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Tecnologia

​A Pobreza é o Condutor mais Mortal do Ebola

A verdade é que se o ebola tivesse aparecido nos EUA, provavelmente uma vacina já estaria pronta.
Crédito: European Commission DG ECHO

O ebola não é necessariamente a super doença assustadora que as redes sociais querem que você pense. Os sintomas são brutais, mas não é exagero dizer que você vai morrer brutalmente, porque todo o lance de morrer é brutal. Repare bem na sua insuficiência hepática, ou na sua doença respiratória terminal. Você, na verdade, tem uma chance razoável de morrer de alguma dessa formas, e será terrível e não terá nada a ver com nenhuma zona de calor.

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Eu não digo isso para minimizar a desgraça que é contrair ebola, mas para deixar claro que nós temos um olhar diferente sobre o vírus, e outros do tipo que acontecem lá e não aqui, e que ajudam a manter a expectativa de vida na África subsaariana cerca de metade da expectativa se comparada aos EUA.

Uma super doença de verdade é o HIV, que teve 15 anos de reinado livre antes de um tratamento real e duradouro ser desenvolvido. Ou melhor, teve 15 anos de reinado livre no mundo desenvolvido enquanto na África ele ainda faz mais ou menos o que bem quiser, pelo menos comparado aos EUA e outras nações desenvolvidas. Em 2012, o HIV matou quase um milhão de pessoas na África, ou 70% da mortalidade pela doença no ano.

Uma forma horrível de morrer: um corpo humano indefeso, à mercê de tudo, desde leucemia até candidíase (sim, sapinho). Leucemia é leucemia, mas a candidíase é um fungo que normalmente se instala nas membranas da mucosa, que sob o olhar de um sistema imunológico saudável ocasionalmente causa uma explosão e uma infecção. Mas quando o HIV se transforma em AIDS, (o que, graças à terapia antirretroviral, não necessariamente acontece) e aquele sistema imunológico vira uma espiral descendente, a candidíase pode aparecer em qualquer lugar, desde o esôfago até as dobras mais escondidas dos pulmões. E isso é morte na lata.

Aqueles 15 anos foram muito tempo e é fácil indagar o quão diferente esse número poderia ter sido se o HIV tivesse se espalhado entre casais heterossexuais, assim como é fácil indagar que se o grau zero do ebola tivesse sido em qualquer lugar de algum país desenvolvido (Nova York, Londres etc.), seria facilmente tratado e uma vacina estaria pronta só por via das dúvidas, assim como outras tantas doenças fuçadas com esforço por estabelecimentos médicos bem patrocinados e elaborados.

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Só na semana passada, esse movimento do primeiro mundo conseguiu desenvolver dois candidatos promissores contra o ebola e vale a pena especular onde nós estaríamos se esses candidatos tivessem sido testados um mês ou um ano atrás. O ebola, afinal de contas, não se materializou durante o último mês. Nesse meio tempo, uma vacina já estaria chegando.

De novo, isso não é apenas uma questão de timing. O ebola poderia ser uma doença com tratamento e baixas taxas de mortalidade, e é isso que eu quero dizer. Mesmo sem novos tratamentos especializados, se o ebola se espalhar pelos EUA, veremos como rapidamente a doença será muito menos assustadora. Leve em consideração que a taxa de mortalidade, algumas vezes muito alta, é o que faz do vírus assustador. Essa taxa é baseada nas contrações da doença na África e nos tratamentos feitos na África. Grande parte da questão em volta do tratamento de alguma coisa é o nível de cuidado, a capacidade de ajudar o corpo a lidar com esse invasor sem necessariamente ir atrás do invasor diretamente, e um bom cuidado depende do acesso a um bom hospital equipado de forma adequada.

Por que esses potenciais novos tratamentos estão ganhando espaço no mundo é uma pergunta fácil de responder. Descobertas médicas costumam seguir o caminho do dinheiro. As doenças que fazem as pessoas morrerem (jovens) nos países em desenvolvimento – cólera, hepatite e malária – são facilmente tratáveis, quando não erradicadas, ou pelo menos deveriam ser. O dinheiro, por outro lado, permanece estável, então nós temos empresas farmacêuticas produzindo cópias químicas de drogas antigas, desenvolvidas não para tratar algo novo ou de uma forma melhor, mas para restabelecer a patente, e isso posto, o remédio continua caro para os pacientes e lucrativo para as empresas.

A malária mata milhões todos os anos, com uma preferência por crianças pequenas.

Assim como o ebola, a malária poderia ter sido varrida do planeta a essa altura. Talvez o ebola e a sua brutalidade pública e seu mito sombrio sejam uma boa forma de mostrar todas as coisas que estamos fazendo de muito errado ao permitir que esta conexão entre "dinheiro" e "não morrer de uma forma horrível" permaneça. As evidências sugerem outra coisa: é mais provável que a doença continue no imaginário popular como uma arma virulenta que logo será erradicada pelos esforço rápidos das empresas benevolentes de remédios, ao invés de um vírus comparativamente "imbecil" que persiste por causa do desinteresse dessas gigantes farmacêuticas.

Tradução: Letícia Naísa