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Música

Loveparade, Você Devia Ter Ficado Morto

Tem uma galera refém da nostalgia profanando o túmulo do antológico festival alemão.

Noel Gallagher acabou de lançar seu mais recente disco solo, Chasing Yesterday. Como o título cuidadosamente escolhido pode sugerir, esse disco soa datado, nada distante de como ele podia soar 20 anos atrás, no ápice do Oasis. Seria mais ou menos cool então, mas hoje - desculpa, caros fãs de Oasis - ele é simplesmente chato. Adicione isso aos resmungos de Gallagher falando de como o rap meramente discursa em volta de "vadias" e dinheiro, e o quão absurdamente engraçado é pessoas fazendo rap em qualquer outra língua que não o inglês.

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O que isso tem a ver com a nova Loveparade em Berlim? Tudo isso diz algo específico sobre Noel Gallagher: Ele está velho.

O Loveparade original, um festival de techno com viés político, aconteceu quase que espontaneamente depois da queda do muro de Berlim, um quarto de século atrás, e durou mais 14 anos até 2003, e então em 2006, enquanto outros eventos dos anos 00 eram cancelados ou realocados. Encarnações em São Francisco, Buenos Aires e outras cidades (no Brasil teve algo parecido) apareceram esporadicamente, mas já em 2010, o Loveparade havia acabado oficialmente depois de um desastroso e fatal evento na pequena cidade de Duisburg, no oeste da Alemanha. Agora, um novo grupo de organizadores pegou o legado do Loveparade e está tentando dar uma roupagem nova para ele com evento chamado "Trem do Amor".

Alguém deveria dizer a Gallagher e à turma do Love que simplesmente é natural mudar conforme envelhecemos. Ninguém deveria tentar ser o tipo de pessoa que era quando tinha 20 anos. Quando você tem 20 anos, o mundo é seu! Tudo parece tão incrível, tão jovem, tão selvagem. Mas, conforme você fica mais velho, de tempos em tempos aparece um capetinha feio pousado no seu ombro. Seu nome é nostalgia.

Nostalgia é a pior coisa que pode acontecer com você. Claro, você pode tranquilamente pegar a sua cópia de What's The Story Morning Glory de tempos em tempos e se deliciar com o passado, mas qualquer um que esteja permanentemente preso na nostalgia, nunca pode fazer nada realmente relevante no presente.

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A ideia de trazer uma nova Loveparade para Berlim a renomeando de "Trem do Amor" - Zug de Liebe, em alemão - fede a nostalgia a quilômetros de distância. Por esse simples motivo, esse trem não pode ser uma boa ideia. Uma olhada por trás da cena confirma esta suposição. O fundador original, o DJ conhecido como Dr. Motte, ou qualquer outra versão mais recente dele não está em nenhum lugar à vista. No lugar dele, o principal organizador do trem é Jens Hohmann, de 42 anos, anteriormente conhecido apenas por alguns por ser a pessoa por trás do guia de baladas de Berlim "The Club Map".

Não há nada de errado com Hohmann e seus amigos quererem ser socialmente engajados, mas nada faz sentido real quando você lê a declaração oficial do grupo. De um lado, o nome completamente sem sentido, Zug der Liebe, soa como uma tentativa infeliz de traduzir Loveparade. Por outro, a prioridade mais alta do grupo é não ser comparado com o Loveparade. O Trem do Amor quer ser político e se levantar contra o consumismo cego ao mesmo tempo que usa o slogan oco "Paz, Alegria e Amor." Não fique tão empolgado com o Alegria: os convidados também são advertidos a não levar nenhuma bebida alcoólica para esse evento público e ao ar livre.

O que o trem pretende ser? Um movimento político contra a gentrificação, o racismo e o consumismo? Todos os temas são abordados na declaração, mais ou menos aleatoriamente. Qual o chão comum entre racismo e gentrificação no centro de Berlim? De que forma o consumismo está envolvido nisso? Sera que "amor" é uma demanda política séria?

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Se você quer ser tão político, por que também demonstrar apoio contra a dívida da Grécia, pensionistas fajutos ou drogas? Ou mesmo a favor das drogas! Contra as Olimpíadas, construindo condomínios caríssimos no aeródromo de Tempelhof e contra o acordo de mercado entre Estados Unidos e União Europeia. Contra ou a favor de Putin, veganismo, dietas baseadas em carne e destruição das florestas tropicais. Sério, é só escolher um!

Se um grupo não ousa o bastante para concordar com uma causa ou conceito unificador, qualquer seleção que eles façam parece aleatória e portanto trivial.Em 1989, quando pessoas se encontraram pela primeira vez para celebrar o Loveparade em Berlim, havia, no fim das contas, alguma coisa empolgante acontecendo lá naquela hora: a guerra fria havia desmoronado pacificamente, o muro tinha caído e Berlim havia sido reunificada, o que significava um futuro melhor pronto para ser conquistado pela juventude da capital da Alemanha. Ecstasy poderia manter você em um bom humor enquanto o techno fazia a trilha sonora. O amor triunfou sobre o medo e havia um reconhecível ar de liberdade.

Voltando ao hoje, a situação mudou dramaticamente. O mundo está caindo aos pedaços, com o caos se aproximando firmemente dos pequenos oásis de riqueza e abundância na Alemanha. Assuntos politicos estão ficando cada vez mais importantes, mesmo para um grande grupo de jovens que se sentiam apoliticos durante muito tempo. Berlim oferece menos liberdade todos os dias e está espremida entre os turistas e a gentrificação mas, ao mesmo tempo, a cidade necessita vitalmente do dinheiro que o turismo e a gentrificação trazem. Ah, como seria corajoso se o Trem do Amor fosse uma demostração clara de um posicionamento político, melhor ainda se trazido à tona por uma geração mais jovem afetada por todas essas mudanças.

Nós podemos apenas torcer para que algum dia um movimento jovem possa nascer como aquele que criou o Loveparade ao fim dos anos 80. Um movimento imune de apropriação de pessoas de meia idade com a sua agenda nostálgica.

Enquanto eu sinceramente espero que isso aconteça, é duvidoso que a Berlim de hoje ainda seja o lugar para isso acontecer.

Este artigo foi publicado originalmente no THUMP Alemanha, e nós aqui no Brasil também temos nossa Loveparade.

Tradução: Pedro Moreira