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Música

O Disco Novo do De La Soul Dá Um Novo Sentido a Samplear

Conversei com o Posdnuos do De La Soul por telefone para falar sobre a história dos samples, as ações judiciais no mundo da música e o novo método que eles desenvolveram para o primeiro álbum depois 11 anos, financiado no Kickstarter.

O De La Soul sempre fez parte do meu subconsciente sonoro. O primeiro álbum do grupo, 3 Feet High and Rising,surgiu em 1989, o mesmo ano em que nasci. Na faculdade, minha irmã gêmea palestrava sobre a história do hip-hop quando me dava carona até os lugares em Los Angeles. Ela tocava o lado B "Skip to my Loop", que me transportava na hora para os anos 90. O som combinava a sonoridade irônica ícone do De La Soul com um riff de uma música infantil que eu cantava na pré-escola.

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O grupo fez experimentações com todo tipo de sample e som ao longo dos anos. Em 1991, foi processado por samplear o hit de 1968 "You Showed Me", do The Turtles, na música "Transmitting Live From Mars". Foi feito um acordo extrajudicial, e a soma final da ação não foi divulgada.

Recentemente, o De La Soul publicou uma campanha no Kickstarter para financiar o primeiro disco depois de 11 anos, e está claro pelo vídeo que eles ainda estão ressabiados depois daquele litígio. "Lembra quando processaram a gente?", diz o Maseo no começo da apresentação. Aí eles explicam que, para o álbum novo, contrataram toda uma variedade de músicos (e um macaco) para criar centenas de horas de músicas, que servirão de base para os samples deles, ficando, assim, impossível processá-los por causa disso. Essa precaução é compreensível, considerando as recentes ações de grande repercussão contra Pharrell Williams, Robin Thicke e Sam Smith, além de Timbaland e Jay-Z.

A proposta do De La Soul deu certo, e, seis horas depois de publicar o projeto, eles já atingiram a meta de US$ 110 mil. Desde então, as cifras continuaram subindo e superavam a casa dos US$ 300 mil quando este artigo foi escrito. Questlove, The Beastie Boys e Talib Kweli: todos tuitaram contando que apoiaram o álbum. Conversei com o Posdnuos do De La Soul por telefone para falar sobre a história dos samplers, as ações judiciais no mundo da música e o novo método que eles desenvolveram para esse álbum.

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VICE: Baseado no vídeo de vocês no Kickstarter, muito da inspiração por trás desse álbum vem de quando vocês foram processados em 1991. Vocês esperavam ter esse tipo de problema jurídico na época?
Posdnuos: Na época, apresentamos todas as informações [sobre o que sampleamos]. Então, acho que o nosso selo na época, o Tommy Boy, arrumou autorização de algumas coisas que achou que devia e não arrumou de outras. Os executivos do selo adoraram a música. Eles não esperavam que o nosso álbum fosse fazer o tanto de sucesso que fez. Não existia nada do tipo. Foi uma prova de fogo. Ficou famoso. E tinha certas músicas que a gente tinha sampleado de alguém, e aí [os artistas] escutam o trabalho deles e percebem que não tinha autorização de uso – foi aí que tudo infelizmente aconteceu.

Se vocês gravaram as músicas vocês mesmos, qual seria a diferença entre um sample e uma faixa gravada para o álbum?
Bom, acho que é o jeito que você usa. Você está certa, poderia ser simplesmente: "Olha, tem três minutos ótimos nisso aí que você tocou. A gente pode fazer umas rimas em cima disso". Quando você coloca dentro de alguma máquina, seja uma MPC, uma SP-12 ou no Ableton, seja qual for o instrumento ou software que você tem, e faz um loop e altera, é aí que vira um sample. Mesmo que se reduza só à sua voz. Posso me gravar mandando uma rima, mas aí pode ter uma parte da minha rima que eu poderia samplear e usar no gancho.

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Você acha que outras pessoas se safaram do tipo de coisa pelo qual vocês foram processados?
Com certeza. Depende de como… bom, vamos colocar assim: o que a gente passou virou um caso de grande repercussão. Outros artistas ficaram um pouco mais espertos na forma de samplear. Em vez de fazer apenas loops, começaram a recortar mais. De pegar metade de um sample e misturar com metade de um sample de outra pessoa. Fazendo quase que a sua própria música com os samples, em que não fica tão fácil assim de identificar.

Isso mudou a forma como vocês fazem música?
Não, eu não diria isso. Também ficamos mais espertos no jeito de samplear. O que aconteceu foi que ajudou a indústria a ser tratada com o cuidado certo. Em vez de, como no primeiro disco, a gente entregar uma folha de papel solta com os samples que usamos, foi mais um processo que todas as gravadoras adotaram. Ficou tudo um pouco mais organizado: colocamos tudo no papel, fazemos uma cópia para a gente e uma para os nossos advogados. Também apresentamos uma fita na época – porque fita cassete ainda era popular – do sample original e a forma como usamos.

Aconteceram vários casos de grande repercussão de ações judiciais no mundo da música. O que você acha disso?
Ainda acontece, e é uma pena. Vi que até o Jay Z está passando uma coisa assim no momento com o sample que o Timbaland usou em "Big Pimpin'". Tenho certeza de que os executivos dele pediram autorização, mas as pessoas para quem pediram não tinham direito de autorizar o uso. E como é que isso é culpa do Jay Z? É complicado! É quase como se você tivesse de ter uma equipe de sample. Até com o Pharrell e o Robin, é difícil de dizer. Quando ouvi pela primeira vez… na hora, já ouvi – nossa, quase interpretei como uma ode a "Got to Give It Up", porque o Robin Thicke faz um falsete igual ao que o Marvin fazia. Sabe, era muito parecido. Eles optaram por não envolver a propriedade do Marvin Gaye; pelo que ouvi, foi isso que aconteceu. Acho que foi isso que não deu muita base para eles se defenderem.

O que fez vocês decidirem experimentar essa nova forma de fazer as coisas? De gravar tudo para samplear depois. Vocês estão tentando levantar uma questão ou criar um novo método que outros artistas também poderão usar?
Pessoalmente, eu não diria que inventamos a roda no que estamos experimentando. Sinto que grupos como o Stetsasonic, considerada uma das primeiras bandas de hip-hop, poderiam samplear a bateria [que eles mesmos gravavam] e inserir mais coisa.

Mas o que estamos fazendo é meio revolucionário pela forma como fizemos. Não no sentido de samplear a gente mesmo, mas por termos criado um monte de música antes de samplear. Sinto que somos os primeiros a fazer isso, com certeza. E isso pode levar as pessoas a pensarem: essa ideia é boa. Deixa eu fazer isso acontecer e passar mais ou menos um mês me divertindo com músicos excelentes. Deixe-os tocarem. Deixe-os se sentirem livres. Interromper aqui e ali. E, a partir disso, teremos coisas para samplear, o que pode causar menos problema lá na frente.

Assim, vocês têm mais controle sobre o que sampleam. Isso limita de alguma forma?
Com certeza, você tem mais controle, mas, ao mesmo tempo, continua sendo uma jornada. Não deixa de ser divertido só porque estou ouvindo música que já conheço. O processo de samplear que pode ser divertido – a forma que você pode ver no Kanye, no Q-Tip ou na gente –, [o processo] de entrar numa loja em Dubai ou na Argentina, escolher um disco, escutar uma coisa pela primeira vez com a intenção de achar alguma coisa que mexa com eles, isso pode ser manipulado. Do jeito que fizemos, aconteceu a mesma mágica. Passamos tanto tempo fazendo música que, quando escutamos de novo, tem sessões que nem lembramos que tocamos. O som não perde a novidade.

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