O Ato Contra a Redução da Maioridade Penal Não Partiu dos Partidos

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O Ato Contra a Redução da Maioridade Penal Não Partiu dos Partidos

Grupo de quatro jovens chamou o povo às ruas e milhares de pessoas tomaram a Avenida Paulista.

Foto: Felipe Larozza/ VICE

PCO, PSOL, ANEL, UJS, UEE, UNE, UBES e mais um sem fim de siglas estampam o vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp) com suas bandeiras. A fanfarra arrítimica toca, cartazes são produzidos ali mesmo e alguns panfletos são entregues, até um sobre se tornar vegetariano. Aparentemente mais um ato organizado pelos partidos e organizações de esquerda, mas o Dia Nacional de Luta contra a Redução da Maioridade Penal, em São Paulo, apresentou nuances que o difere de outras manifestações recentes.

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Concentração minutos antes da saída. Foto: Felipe Larozza/ VICE

O chamado às ruas partiu de forma quase despretensiosa. Leonardo Rezende, da Juventude Metalúrgica do ABC, de 25 anos, e a recém-formada em Relações Internacionais Fernanda Marques, de 23. "A gente chamou esse ato de forma espontânea. Estávamos acompanhando as votações [na Câmara dos Deputados sobre a redução da maioridade penal] e teve no segundo dia a manobra que o Eduardo Cunha fez, isso nos deixou consternados e ela [Fernanda] chamou a manifestação na Internet", explica Leonardo.

Fernanda Marques, Leonardo Rezende (ao centro) e Murilo Magalhães, os organizadores da manifestação.. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Se juntaram ao bonde membros da Assembleia Nacional dos Estudantes Livre, movimentos estudantis, e como citado e era de se esperar, alguns partidos políticos. Sem pretensões de Kim Kataguiri da esquerda, Leonardo explica: "A gente pretende iniciar o debate. O discurso tá muito truncado e emotivo do lado de quem defende [a redução] principalmente. Estamos querendo ressaltar que tem 21 milhões de adolescentes no Brasil e, segundo os dados da Unicef, os crimes que esses adolescentes cometem 0,013% são contra a vida".

Todas as faixas da Paulista ocupadas. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados na última quinta (2), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que muda a maioridade penal de 18 para 16 anos em casos de crimes graves foi votada um dia depois da Casa ter rejeitado a proposta. "A gente não tá aqui pra defender impunidade, a gente tá aqui pra defender que ao cometer esse crime, eles [o Estado] tenham alguma medida sócio-educativa que consiga ressocializar ele para a sociedade e não tirá-lo dela", conta Fernanda.

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Fanfarra do M. A.L. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Por volta das 18h, com uma chuva fina, milhares de jovens tomaram a Avenida Paulista. Algumas dezenas de policiais fizeram uma barreira humana na ciclofaixa e o grupo marchou com sentido à Consolação. "Nós esperamos que seja um ato pacífico e que ele não atrapalhe o trânsito na Avenida Paulista demasiadamente, tendo em vista os 11 hospitais que temos na região", comenta o Capitão Aurimar, designado para comandar a operação. E completa. "O horário escolhido pra essa manifestação é preocupante e a população de São Paulo tá saindo do serviço. A população anda meio sem paciência pra manifestações nesse horário e o nosso receio é que algum manifestante venha a ser atropelado."

Capitão Aurimar, policial responsável durante o ato. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Ocupando todas as faixas da Avenida Paulista, o grupo seguiu até a Rua da Consolação e terminou o ato na Praça Roosevelt. Segundo a organização, o evento levou de 8 a 10 mil pessoas às ruas. A Polícia Militar não tinha estimativa do público. "O ato na internet ter chegado a quase 30 mil confirmados surpreendeu a gente e por isso que surgiu a ideia de fazer um Dia Nacional. Rolou pela Internet uma articulação com outras pessoas e por isso esse ato também está acontecendo hoje em outras três cidades. Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre", comenta Murilo Magalhães, de 25 anos, membro da ANEL. A organização informou que cerca de duas mil pessoas estiveram no ato carioca, mas não soube precisar como foram as manifestações gaúcha e brasiliense.

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Chorão eterno. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Sem nada a ver com a passeata, a ascensorista Selma Batista da Rocha, de 38 anos, estava com cara de poucos amigos no ponto de ônibus em frente ao Cemitério da Consolação. Ela brada: "Isso aqui não resolve nada. Eu sou totalmente contra, em vez de eles estarem trabalhando eles estão aqui atrapalhando a vida das pessoas. Tô aqui a mais de uma hora no ponto de ônibus, saí às 18h pra ir pra casa, eu moro lá em Artur Alvim. Que horas eu vou chegar em casa hoje?".

Selma Batista da Rocha. Foto. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Outro que não estava muito ligado na pauta era o garçom Romário Mendes Sodré, de 21 anos. Categórico, ele defende a redução: "Rapaz, eu acho que cada um deve responder pelos seus atos de acordo com a fatalidade. Um cara de 16 anos não é mais moleque. Se ele cometeu um crime ele tem que ter responsabilidade e pagar pelo que fez".

Romário Mendes Sodré. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Mas nem só de detonação popular viveu o ato. O vigilante Januário Junior, de 47 anos, assistia o bloco passar sem se preocupar com a dezena de carros que estavam sob sua responsabilidade. "Tá ótimo, tem que manifestar mesmo. Eu apoio eles com certeza. Não tendo quebra quebra tá tudo bem", disse. O analista de recursos humanos João Pereira, de 58 anos, também dá seu parecer. "Eu sou contra a redução também. Acho legítimo o protesto. Só estou tentando voltar pra casa", comenta subindo a Consolação no contrafluxo com o intuito de chegar em Santo Amaro, na Zona Sul.

João Pereira. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Fazendo um balanço do ato, o estudante e membro do movimento estudantil em Santo André, Geraldo Souza, o quarto fundador do evento, atesta: "Foi muito positivo, principalmente porque do começo ao fim a manifestação foi pacífica. Ela não ficou com aquela imagem, que sempre fica na mídia hegemônica, de vandalismo. Dia 13 a gente vai tá junto de novo".

Dispersão do ato na Praça Roosevelt. Foto: Felipe Larozza/ VICE

O mundaréu de gente ocupou as escadas da Praça Roosevelt e aos poucos os gritos de "Fora, Cunha" foram perdendo a força. Sem confronto, apesar de alguma apreensão, o ato rolou na moralina e quase todo embaixo de garoa. A segunda manifestação está programada para o dia 13 de julho, no Vale do Anhangabaú, no Centro da cidade. "A gente quer com esse ato chamar a atenção, principalmente no Estado de São Paulo, que tem um conservadorismo gigantesco", reflete Leonardo. Murilo finaliza. "A ideia é que esse seja o primeiro grande ato e que comece um movimento nas ruas pra barrar o projeto da redução, pra não deixar que a infância e a adolescência sejam retiradas da nossa sociedade".