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Música

Discos: Chromatics

Um diálogo bem metido num disco pode fazer milagres.

Night Drive
Italians Do It Better
9/10 Um diálogo bem metido num disco pode fazer milagres. Night Drive, dos Chromatics, começa com uma conversa entre namorados que é muito mais do que as palavras ditas: ela liga-lhe para avisar que acabou de sair da discoteca e aceita, então, o convite para ir até casa dele. Mas antes disso avisa que irá dar uma volta de carro. Ele pede que traga uma garrafa de vinho. Depois entram as cordas e, com elas, todo um clima dramático e ameaçador. Se um título como Night Drive é suficientemente sugestivo, a narrativa sonora de “Telephone Call” faz o resto e abre caminho para um objecto que tanto pode ser um disco retro (com ideias próprias), como um thriller para a mente. A introdução de Night Drive não será assim tão diferente da que surge em Songs for the Deaf, dos Queens of the Stone Age, em que os sons da ignição e da rádio também espicaçam a vontade de ir dar uma volta de carro a velocidades pouco aconselháveis. A partir do momento em que tem bem montado o cenário da “rapariga ao volante na noite”, os 80 minutos da versão deluxe de Night Drive chegam para quase tudo. Há interlúdios e atalhos. Há uma fabulosa versão de “Running Up That Hill”, da Kate Bush (senhora de uma voz totalmente evadida da realidade). Há som panorâmico a lembrar os planos de Michael Mann e Ridley Scott sobre as cidades. Há toneladas de Giorgio Moroder e a dose certa de Cure. Há tempo para o disco se esquecer das canções e mergulhar na ilusão de que é, afinal, uma banda-sonora (talvez seja). Há um centro para toda esta vertigem chamado “Tick of the Clock”, impressionante exercício minimalista, que ajudou a vender toda a excitação em torno do filme Drive e que, pelo caminho, recompensou Night Drive com uma atenção que não tinha merecido no seu ano de lançamento (2007). “Tick of the Clock” precisa de pouco para ser muito: é um tema ora nervoso ora esquecido, coça-se todo e depois também adormece num longo drone. Não haverá faixa que melhor represente Night Drive, que, por todos os motivos já mencionados e outros mais, supera tudo o que poderíamos esperar de uma banda de Portland com uma miúda de voz doce e uns quantos gandulos a tocar à moda dos anos 80. Se aqui está uma banda-sonora requentada pelas suas referências ou a história do Capuchinho Vermelho contada em tons de néon, isso pouco importa: Night Drive é um dos mais interessantes e ousados discos do seu campeonato em muitos anos. Nunca é tarde para recuperá-lo.