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Vice Blog

Conheça o Grupo de Policiais Britânicos que Está Tentando Descriminalizar as Drogas

Apesar de ainda ser relativamente pequena, a ramificação inglesa do LEAP funciona desde 2008 e é chefiada pelo voluntário Jason Reed desde 2010.

Um policial segura um saco com droga apreendida numa blitz no Soho (foto por Tom Johnson). 

Em 2002, um grupo de policiais norte-americanos ficou de saco cheio de fazer prisões por pequenas ofensas relacionadas a drogas, então, eles montaram o LEAP (Law Enforcement Against Prohibition), uma organização que busca reunir policiais e trabalhadores da justiça criminal que apoiam um sistema de regulamentação e controle das drogas que hoje são ilegais.

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Apesar de ainda ser relativamente pequena, a ramificação inglesa do LEAP funciona desde 2008, chefiada pelo voluntário Jason Reed desde 2010. Reed é um usuário de cannabis medicinal de 34 anos de Kent, que sofre de síndrome da fadiga crônica há 25 anos.

Jason Reed.  

“Tive experiências bastante traiçoeiras com medicamentos, o que me fez procurar outras alternativas”, ele me contou. “A cannabis faz você ser um humano funcional novamente.”

Depois de nos encontrarmos num pub de King's Cross, Jason me colocou em contato com três porta-vozes do LEAP UK, dois ex-policiais e uma ex-oficial de Inteligência do MI5. Conversei com eles para saber por que a proibição das drogas fracassou.

Jim Duffy trabalhou no extinto Departamento de Polícia Strathclyde por 33 anos. Ele passou 23 anos no departamento de tráfego, prendendo gente que tentava pagar suas dívidas levando drogas de Liverpool para a Escócia pela estrada M72. Entre 1997 e 2000, ele foi diretor do treinamento de tráfego de toda a Escócia e se aposentou como inspetor em 2007.

Em 2004, eu vi um relatório dizendo que 105 mortes por drogas tinham sido registradas na área de Strathclyde. Na época, eu era um membro do que eu chamo de brigada “forca, chicote e bala”. Eu pensava: “Precisamos pegar mais desses traficantes e precisamos prendê-los por mais tempo”, que era a abordagem padrão na época. Mas nas duas semanas seguintes, li outros documentos informando quantas pessoas tinham morrido nas estradas e quantas tinham morrido por causa de álcool e cigarro no oeste da Escócia.

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Tive uma epifania e disse para mim mesmo: “Vocês estão desperdiçando todo esse tempo, esforço e dinheiro na 'Guerra às Drogas' e mais gente morre por causa de álcool, cigarro e jogo do que por abuso de drogas!”. Baseado nisso, fiz algumas pesquisas e, em 2005, apresentei para a Federação Policial Escocesa o que eles chamaram de resolução de discussão sobre o que deveríamos pensar a respeito da legalização das drogas. Isso atraiu muito interesse da imprensa. Fiz minha apresentação e a coisa foi aumentando a partir daí.

Algumas pessoas não ficaram felizes, claro, mas muitos oficiais mais velhos me disseram extraoficialmente: “É, a verdade é que você está certo. Nunca vamos ganhar essa guerra”.

O maior problema no momento é que nossos políticos não tem colhões para assumir isso. Eles mantêm suas crenças em particular, mas quando essa opinião começar a mudar, vamos ver resultados.

No momento, as pessoas compram as coisas dos traficantes, que decidem com o que vão misturar isso. Quando você regular esse mercado, as pessoas vão saber exatamente o que está escrito no rótulo – vão saber a potência, a pureza e o efeito. Outra coisa que isso vai fazer é tirar as pessoas do sistema de justiça criminal. Você não vai mais estar cometendo uma ofensa para comprar sua droga recreativa ou alimentar seu vício. Assim que você tirar a criminalidade da equação, as pessoas vão poder procurar tratamento sem ter o estigma de ter que admitir que cometeram um crime.

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Não defendo que as pessoas devem usar drogas, mas é a mesma coisa com o cigarro e o álcool – se você é maior de 18 anos, sabe suas responsabilidades, sabe os efeitos e ainda quer fazer isso – então deveria ser permitido. Minha droga vem de uma destilaria de Highlands, na forma de um single malt. Não tenho interesse em fumar maconha ou tomar qualquer outra droga, mas isso não significa que não respeito a opinião de outras pessoas que querem fazer isso.

Paul Whitehouse começou sua carreira na polícia em Durham em 1967. Mais tarde, tornou-se chefe de polícia assistente da Grande Manchester em 1983, vice-chefe de polícia de West Yorkshire em 1987 e chefe de polícia de Sussex em 1993. Ele se aposentou em 2001 e tem certeza de que a Lei de Abuso de Drogas inglesa é a razão pela qual as drogas se tornaram um problema.

A maioria dos usuários de drogas naquela época [antes de 1971] eram pessoas que tinham se viciado trabalhando na medicina ou por causa de medicamentos prescritos. Isso era tratado como uma doença. Essa lei tornou isso ilegal, criando um mercado que cresceu além de todas as proporções. Não tenho dúvidas de que a proibição não funciona.

As pessoas usam agulhas sujas ou drogas que não foram produzidas direito – que foram misturadas propositalmente com outras substâncias. Isso acarreta em todo tipo de risco e todo tipo de dano. Sim, as drogas são prejudiciais; sim, sem dúvida, o álcool também é prejudicial. Vivemos com os danos causados pelo álcool. Precisamos descobrir se os danos causados pelas drogas são realmente piores do que os danos causados por sua proibição.

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Temos boas pistas disso na proibição do álcool nos EUA, e o princípio é exatamente o mesmo. O álcool é conhecido em quase todas as sociedades. As outras drogas tendem a vir das sociedades orientais. Quem pode dizer que o álcool é pior ou melhor que a cannabis ou a heroína? Em alguns países do mundo, o problema com o álcool é pior do que o problema com as drogas, como na Rússia.

Sabemos que o cigarro mata, mas não proibimos as pessoas de fumar, só tornamos isso cada vez mais difícil e taxamos o produto. Não coletamos dinheiro das drogas ilegais, só gastamos uma quantidade ridícula do nosso dinheiro tentando impedir o tráfico e fracassando nisso.

Os benefícios para a sociedade como um todo – da legalização da cannabis por exemplo – seriam problemas a menos entre essas pessoas que acham que deviam poder usar a cannabis [e aquelas que acham que não]. Há grupos que acreditam honestamente que a cannabis é medicinal.

Nunca usei drogas ilegais; nunca tive vontade. Bebo álcool, mas não muito. Não me importo com o que as outras pessoas fazem, desde que elas não prejudiquem os outros. O governo não deveria dizer o que você pode ou não fazer.

Annie Machon é uma ex-oficial de Inteligência do MI5 que se demitiu em 1996 para se tornar informante. Desde então, ela já escreveu um livro sobre a organização e fala, entre outras coisas, sobre como sua visão interna do mercado ilegal das drogas abriu seus olhos para os benefícios da legalização.

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Um dos postos que tive no MI5 era voltado para o terrorismo irlandês. Isso significava que eu trabalhava muito próximo da alfândega do Reino Unido. Ficou muito claro para mim, na época, que a guerra contra as drogas estava efetivamente perdida. Fiquei bastante consciente da sobreposição entre tráfico de drogas e financiamento do terrorismo. O DEA [a Força Administrativa de Narcóticos dos Estados Unidos] estima que mais da metade dos grupos terroristas no mundo recebem financiamento do comércio ilegal de drogas.

O exemplo mais notório está no Afeganistão agora. A área de cultivo de papoula dobrou no país e, em algumas áreas, triplicou – principalmente nas áreas controladas por britânicos. O dinheiro está indo diretamente para as mãos do Talibã e barões da guerra. O negócio vale hoje cerca de meio bilhão – chegando a um bilhão – de dólares por ano. Isso compra muitas Kalashnikovs.

No geral, a repressão às drogas é vista como algo que prejudica o contrato social entre a polícia e os policiados. Se você tem uma lei que é amplamente ignorada – como, por exemplo, o que acontece com fumar maconha – então a lei se torna idiota. Você tem uma situação na qual a visão das pessoas dessa lei é que ela está errada, mas não há um mecanismo em que as pessoas possam provocar uma mudança rápida no sistema político, e a polícia é obrigada a fazer o trabalho sujo dos políticos.

O outro problema está em como a polícia é avaliada. Por exemplo, se você tem uma análise quanto ao desempenho, a tentação no Reino Unido é recorrer à lei do menor esforço. Você precisa de quantas prisões este mês? O jeito mais fácil de prender alguém é por posse de maconha – assim você preenche sua cota.

Se os políticos impõem essas avaliações à polícia, então a polícia tende para a opção mais fácil, o que, claro, significa que ela não está se focando nas questões mais problemáticas – os crimes mais sérios, aqueles com os quais as pessoas estão realmente preocupadas. Você pode prender um usuário, você pode até prender um traficante e tirá-los das ruas por alguns meses, na melhor das hipóteses. Mas se você prende um estuprador, não há mais estupros cometidos por essa pessoa, e acho que esse é o tipo de coisa na qual o povo gostaria de ver aplicados os recursos da polícia.

É um círculo vicioso. Acho que muitos policiais têm consciência de que isso prejudica seu próprio trabalho, porque eles querem servir às pessoas, mas são forçados a caçá-las.

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Tradução: Marina Schnoor