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Música

Quem Pensar Pequenininho, Tio...

Se a cueca que o Emicida usou na virada do ano era amarela, vermelha ou roxa, a gente não sabe. O que importa é que 2011 começou benzaço pra ele. Foi confirmada sua participação no festival Coachella, na Califórnia, que vai rolar em abril.

Se a cueca que o Emicida usou na virada do ano era amarela, vermelha ou roxa, a gente não sabe. O que importa é que 2011 começou benzaço pra ele. Foi confirmada sua participação no festival Coachella, na Califórnia, que vai rolar em abril -- e, nesta edição, conta com a parceria do The Creators Project. Fora que o cara também deve se apresentar no Rock In Rio (setembro) e, nos próximos dias, vai lançar "Rua Augusta", o primeiro clipe da sua mixtape Emicídio (2010). Calma que tem mais. O rapper tem planos de lançar dois álbuns (sendo um inteiro com o Macaco Bong), vários clipes, um DVD, um longa-metragem e uma história em quadrinhos. Enfim, fizemos uma visita ao seu quartel-general, o Laboratório Fantasma, onde conversamos sobre tudo isso. Deu pra sacar que o ritmo por lá tá acelerado. Mas também, ele já tinha profetizado: "Quem pensar pequenininho, tio, vai morrer sem".

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Como foi receber a notícia de tocar no Coachella?
Eu já tinha ouvido falar do Coachella antes, e logo fiquei “caralho, puta festival” [faz cara de preocupado]. Eu não tenho tanto essa emoção de “conquista” – obviamente é uma conquista, mas é mais ainda um trampo, uma responsa fudida, do que um bagulho que massageia o meu ego, “ah, agora eu sou foda pra caralho, amigo do Kanye West” [risos]. Não é isso. Você vai ser visto por muito mais pessoas, num festival gigante. O desafio é continuar relevante dentro do oceano.

Você acha que a galera vai sacar o seu som?
Creio que sim, porque independente do idioma, acredito que é muito emocional o que eu faço, então eu boto muita fé nesse lance de deixar que os sentimentos falem por si só, vou tentar quebrar a barreira da língua.

Vai arriscar um inglês também?
Com certeza, oportunidade de ouro que eu tenho [risos]. Se eu não fizer isso lá não posso fazer em lugar nenhum.

Quem você vai querer ver no festival?
Olhei a lista, mas não lembro de todo mundo que tinha lá [risos]. Tem o Kanye West, Cee-Lo, Erykah Badu, Lauryn Hill, A-Trak…

Além do Coachella, ouvi dizer que você quer fazer uma pá de clipe em 2011, é isso?
Quero, porque eu me aproximei muito dessa parada de vídeo. Quero explorar isso ao máximo – na minha cabeça tenho a ideia de fazer um filme – longa mesmo, de ficção. Eu ainda não tenho roteiro, mas pô, sou malucão, né? Li quadrinhos a minha vida inteira, então se tem uma coisa que eu tenho na minha cabeça é ideia. Andei rabiscando umas coisas, mas ainda é princípio, conversei com um pessoal que faz cinema a sério e eles concordaram, “pô, tá faltando uma coisa assim”. Eu me sinto tentado. Não tem nenhum filme de rap no Brasil. Só tem documentário, mas na real documentário é chato – é foda pra caralho pra nós, que aparecemos lá, mas não é popular mesmo.

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Mas antes disso tem uns clipes, não?
A gente tá com uma ambição de fazer de oito a 10 clipes – isso vai uma grana, viu? A gente começou com “Rua Augusta” e já tem uns outros, mas eu não vou divulgar ainda porque eu quero deixar os caras na instiga. A gente nem imaginou o quanto gravar o clipe de “Rua Augusta” ia tocar a gente. Acompanhamos a vida de umas garotas de programa durante quatro dias. Fomos para a casa das minas, dormimos lá, moramos lá. Conseguimos pegar o que a música fala, por outra ótica. Mostra a vida das meninas acordando, escovando os dentes, cuidando dos filhos, sendo hostilizada pela vizinhança, tentando levar uma vida normal. A Rosana, a mina que a gente filmou por mais tempo, na hora em que ela sai para a rua os vizinhos fecham a janela, ela pisa na calçada e todo mundo entra pra dentro de casa. E isso é bizarro, porque a cena foi gravada na Vila Mimosa, bairro de prostituição lá no Rio. Todo mundo de certa forma tá envolvido com isso, mas o bairro inteiro tem essa postura. Eu já tinha visto isso, por isso escrevi a música, mas vivenciar na pele a história, junto com ela? Ela conta que entrou nessa vida com 17 anos, porque a mãe dela levou ela para o prostíbulo, pra dar dinheiro pra velha. Depois, junto com uma irmã, a mãe mandou ela para a Espanha, para ser escrava sexual, com os caras falando que se ela fugisse eles matavam ela… A intenção de filmar na Vila Mimosa foi mostrar que isso não é uma situação exclusiva de São Paulo. A letra da música não fala em nenhum momento da Rua Augusta, é só o título. Isso acontece em todos os lugares do país, em todo o mundo.

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O Emicídio é um disco quase cinematográfico, cada letra é uma história, deve ser bom de filmar.
É por isso que sempre tem alguém ligando com uma ideia para fazer um novo clipe, e eu vou topando. Acho da hora ter essas ideias diferentes. Musicalmente falando, essa é uma conquista muito maior para mim do que qualquer outra coisa – acho o rap limitadão nos temas recentemente, os discos de rap estão vindo num padrão que se torna muito chato. Mas aprendi que isso vai acontecer pra sempre. Se você pegar o rock, tem uns caras falando a mesma coisa desde sempre também. O rap tem esse lance de “rua”, “verdade”, “os verdadeiro contra os falso”, de “estar numa guerra”. Para mim isso é chato, eu gosto do desafio, meu objetivo é unir as pessoas. Gosto de ver no meu show que tem uns emos e uns bandidos, que tem uns gays e uns hardcore nervoso, todo mundo cantando junto.

E as parcerias, como estão?
Mano, acabei de falar no telefone agora que eu quero fazer uma parada com o Macaco Bong – um disco inteiro mesmo. Eu não sei como tá o corre deles, mas sei que eles estão mudando para São Paulo. E também quero começar a fazer meu álbum oficial agora. O meu ritmo de trabalho atrapalha um pouco, e o fato de ser pai também – na verdade o pior é não ter muito tempo para a minha filha. No tempo que eu tenho sobrando eu quero por as minhas ideias na parada – trouxe meus discos pra cá, minha MPC, vamos isolar o estúdio. Tô escutando um monte de coisa da hora, e acho que encontrei um caminho. Têm umas células rítmicas brasileiras, uns grooves diferentes. O maracatu mesmo é um drum’n’bass antes de os gringos inventarem. A proximidade do baião tem do ragga é muito foda, a rítmica e a poesia do samba me encanta muito, e eu quero me aproximar disso.

Essa lista tá grande, não? Clipes, discos, filme. Falta o quê?
Ah, eu ainda quero fazer um DVD. A gente tem muita coisa gravada, quero fazer um filme contando essa história. Tem imagem de a gente indo tocar nuns picos caidaços, depois fazendo shows maiores. Imagina, tocar na Califórnia e voltar pro Brasil e nem ter um carro pra ir trabalhar – mostrar isso, com um show no meio com as músicas. E também ainda quero fazer quadrinhos.

Quadrinho também?
Pô, eu não vou conseguir fazer um filme se eu não fizer uma história em quadrinhos! [risos]. Esse bagulho tá muito forte em mim, se você for lá em casa vai ver que eu comprei um monte de lápis de cor, caneta, lapiseira, tudo de novo, tá tudo pronto, só tá faltando eu lá. Estou lendo 100 Balas, e eu queria colocar uma linguagem brasileira nisso aí, uma história contada sob a minha ótica. Não sou depressivo, “contar umas histórias de crime” [sussurrando], eu quero viajar. Minha ideia é fazer com os quadrinhos o mesmo boom que fizemos com as mixtapes: finalizar num preço popular e botar na rua barato, fazer correr pela rua.

Você é um homem renascentista, um Leonardo da Vinci do rap, hein?
Não, não [risos]. Meu maior problema é que eu não ouço a minha mãe. Ela diz para eu descansar, mas eu não quero. Tá tão da hora o bagulho que eu não vou parar agora.

POR AMAURI STAMBOROSKI
FOTO POR PEDRO FALCÃO