FYI.

This story is over 5 years old.

Outros

O Acampamento de Férias que Me Fez Comuna

Eu era um adolescente típico em muitos aspectos, ou seja, um idiota.

Aos 15 anos, eu não sabia muita coisa a respeito da vida. Eu era um adolescente típico em muitos aspectos, ou seja, um idiota. E pra ser honesto, eu estava de boa com isso. Se não fosse algo envolvendo o ato físico do amor, não estava interessado em aprender porra nenhuma. Eu certamente não tinha nenhuma convicção ideológica firme fora a certeza geral — que se provou correta — de que, no fundo, tudo é meio escroto. Mas isso mudou depois que passei uma semana da minha juventude besta num acampamento de férias aprendendo sobre o poder e a glória da livre iniciativa e explorando os argumentos filosóficos do capitalismo, bem como a realidade prática disso. E no final daquela semana eu era um comunista. Por que diabos fui pra lá em primeiro lugar? Quem sabe? Talvez por tédio e vontade de passar algum tempo longe dos meus pais e dos meus amigos babacas. Quem sabe um desejo simples e básico de tentar em vão conhecer garotas de outras escolas que não soubessem que, na verdade, eu não era um cara descolado. De qualquer jeito, durante aquele verão quente e úmido de 2000, fiz minha mala e embarquei pra uma pequena faculdade na Pensilvânia pra ser doutrinado pelos líderes empresariais locais. Antes que você pergunte: sim, minha vida é cheia de arrependimentos. Mas era um jeito de matar o tempo. E, novamente — isso é importante — o acampamento também aumentava as possibilidades de me misturar com membros do sexo oposto que, já que aquele era um Acampamento Capitalista, podiam muito bem estabelecer entre seus próprios interesses racionais se envolver numa quantidade mínima de contato físico comigo. Levei uma cópia de A Nascente só pra garantir. O acampamento se chamava Semana da Livre Iniciativa da Pensilvânia e foi fundado em 1979 por interesses empresariais pra tratar de “questões interessantes e urgentes da preparação da força de trabalho”. Sendo assim, eu podia esperar ouvir pessoas como o então governador e futuro narrador da ameaça terrorista Tom Ridge sobre como os grandes negócios são o que torna a América tão legal e como as elites econômicas devem ser deixadas em paz pra estuprar e pilhar a classe trabalhadora como acharem melhor — e serem aplaudidas pela iniciativa (essas não foram exatamente as palavras dele). Depois de nos acomodar nos nossos dormitórios, nós, os campistas — um conjunto diversificado de nerds de classe média do leste da Pensilvânia — fomos divididos em times. Pediram que a gente estabelecesse uma rígida hierarquia necessária pra que qualquer estrutura de poder exploradora floresça. Com uma empresária local como nossa mentora, distribuímos respeitosamente entre a gente um CEO, um diretor financeiro e todas as outras nomenclaturas gerenciais que são maneiras alternativas de dizer “filho da puta”. Nosso propósito? Competir em simulações divertidas e educativas do mundo dos negócios nas quais teríamos que vender “coisas” indefinidas pra clientes inventados. Toda manhã nossa equipe receberia um lista impressa com todos os nossos ativos de mentira, demandas de mentira e produtos de mentira, sobre os quais deveríamos basear nossas decisões sobre alocação e recursos. Depois tínhamos que submeter nossas decisões aos adultos, que por sua vez deixavam nossos destinos por conta de um computador. Os resultados eram determinados por uma mistura inescrutável de pura sorte e algoritmos, o que deu um toque muito realista à coisa toda. Como futuro desempregado formado em Língua e Literatura Inglesa do grupo, naturalmente fiquei com o papel de enrolador, ou de "cara da publicidade". Meu trabalho era elaborar algo convincente sobre como a marca de coisas da minha firma poderia ajudar você a alcançar a realização espiritual e ficar mais tempo na cama, o que eu apresentei junto com os planos futuros da nossa empresa diante de um grupo de falsos acionistas. Como carisma não pode ser quantificável por uma mera máquina, essa parte da competição era julgada pelos autômatos humanos que estavam no comando de tudo. E a parte mais incriminadora é que eles gostaram de mim. Bastante. Parecia que eu conseguiria mesmo vender qualquer coisa. E aí meu grupo venceu. Não sei como nem por que, mas o cara do computador disse que o meu grupo de virgens era a maior firma de venda de coisas da Semana da Livre Iniciativa da Pensilvânia sessão dois. E o melhor de tudo, sendo essa uma lição sobre capitalismo, com certeza seríamos generosamente recompensados pelos nossos esforços. E pensar, eu disse a mim mesmo com um sorriso maroto, que eu poderia estar me divertindo com os meus amigos idiotas na praia ou algo assim. Mas agora eu era um sucesso. Eu era um babaca. Nossa recompensa por seja lá o que quer que tivéssemos feito foi uma festa de encerramento da semana numa noite chuvosa. Tivemos toda a cidra que éramos capazes de beber. Quando entramos na sala, no entanto, as luzes se apagaram de repente. Uma mulher gritou como um trovão nas proximidades, o que subitamente acendeu os rostos cansados e malevolentes dos nossos anfitriões brancos de olhos tristes e afundados. Lá fora, o som do trovão roncou com raiva, seguido de um apelo desesperado sussurrado pelo vento que todos ouviram, mas ninguém entendeu na hora: “Fujam deste lugar”. Mas nós não fugimos. Bêbados da vitória e de suco de maçã gaseificado, nos sentamos na nossa mesa no auditório lotado, dando risadinhas de autossatisfação enquanto nossos colegas menos afortunados pegavam seus prêmios medíocres por seus esforços sem imaginação. Ei, certificado maneiro, cara! Na verdade, não tínhamos a menor ideia de por que exatamente éramos melhores que os outros, simplesmente aceitamos que éramos melhores pelo nosso sucesso num jogo manipulado por nossos superiores. Éramos jovens, mas aprendíamos depressa. Passou-se uma tediosa hora de aplausos chochos pras conquistas dos outros antes de finalmente chegar a hora de coletarmos nosso prêmio. Remexíamos impacientes nos nossos assentos quando as palavras finalmente saíram dos alto-falantes: em honra às nossas tremendas conquistas, cada um de nós receberia — Cara, isso vai ser muito bom! — uma única cota de ação da Atari, fabricante dos videogames mais desejados de 1977. Seus mãos-de-vaca do caralho, pensei comigo mesmo mantendo um sorriso educado no rosto. Mas já era alguma coisa, né? E, no final das contas, tudo isso é questão de status. Um monte de gente naquela sala não tinha ganhado porra nenhuma e provavelmente não sabia que minha cota de ações valia menos que a taxa de transação de venda dela. E foda-se, Pong é um clássico. Mas minha progressão admiravelmente rápida pelas fases da tristeza rapidamente transformou-se em raiva. O CEO da nossa firma — uma menina totalmente fofa cujo título grandioso envolvia um pouco mais do que assinar formalmente as várias coisas que nosso grupo concordava em vender — ganhou um prêmio separado. Um prêmio melhor. Ela, minha agora ex-amiga, ganhou três moedas de ouro sólido com a cara gorda sorridente do Ronald Reagan nelas. Valor de venda? Mais do que a taxa de transação, pode ter certeza. Ali eu tive uma epifania, e minha raiva se transformou gradualmente em entendimento quando percebi que o programa tinha de fato atingido seu objetivo de fazer gente jovem “apreciar o sistema de livre iniciativa”. De fato, eu apreciava aquela porra toda agora. Eu apreciava como isso, na prática, não passa de uma forma de legitimar o roubo e prova de que as recompensas financeiras geralmente não vão pros trabalhadores, mas pra quem tem uma capacidade maior de reivindicar o crédito por um trabalho — pense no Steve Jobs convencendo o mundo inteiro de que ele produziu manualmente cada um dos iPods que saíam das lojas. Algumas pessoas levam uma vida inteira de amargura pra entender o fato de que o sucesso material tem menos a ver com “fazer o seu melhor” do que com o acidente cósmico de ter nascido e estar no lugar certo pra receber a quantidade certa de crédito na hora certa. Pra minha sorte, eu tinha só 16 anos quando aprendi a realidade da “livre iniciativa”. Agora eu sei que quando alguém que exige ser chamado de “chefe” começa a falar sobre trabalho de equipe, não é falta de educação perguntar se essas horas de trabalho a mais serão recompensadas com pagamento igual por trabalho igual, ou se você vai acabar limpando banheiros por uma grana extra enquanto ele vai fazer aulas de tênis. Eu não tinha idade suficiente pra me lembrar do mandato do Ronald Reagan, mas como um monte de esquerdistas, dou crédito à cara dele por me ensinar como o capitalismo realmente funciona. E deixa eu dizer uma coisa, da maneira grosseiramente injusta como aprendi (A Nascente também não me rendeu nada, aliás): isso só piora depois do acampamento de férias. Charles Davis é escritor. Ele antes vivia numa praia na Nicarágua, mas agora mora num estúdio em Los Angeles. Ele cometeu alguns erros.

Siga o Charles Davis no Twitter: @charlesdavis84