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Identidade

Celebrando a negritude da mulher brasileira

O novo ensaio de Weudson Ribeiro, "SUPERAFRO: o poder da mulher negra", foca na identidade das mulheres negras e LGBTQ do Brasil.
Foto: Weudson Ribero

Foto: Weudson Ribero

O jornalista e cientista político brasiliense Weudson Ribeiro é conhecido por suas imagens celebrando a cultura queer tupiniquim. Na série mais recente, "SUPERAFRO: o poder da mulher negra", Ribeiro documenta mulheres brasileiras que expressam a sexualidade e a negritude como um ato político.

VICE: Fale um pouco sobre o projeto "Superafro" e o que você queria documentar, não só sobre a identidade negra, mas também de mulheres afro-LGBT.
Weudson Ribeiro: Com o Superafro, eu pretendo mostrar a diversidade que existe dentro do espectro afro-brasileiro, celebrar a beleza dessas mulheres e, com alguma sorte, contribuir na luta pela liberdade e igualdade por meio da sensibilização para questões que afetam a realidade do povo negro no Brasil, uma vez que vivemos em uma sociedade moldada por racismo, pigmentocracia, privação de direitos e sexismo. Com o aumento fenomenal do feminismo entre mulheres jovens e um maior acesso à informação graças à inclusão digital, vejo que as mulheres se sentir mais encorajados a usar o cabelo natural, a expressar a própria sexualidade e rejeitar eufemismos utilizados para tratar características afro como se negroide fosse um fardo.

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Como você encontrou a mulheres para esse ensaio?
Tudo começa com uma boa conversa. Vou pra rua todo fim de semana e abordo qualquer pessoa que me parece amigável.

Onde e em quanto tempo as fotos foram tiradas?
Moro em Brasília - a maioria dos personagens foram fotografados aqui. Conheci algumas delas durante uma viagem ao Rio de Janeiro. Comecei a fazer esses retratos há dois anos, mas a ideia de torná-los um portfólio veio depois de uma conversa que tive com a etnógrafa norte-americana Yaba Blay, que eu entrevistei no ano passado, quando trampava num jornal local.

Foto: Weudson Ribero

O que as mulheres das suas fotos representam?
As mulheres representam a resistência contra as probabilidades de uma sociedade de julgamentos. Pessoalmente, ter conhecido tanta preta bonita e inteligente foi um divisor de águas. Sendo o único filho de pais mestiços, eu mesmo tive dificuldade em entender e aceitar a minha própria negritude. É um problema que afeta a grande maioria dos brasileiros, já que a nossas origens étnicas são bem misturadas.

Você diz que essas mulheres assumem a negritude como um ato político. Fale mais sobre isso.
Características caucasianas são a síntese universal da beleza -- é isso que nos ensinam desde cedo. Essa noção impacta a forma como os negros e brancos percebem uns aos outros. Dois anos atrás, eu me perguntei "Como este contexto afeta a auto percepção das mulheres?". Desde então, eu conheci pessoas que me disseram que se sentem prejudicados por um padrão estético que as rejeita. Assumir as raízes foi a saída. Acredito que a coragem e a confiança dessas mulheres podem mostrar a outras pessoas que ser negro é bonito, apesar do que o mundo tem ensinado.

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Foto: Weudson Ribero

Como a história alimentou algumas das questões enfrentadas pelas mulheres negras brasileiras? O Brasil foi o maior importador de escravos durante o ano de 1500, a história do país é bem enraizada nessa experiência. Depois de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia, o Brasil é o país em que a maioria dos assassinatos são cometidos contra as mulheres. Mas o debate sobre a violência contra as mulheres não pode incidir exclusivamente sobre a agressão doméstica. Há também a questão da violação do gênero. Casos de estupro corretivo mostram uma das piores faces da violência contra as mulheres no Brasil. Infelizmente, já que as vítimas são culpadas primeiro, a maioria dos casos conhecidos de agressão sexual contra as lésbicas são aqueles em que elas foram expostas ao vírus HIV pelos agressores. Além disso, também tem a experiência de mulheres transexuais, que nem sequer são reconhecidas pelas estatísticas - são minorias dentro de uma macro-minoria. A boa notícia é que os LGBTT e as comunidades negras têm se unido cada vez mais ultimamente.

Apesar de ser uma força econômica crescente, o país ainda é assolado por uma série de problemas sociais e políticos; pobreza, falta de moradia, policiais corruptos etc. Como isso afeta a comunidade gay negra, e as mulheres, especificamente?
A diferença salarial entre homens brancos e mulheres negras é enorme no Brasil. Trabalhadores do sexo feminino são pagos muito menos do que homens brancos da mesma faixa etária e nível de educação. Taxas de desemprego entre as mulheres brancas estão em torno de 9%, enquanto as mulheres negras representam mais de 12% da população sem emprego. Isso diz bastante.

Como você espera que as coisas possam mudar e melhorar para jovens mulheres brasileiras negras e gays na próxima década, e como podem essas mudanças ocorrem?
O Dia da Consciência Negra tem se tornado cada vez mais popular na última década. Além disso, uma mudança radical ocorreu no sistema universitário brasileiro: uma lei aprovada em 2012 reserva 50% das vagas em universidades federais do Brasil para alunos de escolas públicas, famílias de baixa renda e que são descendentes de negros ou indígenas - o que significa mais acesso ao ensino superior. As mulheres tornaram-se mais ativas na política. Houve uma nova onda de orgulho afro-brasileiro. Casais homoafetivos já podem se casar e adotar crianças legalmente. Tem muito político cuzão que quer foder com os direitos dessas minorias, mas depois de anos de ditadura militar, tenho certeza que o trabalho ativo de feministas, artistas, fotógrafos e de pessoas comuns vai contribuir com a luta para pôr um fim nesse histórico de opressões.

É o Dia Internacional da Mulher. Quem é a mulher mais incrível que você conhece?
A Daria Morgendorffer, duh.

Veja mais do trabalho do Weudson Ribero aqui e aqui.

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