não foi muito difícil, já que eu tinha acabado de ser reduzida a uma massa falante de incoerência. Ela provavelmente poderia ter me deixado na frente de uma máquina de salgadinhos que eu provavelmente iria achar que tinha acabado de chegar a Xanadu. As concussões te levam a um estado normalmente atingível depois de uma vida inteira de meditações disciplinadas.

Meu irmão apareceu, depois o meu ex-namorado, e depois os policiais. Grande parte do meu relato não correspondia aos das outras testemunhas -- ou ao idioma em geral --, e finalmente decidiram que eu precisava de um raio-x completo. Me botaram dentro de um robe e pela primeira vez vi o arranhado enorme que tinha na minha barriga e a quantidade de sangue que tinha se acumulado na parte de dentro do meu jeans, onde meus joelhos foram reduzidos a miúdos. Quando o médico veio me buscar, já estavam me forçando a comer umas rosquinhas  e a tomar um achocolatado, e tinham derramado uma garrafa d'água da minha cintura pra baixo.

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Alguns momentos eu gostaria que minhas concussões tivessem engolido minhas palavras, tipo quando perguntei pro técnico como estava meu cérebro numa escala de “um” a “fodido”. Ou chamar os médicos de acordo com as celebridades com quem eles se pareciam: “Não quero o Shia LaBeouf, quero o Peter Sarsgaard gordo!” Uma enfermeira jamaicana velha foi trazida pra me controlar, o que aparentemente foi feito só com uma chamada de “bochechuda”.

Me colocaram de volta na cama, de onde era testemunha de um homem projetando vômito em todo o pronto-socorro, berrando “Tô loucão! TÔ LOUCÃO!” e outro cara que foi espancado de tal maneira que ele estava prestes a perder um olho. Foi então que percebi que eu era peixe pequeno naquela sala.

Minha testa foi consturada com uma agulha feita para elefante, e minha cara inteira foi coberta com toalhas. Um médico de plantão veio me dar os pontos, observado por um outro médico (o LaBeouf), e ficava falando de mim como se eu não estivesse conectada ao outro lado da sutura que amarrava as duas partes abertas da minha testa. “O cérebro teve um certo inchaço, um pouco de sangramento”. “Estou realmente surpreso que não houve dano permanente”. “O corte parece que vai cicatrizar sem problemas, mas podemos fazer uma cirurgia plástica”.

“Ele é o seu chefe?” Perguntei quando o médico veterano foi embora.

“Sim.”

“Ele é meio escroto.”

O LaBeouf riu, e tava tudo tranquilo.

Estou de calça de moletom na casa dos meus pais faz cinco dias, com medo de nunca mais sair daqui. Meus olhos incharam até fechar, ficando com as mesmas cores daquelas balinhas ou de aves tropicais. Os pontos já vão sair, e meu nariz inchou ao melhor estilo Balboa. É difícil encontrar um ponto no meu corpo que não doa ao ser tocado. Não consigo dobrar os joelhos. Estamos esperando pelos advogados, pela seguradora, e um tenente da polícia chamado Barry White. Vi todos os filmes biográficos da Guerra Civil já feitos desde sempre. É difícil comer. Chuveiros fazem parte do meu passado. Pelo lado positivo, dormir é ao mesmo tempo muito difícil e fácil.

Uma, ou talvez a única, coisa boa que algo como esse acidente pode fazer é te apresentar todo um universo de apoio que você nunca tinha imaginado antes. As pessoas vão oferecer seus serviços e suas condolências ao ponto de ser algo sufocante agradecê-los por sua preocupação, e também é uma coisa que te deixa meio sem graça. É como se você fosse o papa aleijado em um sonho fantástico do Buñuel. Então, muito obrigado a todos, sério, mas vou arranjar um jipe blindado com um Rottweiler no banco do passageiro.

TEXTO POR KATIE HEINDL VICE CA
TRADUÇÃO POR EQUIPE VICE BR