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Música

Fim da Fronteira

Em um grau surpreendente, os EUA modernos se encontram na mesma situação quase exatos 100 anos depois. O rock 'n' roll é para os EUA do século XXI o que o Velho Oeste foi para os EUA do século XX: uma fronteira encerrada, pronta para a mitologia de...

Ilustração por Laura Park

É esquisito pensar no Velho Oeste como algo que poderia ser “fechado”, como uma caixa de papelão ou um estabelecimento que não teve sucesso. E, mesmo assim, no Censo norte-americano de 1890 fez exatamente isso, ao anunciar audaciosamente que o governo não tabularia mais a migração para o Oeste, já que a região fronteiriça tinha deixado de existir. Com uma canetada, o Velho Oeste inteiro—todos os seus montes, pradarias, cidades proscritas e puteiros mal iluminados—tornaram-se apenas o Oeste, só mais uma região dos EUA. No decorrer dos anos 1890, acadêmicos debateram o impacto psíquico desse fechamento em um país que não tinha mais para onde ir. Treze anos depois, um filme de 12 minutos chamadoO Grande Roubo do Tremintroduziu o gênero dos filmes de faroeste. Trata-se de um filminho sem-vergonha, bruto e surpreendentemente violento. Também foi o primeiro filme a usar montagem paralela, dupla exposição e filmagem em locação. Para muitos americanos,O Grande Roubo do Tremfoi o primeiro filme, ponto final. Quando o líder dos foras-da-lei olha para a câmera e atira na direção do espectador, as primeiras plateias reagiram com pânico. Se o absurdo arbitrário da decisão do censo não matou o Velho Oeste,O Grande Roubo do Tremcom certeza o fez. Romances baratos, shows de menestrel americanos e exposições itinerantes davam nova roupagem às lendas dos cowboys desde antes da Guerra Civil americana, mas foi necessária a nova mídia do filme para transformar o folclore em cultura de massa genuína. Em menos de uma década, o faroeste era o principal gênero do cinema mudo, e atores como Tom Mix estavam desenvolvendo um método de como ser um astro de cinema. Em um grau surpreendente, os EUA modernos se encontram na mesma situação quase exatos 100 anos depois. O rock ’n’ roll é para os EUA do século XXI o que o Velho Oeste foi para os EUA do século XX: uma fronteira encerrada, pronta para a mitologia de massa. Como a perspectiva da nossa era começa com uma cultura pop já cheia de mitologias, estamos especialmente cegos para o impacto colossal que o rock—de Bill Haley ao grunge—terá no século diante de nós. Este século tem até uma analogia direta comO Grande Roubo do Trem. Em apenas cinco anos,Guitar Herose tornou uma franquia multimilionária, cheia de clones, sequências e competições. Ídolos do rock clássico emprestam seu talento para o software do jogo assim como Wyatt Earp já fez consultoria para John Wayne e o diretor John Ford. A mídia doGuitar Hero—participação virtual direta—ainda está engatinhando, assim como a indústria do cinema estava em 1903. Nas próximas décadas, jogos de rock imersivos, tridimensionais para diversos jogadores vão atrair futuros fãs de música e abrir caminho para autoexpressão desvinculados da composição ou das apresentações como as conhecemos (e isso não inclui inovações imprevisíveis, assim como a CGI teria sido inimaginável para os cineastas de 1903). Se você alguma vez sentiu um calafrio ao ouvir uma multidão gritar enquanto seu representante virtual se movimentava pelo palco, imagine como será essa experiência em 3D, alta definição, estéreo total, em uma casa de shows aparentemente real, sem uma tela de TV entre você e seu amado público. Não é difícil ver os bonecos encantados dos personagens do jogo como precursores dos jogos foto-realistas que estão a poucos anos de distância. O jogo em si oferece diversas prévias para um futuro próximo de singularidade em games de música. Em 2008, os fãs do Metallica trocaram versões doGuitar Herodo álbum mais recente da banda,Death Magnetic, em protesto contra a suposta supercompressão do álbum. A polêmica do ano passado sobre o avatar maltratado de Kurt Cobain noGuitar Hero—uma marionete fantasma condenada a um karaokê interminável—certamente pressagia os muitos conflitos vindouros envolvendo a CGI e espíritos de celebridades. Guitar Herofoi lançado em 2005. Pela lógica da analogia com oGrande Roubo do Trem, isso antecipa a conclusão do rock ’n’ roll para o início dos anos 90 (jornalistas mais implicantes do que eu podem estabelecer 1994—morte de Kurt Cobain e nascimento do Creed—como o ano da morte do gênero, se não de toda a música popular). É um final um pouco sentimentaloide, mas não totalmente. Com certeza não houve nenhum rótulo de marketing de massa novo como o “grunge” depois do grunge. O que se pode afirmar é que há uma escassez de novos fazedores de hit neste século. Aqui uma lista com as maiores turnês de 2000 a 2009 segundo a revistaBillboard:

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1. The Rolling Stones

2. U2

3. Madonna

4. Bruce Springsteen

5. Elton John

6. Celine Dion

7. Dave Matthews Band

8. Kenny Chesney

9. Bon Jovi

10. Billy Joel

11. The Police

12. The Eagles

13. Tim McGraw   14. Aerosmith

15. Neil Diamond

16. Cher

17. Paul McCartney

18. Rod Stewart

19. Metallica

20. Rascal Flatts

21. Britney Spears

22. Jimmy Buffett

23. Tina Turner

24. Toby Keith

25. Trans-Siberian Orchestra

Parece que a década toda foi um festival de velharias gigante, uma série de maratonas entusiásticas intermináveis de atrações antigas. Menos de um quarto desses artistas surgiu nos anos 90 e apenas umdeles—os caipiras chatos do Rascal Flatts—pode ser considerado novo (e por pouco, uma vez que eles desbravaram o mercado nos primeiros seis meses de 2000).

O fato de nenhum gênero novo—quanto mais bandas—ter conseguido cativar o coração dos americanos nos últimos dez anos é um sinal de quão fragmentada a música pop se tornou. Hip-hop, pop punk, emo e indie podem ostentar até certo ponto a energia do rock, mas já faz tempo que eles perderam o direito de declarar sua inovação (20 anos atrás, os críticos comparavam Jane’s Addiction com o Led Zeppelin, nenhuma banda gera essa comparação neste século). Sons novos e empolgantes ainda surgem nos subgêneros, mas os músicos modernos extraem quantidades cada vez maiores de inspiração da tradição, não da originalidade. Os sexagenários dos Rolling Stones fazem sucessivas voltas da vitória pelo mundo, assim como Buffalo Bill, já velho, fez turnês pelos EUA e pela Europa nos anos 1880 e 1890 apresentando truques de laço e cavalo ao lado de Annie Oakley e do Touro Sentado. Mesmo as apresentações mais insanas, depravadas e chocantes de 2010 precisam driblar o precedente estabelecido pelos shows insanos, depravados e chocantes do passado recente. Assim como em 1890, não há para onde ir. Até o fim da década de 80, o mercado musical era regido por seis empresas (desde então transformadas em quatro), e a consolidação das grandes gravadoras serviu de bode expiatório fácil para os pecados de uma indústria inteira: homogeneização, censura furtiva e brandura rastejante. Mas uma situação muito mais sinistra se escondeu sob a consolidação dessas gigantes: a explosão das gravadoras pequenas. Conforme os preços de gravação e manufatura caíam no decorrer dos anos 90, o mundo enfrentou um ataque violento de produção artística sem precedentes na história da humanidade.

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Uma edição de maio de 2001 daBillboardrevelou esse apuro com dados quantitativos obtidos no SoundScan do ano anterior. Na virada do século, selos independentes eram responsáveis por 71% de todos os álbuns lançados—mais de 200 mil títulos. Mesmo com a menor das tiragens (mil), isso significou a criação de mais de 200 milhões de novos objetos físicos apenas naquele ano e para apenas uma categoria. Mas somente 17% do dinheiro oriundo da venda de discos voltaram para esses selos independentes. E as vendas médias dos selos independentes foram de apenas 635 unidades por título. O artigo concluía: Tenho certeza de que os distribuidores gostariam de acreditar que estão no ramo das vendas, mas, verdade seja dita, eles estão no ramo da expedição e recebimento, e a essência das suas atividades é enviar grandes quantidades de CDs indesejados de um lado para o outro, de um porto a outro. Em qualquer outra esfera de atividade humana—ou seja, uma que não seja determinada pelos anseios artísticos das pessoas—esse comportamento tem nome: bolha econômica. As vendas de álbuns despencaram 60% desde então. Em apenas 20 anos, os compactos se transformaram de um luxo em um amontoado (pense em quantos você comprou este ano versus quantos teve de jogar no lixo), e o apocalipse rastejou implacavelmente pela cadeia alimentar da indústria. Em 2010, as grandes gravadoras cambaleiam na direção de qualquer ídolo adolescente ou prêmio que puder oferecer um aumento mínimo de vendas. Apesar de o modelo de economia das grandes e pequenas gravadoras ser muito diferente, ambas parecem ser um negócio cada vez mais inviável com lampejos de sorte ocasionais e excepcionais. O excesso de produção gerou uma excesso de bandas. Os dias de astros do pop onipresentes se foram. Em seu lugar há um borrão de subgêneros em eterna fragmentação que entram e saem do gosto público pelo DDA da DSL. Na década passada, o público defendeu e rejeitou o blog house, dance-punk, chillwave, crunk, electroclash, freak folk, glitch, grime, mash-ups, neo-lo-fi e muitas tentativas de revival do rock básico. Todo ano, cada vez mais bandas competem pelos espaços exíguos dos clubes. Os shows indie/underground dos anos 2010 estão engasgando com o sucesso das bandas indie/underground dos anos 80 e 90.

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Em nenhum outro lugar esse mercado de compradores está mais em evidência do que nos festivais. Enquanto ainda há muita diversão para o público e para os representantes da indústria, os festivais evoluíram para outra coisa para as bandas: uma corrente de humilhação artística disfarçada de oportunidade de carreira disfarçada de férias da vida de turnês comuns. Com cada vez mais concorrência a cada ano, as bandas têm uma chance cada vez menor de assinar um contrato e uma chance cada vez menor de que esse contrato signifique alguma coisa. No South by Southwest, dezenas de bandas têm de tocar em casas vazias às 11 da manhã. Há grupos demais, cantores-compositores demais, sonhadores demais. Outubro passado, o artigo “Why Does CMJ Exist, Exactly?” [Por que o CMJ existe exatamente?] doVillage Voice, descreveu o prestigiado CMJ Music Marathon como sem inspiração e amador, e seus shows como “coroações, não apresentações”. O artigo continua: CMJ pode muito bem não existir para ninguém neste momento, além de alguns europeus que vêm para os EUA, felizes por ter reunido em um mesmo lugar coisas que em outra situação estariam muito distantes (o mesmo vale para figuras do A&R das gravadoras não afeitas à vida noturna, que podem ver um monte de artistas ao mesmo tempo). É um evento que resiste por inércia. Ainda existe um canto da indústria musical com bastante força: a nostalgia. Bandas cover—que um dia foi um gênero novo multiplicado por imitações de Elvis e da beatlemania—hoje são parte integrante da vegetação rasteira da vida noturna de qualquer cidade grande dos EUA. Nos últimos 30 anos, o Hard Rock Cafe se espa-lhou por um quarto das nações da Terra. Nem mesmo uma crise econômica global diminuiu a febre da memorabilia. Dois meses depois do início da Grande Recessão, a casa de leilões Christie fez uma venda “Punk/Rock”, repaginando centenas de itens colecionáveis como “artigos raros”. Havia um flyer de xerox do Germs (vendido por 688 dólares), um pôster promocional dos Sex Pistols (6.250 dólares) e uma foto autografada da Debbie Harry (8.750 dólares). É impressionante que o leilão tenha coberto os 40 anos entre Bill Haley e Nirvana, como se os leiloeiros estivessem usando seu prestígio para criar um caráter decisivo. E então tem o Rock and Roll Hall of Fame and Museum, em Cleveland, onde por 22 dólares você pode visitar a cartola de Slash, exibida com a mesma solenidade que a cartola menos moderna de Abraham Lincoln nos Arquivos Nacionais dos EUA. Depois que os Sex Pistols declinaram sua indicação em 2006, John Lydon enviou uma famosa nota desprezando o museu e o comparando a uma “mancha de urina”. Se o Hall da Fama não enquadrar e exibir a nota respeitosamente, a Christie provavelmente vai vendê-la para alguém que o faça. A indicação de rappers para o Hall da Fama tem provocado ondas de terror entre os puristas. O site do museu afirma, em uma audaciosa fonte em estilo grafite, que “hip-hop é rock ’n’ roll”. Em uma longa defesa desse movimento de inclusão, o site mais adiante afirma que “o hip-hop é simplesmente a mais recente repetição de uma conversa que os EUA têm consigo mesmo há 400 anos”, que é uma das diversas definições plausíveis (outra é que o hip-hop faz parte de um monólogo muito mais curto e alto que os EUA fazem para o resto do mundo desde a II Guerra Mundial).

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É uma questão difícil. Quais são os limites do rock ’n’ roll? OGuitar Heroé diferente doDJ Herono que tange `a necessidade de diferentes grupos de controles de input. Mas ainda é o mesmo jogo. Da mesma maneira, a mitologia do rap se parece muito com a mitologia do rock: vença a adversidade, aposte alto, ganhe tudo. É um modelo tão durável que é difícil pensar em qualquer gênero popular (ou subgênero ou sub-subgênero) que fique fora dessa mitologia construída no baby boom. Até mesmo as bandas eletrônicas mais esquisitas ainda funcionam dentro da estrutura do envolvimento baseado na performance. Se você não é pago em dinheiro e fama, recebe em entusiasmo e notoriedade. Toque ao vivo com um instrumento inventado no século XX e você quase definitivamente está tocando sob a Grande Tenda do Rock ’n’ Roll. Aliás, é uma tenda tão grande e antiga que para muitos músicos vivos hoje é difícil imaginar um mundo que não siga as regras da mitologia do rock americano. Essa falta de contexto deu à luz a um conceito mutante de direito adquirido. Parte desse direito é meramente tecnológico. Para qualquer um com menos de 30 anos, um mundo de gravações domésticas ilimitado, distribuição global instantânea e capacidade infinita de armazenamento (enquanto esta matéria é escrita, 100 dólares compram quase dois anos de espaço de MP3) são um direito inato, não um luxo. Mas existe um tipo de direito adquirido ainda mais profundo hoje, insidioso em sua onipresença. Trata-se da ideia de que toda música é digna de reconhecimento. A Future of Music Coalition—a prestigiada organização sem fins lucrativos pelos direitos dos músicos—afirma em sua concisa declaração de missão que quer que os artistas “sejam recompensados por seu trabalho de maneira justa”. Em 2010, é comum o conceito de que o “músico” tenha uma carreira como qualquer outra que—como a do padeiro, banqueiro, médico ou fazendeiro—deve ser remunerado pelo simples ato mágico de fazer música. Um estudo da FOMC de junho descobriu que os músicos carecem de plano de saúde duas vezes mais que o índice nacional americano (33% contra 17%). É uma estatística triste, mas sem significado ambíguo. É possível dizer com a mesma facilidade que homens vivendo embaixo de pontes carecem de plano de saúde em 100% do índice nacional. “Se você eliminar os royalties de propriedade intelectual”, o ativista anti-Napster Travis Hill proclamou em 2000, “não vai haver motivo para que os músicos criem nada”.

Isso, na verdade, também não está correto. As pessoas fizeram música por muitos milênios antes dos royalties de propriedade intelectual. O clero, os militares, os contadores de história e os propagandistas há muito tempo estão em vantagem no que diz respeito a inspirar os músicos a compor. Para todos os músicos por aí lutando para encontrar seu lugar nos EUA do século XXI, parece que é um precedente fácil de discernir. Ele se chama EUA do século XIX. Ovaudevilleem especial tem alguns paralelos assustadores com o circuito atual de bandas de turnê pequenas ou alternativas. Uma enorme rede de casas de show e teatros existia um século atrás, abastecida por públicos ávidos por entretenimento e abertos a novas ideias. Os artistas devaudevilleeram unidos, lutavam e enfrentavam longos períodos de inatividade—assim como os músicos itinerantes de hoje. Desconsidere o motor de combustão interna e as duas eras de turnê parecem terrivelmente semelhantes. No entanto, havia uma grande diferença. Esses músicos conheciam perfeitamente seu mercado. Se a sua apresentação fosse um fracasso, você a refazia. Conforme os rostos pintados com rolha queimada se tornaram cada vez menos palatáveis politicamente nos EUA, esse tipo de apresentação se tornou mais rara. Até mesmo os “nut acts”—apresentações livres e cômicas de malucos que quebravam coisas—tinham como objetivo as risadas e reagiam às forças do mercado (isto é, donos de casas noturnas que os baniam por ficarem loucos). Nenhum músico do teatro de variedades ousava alienar o público de que dependia para o pão de cada dia. Não havia equivalentes novaudevillede performance de arte ou bandas “de barulho”. Das diversas apresentações extravagantes que percorriam o país nesta época no século passado—dançarinos, mágicos, músicos, ventríloquos—, não havia nenhuma que exigisse que a plateia aceitasse os termos do artista. “Expressar-se” era uma coisa para pintores e poetas, não artistas de performance.

O mundo atual de bandas e gravações na verdade é uma anomalia excêntrica na vasta curva da história da humanidade, precariamente dependente de uma série de inovações interligadas. Sem uma rede elétrica nacional (anos 1890-1930), o sistema de rodovias interestadual (anos 50) ou combustível confiável (anos 1910-90), as bandas não teriam como documentar nem promover sua música. A internet rapidamente se fez indispensável para todos os músicos. E as liberdades sociais pós-era hippies s&