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10 pensamentos sobre Holger Czukay, o piadista e cósmico pai do krautrock

O co-fundador do Can, uma das bandas mais influentes de toda a existência do rock, morreu aos 79 anos.
Lia Kantrowitz
ilustração por Lia Kantrowitz
Amanda Cavalcanti
Traduzido por Amanda Cavalcanti

Os fãs de música estão de luto pela morte de Holger Czukay, membro fundador do grupo Can e artista celebrado por suas inovações na world music e na composição baseada em samples. Segundo foi reportado, Czukay, que tinha 79 anos, foi encontrado em seu apartamento em 5 de setembro de 2017 e teria morrido alguns dias antes. O que se segue é um tributo devidamente distraído ao músico alemão amado por nerds de som em todo o mundo.

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1. Um borrão de vocoder, um suor de sintetizador, "Ode to Perfume" (1981) de Holger Czukay pia e vibra como um mosquito voando pelos seus ouvidos por um tempo, e depois pousando num groove torto. O mesmo pode ser dito das músicas previamente sem teto do Can, o grupo alemão lendário de art-rock que Czukay co-fundou, cujos sons começavam como improvisações de horas que ele reduziu a composições, movimentos, experiências, acontecimentos; escolhendo as melhores partes localizando não a agulha no palheiro, mas um pedaço de feno específico no palheiro que só ele e a banda viam como diferente do resto. Essa técnica ocasionalmente resultou em músicas avant-garde que soavam quase pop ("Spoon" e "Vitamin C"), mas principalmente em peças expansivas e transformadoras, como a faixa de quase 12 minutos "Peking O", com participação do vocalista mais famoso do Can, Damo Suzuki, destacando a liberdade da psicodelia e a possibilidade de que a psicodelia te congele.

2. "Ode to Perfume", segundo Czukay, pelo menos, era uma música feita para ouvir andando de patins. Sei lá, viu. O som dele operava quase sempre nessa estática abstrata. Mesmo na ostensível cozinha do Can quando ele estava no baixo, arrancando uma música de festa criptológica, mantendo o tempo e dobrando-o junto ao baterista Jaki Liebezeit, preciso como um ciborgue. Como muitos alemães dos anos 60, Czukay abateu a possibilidade do fascismo na arte — rígido e livre, ele nos ofereceu uma fenda no céu, uma mosca embalsamada, algo escorregadio que não podia ser descrito e cooptado e torcido por meios nefastos.

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3. As raízes do Can são acadêmicas. Quatro pessoas — dois assistentes de Karlheinz Stockhausen (Czukay e o tecladista Irmin Schmidt), um entusiasta de free jazz (Liebezeit, o baterista) e um guitarrista adolescente que poderia tocar qualquer coisa (Michael Karoli) — tinham o buzz da revolução do final dos anos 60 neles e faziam performances viscerais. Uma história típica, mas um pouco diferente do restante. Pra começar, Czukay tinha 30 anos quando o Can começou, então o que você ouve é o som de alguém ficando ligado não por obrigação jovem, mas porque ele era aberto e a ficha caiu. Então, o Can escapou da sombra gigante do Stockhausen e tudo o que flertava com rock e psicodelia e construíram algo que não era nada disso. Em "Father Cannot Yell", a faixa de abertura do disco de estreia do Can, Monster Movie (1968), Czukay toca uma linha de baixo roubada de "European Son" do Velvet Underground e faz o Velvet soar como se eles estivessem tocando usando luvas de jardinagem. Não muito depois disso, o Can se tornou parte de uma cena que os falantes de inglês chamaram de "krautrock" (assim como Faust, Kraftwerk, Amon Duul II, Neu!), um tipo de viagem musical que você só reconhece ouvindo e se baseia na tensão nunca resolvida entre uma estranha ordem e um caos arrepiante.

4. Há uma apresentação do Can em 1975 tocando"Vernal Equinox" no The Old Grey Whistle Test em que Czukay se parece David Crosby vestido como um Han Solo punk e ancorando a fusão com seu baixo. E ali está ele, dois anos depois, no Top of the Pops, usando calças amarelas e uma jaqueta de baseball tocando um hit disco do Can, "I Want More", uma faixa comercial sobre comerciais e desejo infinito e ambição ("I want more and more and more and more and more"). Se esses acadêmicos patetas alemães tinham esse suingue, qual é a desculpa do resto? Czukay continuou com seu groove em "Bänkel Rap '82" do disco Der Osten Ist Rot, que soa meio que como se partes partes de "Lido Shuffle", do Boz Skagg, fossem tocadas por cima de mensagens de secretária eletrônica e metais que lembram o ska-não-ska de "SpottieOttieDopaliscious", do Outkast, e "How Much Are They?", com Jaki Liebezeit e Jah Wobble, que previu a redução sônica do techno. Daí pra frente, é só uma série de sol aparecendo entre as nuvens através de momentos musicais.

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5. Eventualmente, Czukay se cansou do baixo, ou do Can, ou das faixas que cabiam na definição ligeiramente jazz que o Can englobava, e Rosko Gee ficou responsável pelo baixo enquanto Czukay começou tocava ruído ao fundo das faixas (meio que como Eno no Roxy Music), eventualmente deixando a banda depois do álbum Saw Delight (1978). O Czukay meio que fez o que o Kraftwerk fez, achou liberdade nas máquinas, mas ele tirava mais graça disso e emitia um maximalismo intuitivo, se inspirando não apenas nas longas jams do Can mas em qualquer coisa que estivesse por aí na TV ou no rádio. Depois, ele começou a samplear, o que tornou as opções de Czukay ainda mais intermináveis. O som que ele fez, especialmente como um artista solo, era muito aberto e embaçado. No último disco que ele lançou, Eleven Years Inner Space (2015), há uma música chamada "My Can Revolt", em que ele acelera uma jam do Can de décadas atrás e adiciona ainda mais ruído. Afinal, por que não?

6. Ouça "Persian Love", do Movies (1979), uma bonita peça de orientalismo. A apropriação de Czukay é ciente e brincalhona – há uma série de faixas do Can, todas categorizadas como parte da série "Ethnological Forgery Series", que não dão sinal algum de que ele estava sendo um intruso ou invasor. A sensação era de que isso acontecia porque ele simplesmente não queria ser alemão, porque a cultura alemã significava nazismo e pureza e, portanto, a autenticidade é suspeita. Há uma pluralidade cultural no Can, também. Seus dois primeiros cantores eram um negro (Malcolm Mooney) e um japonês (Damo Suzuki), e as faixas eram basicamente um pano de fundo para que os vocalistas desabafassem – a raiva dos não-ouvidos e oprimidos. Faixas de Tago Mago (1971) fazem referência a mortes por bomba atômica. "Oh Yeah" contém um som de explosão e "Mushroom" é uma reflexão sobre a bomba ("When I saw, mushroom head/ I was born and I was dead").

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7. Ah, e nos anos 80, há a faceta pateta de Czukay no vídeo de "Cool In The Pool", outra música disco, usando figurinos e soprando uma trompa. É um clipe que fica pau a pau com, por exemplo, o "Din Daa Daa" de George Kranz ou a interpretação ao vivo de "Fly Away", de Peter Allen.

8. Em 2007, Kanye West usou "Sing Swan Song" do Can para uma interpolação em "Drunk and Hot Girls", do Graduation, uma piada misógina com participação do Mos Def. De alguma maneira, Kanye, que colocava 50 Cent e Talib Kweli na mesma faixa só pra zoar das pessoas e mostrar que somos todos parecidos, ouvia Damo Suzuki no balbuciar de Mos Def. Isso é muito inspirado – talvez a única coisa inspirada na que é objetivamente a pior música do Kanye West, mas pelo menos agora você sabe que o que inspirou Kanye de início foi o baixo de Czukay - a esguia e ágil medula de "Sing Swan Song".

9. Então, o que fazer com a colaboração entre Czukay e U-She em 2003, The New Millennium? Quando foi lançada parecia tudo tão datado e agora parece à frente de seu tempo, até a capa streetwear ciberpunk com Holger no canto gritando com um chapéu branco como Mike Love ou algo do tipo. New Millennium começa com "Le Secondaire", que remixa "Le Premiere" de Czukay e usa partes de "Chain Reaction" do Can como uma maneira de dizer que o krautrock se alimentava de si mesmo. Talvez, se o Stereolab e tantos outros pudessem imitar de Can, Czukay também poderia? U-She, mais tarde, se tornou colaboradora frequente de Czukay e sua esposa – ela morreu em julho deste ano aos 55 anos.

10. Um interlúdio drogado no filme de 2002 Morvern Callar – baseado no romance de Alan Warner dedicado a Czukay; Warner mais tarde escreveria um livro inteiro sobre Tago Mago do Can – em que tocam as faixas "I Want More" e "Fragrance". É a trilha sonora perfeita para festejar com um pingo de perigo ou, neste caso, festejar depois de descobrir que seu namorado cometeu suicídio e, ao invés de chamar a polícia, ignorar seu corpo ensanguentado e divertir-se gastando toda a sua grana. Esse é o plot de Morvern Callar, por sinal. A diretora Lynne Ramsay compreendeu essa premissa no Can e em Czukay. Uma dica de que as coisas estão condenadas ou podem ser ou poderiam ser, evidenciadas pela interação de Czukay e Liebezeit (Liebezeit morreu no início deste ano também, aos 78 anos, de pneumonia). Czukay, conta a história, morreu há alguns dias e foi encontrado em seu apartamento, que também era antigamente um estúdio do Can (depois que eles se mudaram de uma porra de um castelo), presumivelmente um pouco apodrecido. E, em um momento raro na vida pública de Holger Czukay, não há nada de engraçado sobre isso.

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