O dilema dos blocos secretos de carnaval do Rio
Bunytos de Corpo em 2017. Foto via Facebook.

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O dilema dos blocos secretos de carnaval do Rio

Alternativa válida para curtir o maior carnaval do mundo sem passar perrengue de multidão ou frescura elitista de panelinha?

Eles não constam na lista oficial de blocos da prefeitura do Rio de Janeiro, e para acompanhá-los é preciso estar atendo às redes sociais, ou ter algum amigo muito bem informado. Apelidados de secretos, estes blocos dividem opiniões e há quem ame sua dinâmica e se sinta em um caça ao tesouro e quem odeie e os acuse de elitismo.

As irmãs Giulia, de 20 anos, e Vitoria Portella, de 25, não conseguem passar o carnaval juntas. Frequentadora do Amigos da Onça e Bunytos de Corpo, a microempresária Vitoria ama estes blocos, e conta que fica sabendo do dia, horário e local através de grupos de foliões no Whatsapp. "Eu gosto pela vibe, o astral. Acho tudo bem livre, leve e, de certa forma, seguro, por não ter tanta gente. Me sinto à vontade pra me montar como quiser, inclusive 'pagar peitinho'. Além do mais, a 'caça' aos blocos adiciona uma adrenalina extra."

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Giulia e Vitoria, separadas pelo Carnaval.

A mais nova, a estudante Giulia, tem ranço. "Eu gosto de fazer com antecedência uma listinha e já programar os horários certinhos. Não tenho muita paciência de ter que ficar acompanhando pra onde os blocos estão indo e os imprevistos. Para quem mora longe, é realmente complicado. Eu gasto um valor relativamente alto, R$ 18, para me deslocar até o Rio, fora o tempo. Levo quase duas horas para chegar ao Centro no carnaval", conta a moradora de Maricá, que frequenta atualmente blocos como Favorita e Me Beija que Sou Cineasta.

A tendência começou há doze anos com um grupo de amigos que se juntou para sair sob a alcunha de Se Melhorar Afunda. Desde então, a cada ano, o bloco sai com um tema, nome e trajeto diferentes. Já se chamou Exalta Rei, Epa Rei, O Centrão Vai Virar Mar, Baianada, Boa Noite Cinderela, Saravaço, Oh Ménage e, em 2017, Sincreto — que seria uma crítica ao prefeito Marcelo Crivella, bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus. Para saber quando sai o apelidado bloco secreto — nome que eles rejeitam — é preciso que algum amigo te conte.

Hoje, outros blocos também seguem a estratégia de segurar as informações. O Technobloco, apelidado de Tekinão, que saiu pela primeira vez ano passado embalado por músicas eletrônicas tocadas por sopro e percussão, não tem perfil nas redes sociais. Eles fizeram dois cortejos, um no carnaval e outro no pós, correndo — literalmente — com uma multidão pelas ruas do Centro à noite. Conhecido pelas composições e coreografias próprias, o Amigos da Onça, que desfilava desde 2012 na madrugada da terça-feira de carnaval, no último ano antecipou o cortejo para a madrugada de sábado. Choveram críticas dos foliões, principalmente pela divulgação de informações erradas. Este ano, consta na programação que vão desfilar na manhã da quarta-feira de cinzas.

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Os três grupos se recusaram a falar com a VICE sobre os motivos pelos quais preferem ficar na surdina, mas o estreante Dali saiu mais cedo e aceitou abrir o jogo sobre a estratégia. Criado em setembro por Bruno Simas e Gika Verezzo, o grupo reúne cerca de 30 músicos e sete pernaltas. O nome dá a pista: o bloco saiu antes do carnaval, no último sábado, e deve repetir a dose antes da próxima folia. Com temática surrealista e críticas sociais, eles tocam de Caetano Veloso a The Doors.

O grupo fez um teaser, semanas antes, inspirados nos elefantes de Dalí, mas a divulgação aconteceu três dias antes com evento no Facebook, fechado aos amigos, e mensagens no Whatsapp. "Nossa ideia não é ser um bloco secreto, é chegar de uma forma diferente. No último ano, o secreto lotou porque é muito fácil mandar uma mensagem e chegar em todo mundo. A ideia é mexer com o imaginário das pessoas", diz Bruno.

Apesar da opção por uma divulgação restrita, a organizadora entende as reclamações dos foliões: "Eu sou dessas que ao mesmo tempo que fico com impaciência dos blocos que eu não faço parte não divulgarem, porque eu quero ir nestes blocos. Parece que instiga mais a vontade", observa ela, que, no entanto, pondera: "Concordo que todo mundo tem que estar onde quiser, mas quando superlota fica difícil de organizar."

Assim como Gika, a professora Priscilla Isabel Braga Soares, de 30 anos, tem sentimentos contraditórios. "Amo porque acho que é a cara do carnaval. A cidade é de todo mundo, e acho lindo que aconteça essas manifestações assim do nada na rua, com pessoas só querendo se divertir. Mas odeio porque é difícil saber onde tá rolando. Se não tiver algum conhecido, fica de fora. Acho que rola uma panelinha, sei lá.", conta a foliã que conheceu, em 2015, na rua, o secreto e o Bunytos, mas perdeu os dois no último ano por falta de informações.

Fundado por Gigante César no Recife, em 2010, o Bunytos de Corpo chegou ao Rio em 2012, com a ideia de criticar o culto ao corpo. Todo mundo vai fantasiado de roupa de ginástica e segue correndo atrás de um som, que toca músicas de academia. Para saber quando sai tem que ficar de olho no dia na página no Facebook. No último ano, eles arrastaram cerca de 15 mil pessoas pela Praça da Bandeira, na Zona Norte da Cidade. Foi a primeira vez que não desfilaram no Centro. "A Riotur tinha pedido para a gente ficar parado, mas o Bunytos é um bloco que corre e anda. Estamos na surdina para manter isso. Todo mundo sabe que vai sair na segunda-feira, então se divulga na manhã não fica tão difícil de ir. Quem acompanha sabe."

Para a ilustradora Lola Angelucci, de 27 anos, a falta de informações prejudica a segurança dos foliões. Ela conta que perdeu o Bunytos de Corpo, em 2016, por eles saírem num local diferente do divulgado, na Carioca, e já desistiu do Amigos da Onça após quatro horas de espera num fim de semana no Centro do Rio, quando havia acabado de se mudar para a cidade. "É a turminha dos amigos populares, e aí tem a galera baba-ovo que fica atrás, fica lá tentando ser incluído. A gente voltou para o pátio do colégio, mesmo tendo quase 30 anos", diz a frequentadora do Surdos e Mundos e do Trombetas Cósmicas do Jardim Elétrico.

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