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Música

O Brit Awards 2017 foi o mais grime possível, mas ainda é pouco

A indústria musical britânica segue não reconhecendo os artistas negros que atingiram sucesso global sem seu apoio.
Daisy Jones
London, GB

Matéria originalmente publicada no Noisey UK.

Para uma cerimônia de premiação que se orgulha consistentemente de premiar só os artistas mais insossos e com zero emoção, o Brit Awards deste ano chegou com um certo nível de tremelique que quase pareceu empolgação. Este foi o ano em que ampliaram seu quadro de juízes para incluir gente além de uns velhos brancos. Sendo assim, talvez Rag 'n' Bone não levasse todos os prêmios por conta daquele som que fez lá. Talvez Skepta ou Kano finalmente recebessem algum reconhecimento após anos de, você sabe, terem sido pioneiros de um gênero inteiro. Talvez alguns prêmios fossem dados a gente que ainda está viva, quem sabe eles finalmente reconhecessem o talento negro britânico. Talvez fosse a melhor premiação de todas! Talvez fosse como os anos 2000 de novo.

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Pelo menos pareceu que seria assim por um segundinho. Skepta, Kano e Stormzy foram indicados a prêmios — o que faz sentido, levando em conta que são os chefões do grime, o produto de exportação musical inglês mais relevante desde o britpop. Nao, Lianne La Havas, Craig David e Michael Kiwanuka também foram indicados a prêmios, uma progressão bem-vinda em relação ao ano anterior, em que toda a lista de indicados britânicos — toda, menos a internacional — era composta por gente branca, na maioria homens, ou ainda, mortos.

Ao passo em que a cerimônia se desenrolava e David Bowie ganhava o prêmio de melhor álbum com Blackstar direto do túmulo, seguido por Adele com o prêmio de sucesso global e então One Direction com melhor clipe britânico, logo ficou claro que nunca houve qualquer intenção de dar qualquer reconhecimento ao grime em qualquer sentido. Claro, foi foda ver o Skepta ali no palco, coberto por luz vermelha, mandando ver em "Shutdown". E teve o Stormzy, chamado ao final de "Shape of You" de Ed Sheeran pra mandar umas rimas. Mas sério que foi só isso? Foi esse o grande momento do grime no Brit Awards? Porque se, mesmo agora, em 2017, a cerimônia ainda finge que grime é um nicho, um gênero underground e não a potência que de fato é, a mensagem está alta clara: isto é o máximo que conseguirão. Vocês sabem fazer um show, claro, mas não estão prontos para ganhar prêmios.

Sejamos francos: grime é o som britânico — especialmente de Londres — há muito tempo. No começo dos anos 2000, as cordas gélidas, graves ocos e rimas contundentes podiam ser ouvidas de celulares Motorola nos ônibus. A molecada sabia de cor as letras de "Serious" do JME e "Fix Up Look Sharp" de Dizzee, bem "Wot Do U Call It?"do Wiley. Os artistas do grime tiveram grande exposição mainstream em meados dos anos 2000, mesmo que em uma versão diluída pras pistas. Fato é que não são caras novas, não se trata de uma sonoridade nova e não se trata de um gênero underground — ao menos não mais, duas décadas depois, com gente como Kanye e Drake se valendo de mecânicas do estilo, jovens de Xangai imitando os grandes da cena britânica e Kano e Skepta tendo discos no top 10 do ano passado. Ao observar as coisas assim, Skepta nem mesmo deveria ser indicado à categoria "revelação" — o cara apareceu anos atrás, deveria estar na categoria "sucesso global", caso a coisa toda não fosse meio que arranjada.

Não preciso nem comentar que o grime — e o rap britânico, por associação — nunca precisou de cerimônias enormes pra se dar bem. Mas como disse Sian Anderson na The Fader e já repetimos à exaustão, "Não é questão de [rappers e artistas do grime] quererem uma relação com uma instituição que nunca os apoiou, mas sim se merecem o reconhecimento dela". É, dá pra falar que o Brit Awards é um evento masturbatório por si só, em que só os Sam Smiths e James Bays reinam supremos, então quem liga, né? Mas além disso, é o nosso maior evento de premiação, assistido e noticiado em todo o mundo. É, literalmente, a nossa versão do Grammy (RISOS!). Então ignorar o grime de forma tão ávida e teimosa depois de tanto tempo não é só uma escorregada, é uma postura.

Na semana passada, uma das festas de encerramento da cerimônia rolou no Aqua Shard, na ponta do gigantesco prédio fálico de vidro que observa Londres inteirinha. Centenas de pessoas ligadas à indústria musical apareceram para tomar um negocinho e comer uns canapés, dançando até o sol raiar. No som, rolava "Big for Your Boots" e "Shut Up" de Stormzy, "When the Bassline Drops" de Craig David e Big Narstie, seguidas por "Shutdown", de Skepta. Ver os engravatados mandando um salve pro Big Narstie depois de premiarem o The 1975 foi uma visão e tanto.

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Tradução: Thiago "Índio" Silva