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Tecnologia

O Futuro da Mineração Passa Pelas Bactérias

A Itatijuca Biotech quer ser a primeira empresa brasileira a utilizar uma técnica que pode reduzir os custos e o impacto ambiental da mineração.
​Mina a céu aberto, ou open pit. Crédito: ​Revista Dois Pontos/Flickr

​Algumas atividades humanas são tão antigas que parecem inatas a civilização. A mineração, por exemplo, é parte fundamental de todas as revoluções técnicas e econômicas do homem. O uso de microrganismos também não fica atrás — quantos de nós estaríamos vivos se não fosse a cerveja fermentada desde os tempos do ​Código de Hamurabi? Unir essas duas práticas soa tão óbvio que até espanta dizer que isso está longe de ser regra na indústria. Algo que a Itatijuca Biotech, uma empresa brasileira, quer mudar com a biotecnologia.

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"A indústria da mineração usa métodos consolidados e pouco inovadores. Eles não são mais suficientes. Antigamente a quantidade de minério era grande, então essa preocupação do método eficiente é relativamente nova", me disse Rafael Pádua, um dos fundadores da companhia. Ele e um de seus sócios, o Erico Perrela, conversaram comigo na pequena sala 107 no prédio do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (CIETEC), a incubadora de startups da USP, a Universidade de São Paulo.

Com pedras, um barril de lodo, algumas imagens e umas equações químicas eles me explicaram como funciona a biolixiviação, a associação que eles realizam entre bactérias e rochas. "A lixiviação é um processo de dissolução do metal de uma rocha por um líquido, normalmente um ácido", me disse o Rafael. A Itatijuca faz isso com bactérias do gênero Thiobacillus que excretam um líquido bem solubilizante. "É ácido sulfúrico porque é isso que essas bactérias produzem e porque é um minério passível de dissolução por esse ácido."

O minério pode ser a calcopirita, importante manifestação do cobre na natureza. Em grandes tanques ou pilhas — chamadas carinhosamente de Kit Kat —, rochas desse minério recebem uma solução de Thiobacillus. Dessa mistura saem ácido sulfúrico, cobre e ferro, no caso da calcopirita, ou níquel, cobalto e ouro em outros minérios. Tudo vem em maior quantidade que nos processos tradicionais, segundo Erico. "Por serem velhos e pela indústria mineradora não ser muito progressista, em geral, esses processos têm desperdício e perda de performance."

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Ainda segundo ele, o uso dessa técnica reduz em 50% o custo de produção e operação das mineradoras — o que não nos toca muito uma vez que os lucros dessas megacorporações beiram os bilhões de dólares ao ano. A atuação pouco agressiva desse método, contudo, interessa bastante a nós, pessoas que habitamos esse pedaço de chão no universo. "Essas bactérias são inofensivas para os seres humanos e o rejeito resultante do processo biotecnológico tem baixo impacto ambiental", disse Rafael.

"A ideia é que não tenha rejeito, isto é, que ele seja usado em outras coisas", explicou o Erico. A sílica resultante desse esquema poderia servir para assentar estradas ou recompor uma área escavada na caça por minérios. No modus operandi atual, toneladas de escória são levadas a gigantescos reservatórios. ​O Brasil tem 379 barragens de rejeitos monitoradas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Se em alguns casos essas represas poluem o meio ambiente, imagine o que dizer dos depósitos clandestinos?

As bactérias da Itatijuca nada têm a ver com isso. Na verdade, elas até gostam de ambientes com presença de elementos perigosos aos seres humanos, como ácidos. Encontrados naturalmente na natureza, os Thiobacillus foram isolados na década de 60. "Eu conhecia o trabalho do professor Oswaldo Garcia Jr, o pioneiro nessa técnica no país, e a esposa dele, a Denise Bevilaqua, deu continuidade", contou o Rafael. Em 2013, nasceu a Itatijuca Biotech na tentativa de aplicar no Brasil o método que já vigora em países como China e África do Sul.

Hoje em dia, a startup mantém milhares de exemplares dessa bactéria descansando em cepas laboratoriais. As pequenas amestradas entram em atividade segundo a necessidade dos seus criadores que lhes dão nutrientes conforme o tamanho da missão. Elas pouco trabalharam até agora porque o Rafael e o Erico ainda estão em fase de negociação com algumas mineradoras. "Parece que a gente está vendendo mágica", disse Erico.

É bom que essas e outras magias da ciência estejam no radar de tudo quanto for comendador da mineração por aí. ​Em um relatório de tendências para a indústria, a consultoria Deloitte destaca a inovação como um imperativo para a exploração de minérios. Com a escassez de recursos naturais, ambientes cada vez mais extremos são explorados, impactos mais profundos são esperados e orçamentos maiores são iminentes — um futuro distante caso bactérias como a Thiobacillus trabalhem conforme o que tem no currículo.