Como sobrevivi a um apocalipse zumbi e depois fui parar na cadeia
Fotos: Jim Wallman/VICE.

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Como sobrevivi a um apocalipse zumbi e depois fui parar na cadeia

'Urban Nightmare: State of Chaos', uma combinação de LARP e jogo de tabuleiro, foi jogado simultaneamente em cinco países com centenas de jogadores.

Matéria originalmente publicada no Waypoint.

Amanhecer, dia 4 de julho, e toda a região nordeste dos EUA está em colapso. Um vírus zumbi varreu as principais cidades e o exército americano está tendo dificuldades para conter a área. Sou o Ministro da Defesa e estou voltando de uma reunião com o Pentágono, onde encontrei meus colegas da Casa Branca aglomerados ameaçadoramente em volta de uma tela de computador. O Secretário Geral olha para mim com uma mistura de pena e diversão. “Bom, vou te visitar na cadeia”, ele sorri.

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Com um nó no estômago, olho a tela. A mensagem, em letras enormes diz: “ÚLTIMAS NOTÍCIAS: Casa Branca e Ministro da Defesa ordenaram prisão ilegal da governadora”. Naquele momento eu soube, com zumbis ou sem zumbis, que minha carreira estava acabada – junto com o resto do governo.

Isso, claro, é só um jogo – um megagame para ser exato – e a governadora, seus captores, a imprensa e os generais que negam qualquer conhecimento disso estão entre os 600 jogadores reais participando por todo o mundo. Nos últimos três anos, esses eventos gigantes, com dezenas de pessoas negociando e ameaçando umas as outras, ganharam popularidade e eu acabei ficando obcecado.

Já cobrimos megagames antes, mas esse é diferente. Urban Nightmare: State of Chaos é o primeiro megagame de “área ampla”, se desdobrando simultaneamente em 11 locais em cinco países e dois continentes, tudo conectado pela internet.

E sendo assim, no dia 1º de julho apareço num velho galpão convertido nas docas de Londres usando fantasia de político com terno e gravata, determinado a fazer parte do experimento – e depois contar a história desse bizarro teatro espalhado pelo mundo num ensaio pro fim do mundo.

Vai ser um longo dia.

Noite de sexta-feira

Antes da primeira rodada, os EUA já estão uma zona. As notícias são um fluxo de bobagens: feiras estaduais, peixes premiados e jogadores anunciando a corrida presidencial. A presidente quer um piquenique de 4 de julho, Dia da Independência, então vou até a mesa do Pentágono para ver se eles vão mobilizar um apoio aéreo.

Em espaços alugados em Leeds, Birmingham, Bruxelas (e logo depois em Nova York e Austin, no Texas), peças de zumbis são colocadas em gigantescas mesas com mapas representando cidades americanas. Nas próximas seis horas em tempo real, simulando quatro dias, esses mapas vão brilhar com incêndios, mortes e barricadas. Eu, no entanto, nunca os verei, porque sou apenas uma engrenagem numa máquina complexa.

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Megagames vêm de uma família militar. Suas raízes podem ser rastreadas até o Kriegspiel jogado no século 19 por oficiais prussianos, e são primos dos simuladores de crise usandos pelas autoridades até hoje. Mas se eles têm um pai é Paddy Griffith, um palestrante da academia militar britânica Sandhurst, que criou grandes jogos de guerra para alunos e desenvolveu uma série de “megagames” cada vez maiores e mais teatrais. Entre seus discípulos está Jim Wallman, um ex-funcionário público de fala mansa do Ministério da Defesa (e filho, apropriadamente, de um mágico profissional), que agora cria megagames para clientes do governo e de corporações – e jogos recreativos para o público.

Os estados fictícios da 'UN:SOC' (e as cidades que estão em jogo).

Com UN:SOC, Wallman queria subverter o clichê padrão dos zumbis, que tende a formar pequenos grupos de sobreviventes depois que a sociedade já desmoronou, focando em vez disso nos esforços de governos e instituições tentando conter a maré de mortos-vivos. Megagames são excelentes em modelar hierarquia: em vez de um jogador por facção eles têm vários níveis de autoridade, de oficiais de linha de frente a altos comandantes, onde todo mundo têm que responder a alguém ou delegar a alguém. Isso significa que a comunicação é imperfeita, e às vezes a escolha “certa” pode render um resultado negativo.

“A questão com jogos de tabuleiro, particularmente jogos de guerra, é que você está no controle completo de tudo”, Wallman me diz. “Você tem os números, as peças e tudo se move quando você quer. Mas num megagame as peças discutem com você, ou fazem outra coisa independente do que você disse claramente para elas fazerem.”

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Cada mapa de cidade tem serviços de polícia e emergência respondendo a um prefeito eleito. Eles, por sua vez, respondem aos governadores, que controlam a polícia estadual e a Guarda Nacional. Acima de todos eles, presos numa sala (real) em Londres, mas conectados por e-mail com todos os estados (fictícios), está o governo federal, respondendo à presidente e seu gabinete. Fora dessa estrutura estão as corporações, a imprensa, milícias de sobrevivencialistas e o “Controle” – juízes que observam se as regras estão sendo cumpridas. Finalmente temos os “mestres zumbi” que comandam as hordas de mortos-vivos. Cada um desses jogadores – do lorde zumbi ao xerife local – recebem seu próprio briefing, com seus objetivos únicos no jogo.

E aqui está o problema: o alto escalão do governo só pode intervir se os escalões mais baixos declararem estado de emergência, e cada camada tem incentivos materiais para não fazer isso. “Quando declara estado de emergência, você perde eleitores, aumenta o nível de pânico e basicamente vai perdendo controle do estado”, diz Maria Osa, que jogou como a governadora de Mishigamaa (que corresponde a Michigan, jogando em Londres). “Não queríamos entregar tudo porque seria fim do nosso governo.”

Então mesmo depois que recebi os primeiros relatórios confusos de “surtos patogênicos” e “tumulto civil”, a única pessoa com recursos reais estava proibida de intervir.

Manhã de sábado

As notícias se espalham rápido entre vários jogos: Todos os voos continentais nos EUA estão cancelados. Susquehannock (Pensilvânia, jogado em Nijmegen, Holanda) declara a primeira situação de emergência estadual. Aí, minutos depois, me dizem que a capital de Ouisconsin (Winsconsin, jogado de Bristol, Reino Unido) “sucumbiu” ao vírus.

Nos mapas das cidades, os mestres zumbi já perceberam que suas unidades se multiplicam exponencialmente, mas a maioria da polícia local ainda não. Em vez de conter as hordas que os atacam, eles as alimentam, até o vírus se espalhar o suficiente para ser impossível controlar. E isso conta com um aliado previsível: política partidária.

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A maioria das posições em UN:SCO são eleitas. Esses jogadores têm briefings os designando como democratas ou republicanos, e sabem que passarão por novas eleições logo antes do final do jogo. O resultado é obstrução e troca de acusações.

“Três policiais da minha cidade natal têm como objetivo garantir que o atual chefe de polícia não seja reeleito”, diz Noah Crow, governador de Kanawha (Virgínia Ocidental, jogando de Nova York). “Vemos de tudo, de recusa a colocar e mover policiais a 'esquecer' de acompanhá-los.”

O meu briefing? Quero proteger o Partido Republicano e minha família em Washington DC. É por isso que, no momento em que a primeira brigada de combate está disponível, eu a largo em Potomac onde ela faz muito pouco pelo resto do jogo.

Tarde de sábado

Enquanto a crise cresce, os aspectos de “área ampla” de UN:SOC começam a se fazer sentir. Enxames de infectados cruzam fronteiras estaduais, passam de um jogo para outro pelo Controle, e em alguns casos fazem cidades inteiras desmoronarem. Zumbis e refugiados avançam pela fronteira do “Norte” – o Canadá do mundo real, jogado por canadenses na McGill University em Montreal.

Os jogadores têm apenas uma visão embaçada de tudo isso devido à névoa de guerra, marca registrada de megagames. É um caos epistemológico: a informação chega distorcida ou incompleta, sujeita não só a um jogo de “telefone sem fio” natural mas a rusgas de rivalidade e hierarquia que dão aos jogadores motivo para distorcer a verdade. A grande habilidade aqui é filtrar agressivamente os relatos que chegam para distinguir entre fato e ficção.

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Em Kanawha, rumores maliciosos começam a correr entre policiais envolvidos em política, criando um pânico onde os jogadores acusam uns aos outros de estarem infectados e se obrigam a fazer exames de sangue. “O governo se entrincheira na sala dos fundos e recusa receber visitantes que não sejam do Controle, acreditando que são os únicos humanos que restam”, escreve Crow.

A área ampla aprofunda a confusão: o wi-fi cai em alguns lugares, limitando ainda mais os métodos já restritos de comunicação. Em certo ponto, um site da imprensa no jogo, codificado pela designer de megagames Becky Ladley durante três dias em que ela passou no hospital, cai quando centenas de pessoas atualizam ao mesmo tempo. “É ainda mais confusão do que num megagame normal”, diz Pieter Chielens, que comanda o jogo de Adirondack (Nova York) em Bruxelas, Bélgica, “porque agora temos confusão em lugares que nem conseguimos ver”.

Tudo muito realista segundo Rex Brynen, o professor da McGill e teórico de jogos de guerra comandando o Norte, além de instruir futuros soldados de paz da ONU em megagames intensos de uma semana para prepará-los para o mundo real. “Temos estudantes que leem várias vezes os guias de melhores práticas da ONU e tudo parece muito fácil”, ele me diz. “Você não tem os problemas de comunicação, coordenação, agendas diferentes, informações imperfeitas – os efeitos da névoa e da fricção nunca aparecem. As pessoas geralmente não percebem como as coisas podem dar errado facilmente por razões perfeitamente compreensíveis.”

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Manhã de domingo

Estou olhando para um mapa dos EUA enquanto um general me explica quais estados não podem mais ser salvos. O Pentágono quer que a presidente autorize a Operação Cortina de Ferro, que vai reservar ajuda para estados de “fronteira” e abandonar o resto. Ela concorda, mas uma hora depois é obrigada a debater, e aprovar, o armamento preventivo do arsenal nuclear (cujas regras estão contidas numa maleta de verdade). Estamos despencando cegamente por um barranco ético onde opções antes inconcebíveis se tornam rotina.

Meu trabalho é convencer todos os estados prioritários a declarar estado de emergência, o que está longe de ser simples. O governador de Shawnee (Kentucky, jogando de Birmingham, Reino Unido) é um jogador experiente e extorque de mim uma campanha de apoio em troca disso. Depois me dizem que o estado de Wabash (Indiana, jogado de Cambridge, Reino Unido) passou por um golpe de estado. Levo várias ligações telefônicas para ter uma vaga ideia do que está acontecendo: uma cabala de prefeitos democratas convenceu a Guarda Nacional a prender a governadora, a acusando de forjar documentos (uma história contada de maneira brilhante neste vídeo).

Eventos assim são difíceis para o Controle. Eles precisam dividir responsabilidade: guardar a integridade e plausabilidade da ficção do jogo, mas também defender e recompensar as escolhas dos jogadores. Parte dessa tarefa significa pensar em novas regras na hora. Então quando Darren Green, que comanda Wabash, contata Jim para pedir conselhos, Wallman manda de volta uma lista de pessoas que precisam apoiar o golpe para que ele tenha sucesso. Todos estão dentro. “Não sei se tomamos a decisão certa”, me diz Green, “mas há tanta exigência dos jogadores na sala que seria muito difícil dizer não”. Eventualmente, a presidente manda forças especiais para restaurar o governador ao poder (o representante dos prefeitos é misteriosamente assassinado). Mas muito tempo foi perdido; Wabash está condenado.

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E assim despencamos pelas beiradas. Em Iliniwek (Ilinóis, jogando de Southampton, Reino Unido), o Controle mostra ligações telefônicas de pânico de famílias enquanto seus bairros são tomados. O prefeito renascido de Cincinnati anuncia uma “cruzada” contra os infectados. Algumas cidades estão tão mal que os jogadores simplesmente desistem e vão para casa mais cedo, enquanto um dos jogos considera sair da rede – se desconectar dos jogos nacionais e simplesmente jogar sozinho – para tentar reequilibrar as coisas.

Helicópteros Blackhawk tiram comandos de governo de cidades em chamas; F-16s passam bombardeando bairros inteiros; o arsenal americano, tão minunciosamente construído, é lançado contra seu próprio povo. Um número cada vez maiores de estados exige que joguemos bombas nucleares neles.

Tarde de domingo

Aí, logo antes do meio-dia de 3 de julho, um único zumbi nível 1 invade a base aérea General Mitchell em Ouisconsin – só para encontrar 20 paraquedistas da força aérea que acabaram de cair estado.

Nas horas seguintes, as forças que liberamos de Londres finalmente chegam no resto do mundo. Uma força do exército do nosso mapa se traduz em mais força do que toda a Guarda Nacional dos estados. “Foi muito legal ver a cara dos jogadores militares quando, achando que não havia mais esperança, chegam 20 forças em seus mapas”, escreve Tom Parry, do controle de Ouisconsin. Em Iliniwek, os jogadores gritam “U-S-A!” quando as forças chegam – mas em uma cidade de Ahoa (Ohio), os militares são barrados por um prefeito que insiste que eles não podem entrar porque ele não declarou estado de emergência. Mesmo diante da crise, ele não larga o osso.

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Nem todos os aspectos da área ampla de UN:SOC funcionam tão bem. Estados considerados perdidos pela Cortina de Ferro compreensivelmente se sentem isolados. Pior, jogadores envolvidos no lado da ciência do jogo – através de capturar zumbis e amostras de vírus para mandar para centros de outros estados para desenvolver uma cura ou armas – reclamam de amostras perdidas ou mandadas para o lugar errado.

Ainda assim, ver notícias que se originam em lugares a centenas de quilômetros de distância criam uma impressão elétrica de um mundo maior. “Saber que algo chegou de Kanawha porque uma pessoa ou grupo fez acontecer, em vez de ter sido decidido só por alguém aqui tirando uma carta, é incrivelmente excitante”, diz Stefone Salva Cruz, do controle de jogo de Kanawha.

O Controle tem mais uma bola curva para nós. Ao pôr do sol recebemos um e-mail: “MENSAGEM ULTRASSECRETA DO NORAD”. Um grupo de bombardeiros russos invadiram o céu americano e a inteligência sugere que eles contêm bombas nucleares; nossas preparações pouco sutis provocaram uma resposta. “Presidente”, digo depois de algum debate, “acho que é hora do telefone vermelho”. Isso rende uma conversa surreal mas emocionante entre alguém do Controle se passando por Vladimir Putin e a presidente garantindo a ele que “tudo está sob controle nos EUA”.

Noite de domingo

Dá meia-noite, quatro de julho, e o país – ainda – está unido. A Operação Cortina de Ferro teve sucesso a um custo vertiginoso: os estados em quarentena abrigam quase 40% da população americana, 125 milhões de pessoas. Uma variedade de curas desenvolvidas por jogadores estão sendo aplicadas, com resultados mistos, e nossos advogados estão considerando a legalidade de atirar em multidões de cidadãos americanos agora tratáveis. A limpeza vai levar anos; as recriminações políticas, uma década.

O final de um megagame é súbito e agridoce. Raramente há uma sensação de encerramento ou clímax. Você tem todos esses esquemas em andamento, todos esses objetivos e esperanças; mais cinco minutos e você poderia fechar aquele pacote de ajuda ou assegurar aquele acordo crucial. Aí o Controle grita “GAME OVER!” – geralmente numa hora inesperada, para evitar “loucuras de último minuto” – e somos deixados lá, piscando como alguém numa balada depois que as luzes acendem.

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O mundo fictício congela onde está, e os jogadores precisam formar suas próprias conclusões de quem “ganhou” ou o que teria acontecido depois. Através extensivas discussões pós-jogo num pub, você pode eventualmente acabar com uma imagem clara. Mas você estava num grande barato o dia todo, e leva tempo para se acalmar.

“…nossa vitória pífia era exatamente o tipo de resultado 'desarticulado e caótico' que ele esperava.”

Imediatamente depois que UN:SOC acaba, Wallman posta no Facebook que tinha sido “a experiência mais prazerosa de megagame que ele já tinha experimentado em sua carreira”. Mas que centenas de horas estressantes de preparação e ensaio, e a impotência que ele sentiu assistindo o jogo de fora, o deixaram “física e psicologicamente esgotado”.

Mas quando falo com ele, ele está mais feliz com o resultado. Ele criou UN:SOC para provar que um megagame de área ampliada podia funcionar – o que, no balanço, ele conseguiu – e nossa vitória pífia era exatamente o tipo de resultado 'desarticulado e caótico' que ele esperava.

O problema com Hollywood, ele lamenta, que há sempre apenas um herói – “nunca uma equipe, nunca um coletivo”. Mas com os problemas de mundo real, os resultados são determinados por grupos e instituições tanto quanto por indivíduos. Então mesmo que Wallman diga que UN:SOC não tem uma “mensagem social maior”, o megagame pretende “desafiar o pensamento preguiçoso” sobre como lidamos com crises, e para responder como nossa sociedade poderia lidar coletivamente com um apocalipse zumbi.

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Wallman vê megagames, em última análise, como um meio de narrativa, cujas regras existem para gerar histórias. Se sim, essas não são histórias de indivíduos, mas de sistemas, de instituições, ou atores interdependentes cujas decisões conspiram para produzir um resultado que poucos deles desejavam ou previram, mas de que são autores coletivos. E o que há de tão fascinante nos megagames é que eles fazem tudo isso enquanto enfatizam, como resultado necessário de sua estrutura, o papel de informação imperfeita, interesses divergentes e disfunção institucional – não sorte, mas caos – em moldar a história.

E por isso, no final, acabo levando a culpa por um golpe em Mishigamaa do qual eu não sabia porra nenhuma.

Manhã de segunda

Começa a segunda-feira e os eleitores vão para as urnas. Fiz tudo que pude, mas forças que vão selar meu destino político já estão em movimento.

Às 15h54, logo antes da meia-noite do domingo, a Casa Branca recebeu um e-mail de Maria Osa, governadora de Mishigamaa. “Por favor podemos falar por Skype?”, ela diz. “Os militares estão dando um golpe.”

Maria estava sob pressão para declarar estado de emergência. Depois de horas esperando por uma cura, seus prefeitos deram a ela mais um turno para achar uma ou declara emergência. Mas antes que pudesse fazer isso ela foi presa pela Guarda Nacional, afirmando ter autoridade da presidência que não tinha.

Ou tinha?

Só depois do jogo, descubro o homem responsável: Templeton Blair, a ligação local do Pentágono, com seu colega da Segurança Interna. “A governadora estava matando o estado e as cidades, e a Guarda Nacional nos abordou para pedir ajuda”, ele me diz. “Enganei meus superiores e explorei a frustração local… distorcemos a verdade dos dois lados.” Ele quase conseguiu, mas um discurso apaixonado do assessor de Maria – e uma lição cívica gentil do Controle – convenceu a Guarda Nacional de que isso era ilegal. Nas primeiras horas da manhã de segunda, os militares soltaram a governadora e procuraram a imprensa.

“Uma corrente obscura de eventos que começou em um dos locais de jogo envolveu os mais altos escalões de autoridade.”

Fora tudo isso, cometi pequenos erros. Em certo ponto eu disse ao Pentágono que Mishigamaa tinha pedido tropas federais quando não tinha. Com medo de encararem acusações, os generais me pediram para testemunhar por escrito que estavam agindo sob minhas ordens. Então, entre monitorar a campanha eleitoral republicana, digitei uma declaração genérica que o Pentágono rapidamente vazou para um repórter, que interpretou isso equivocadamente como fazendo referência ao golpe que ele já estava investigando.

É um final um tanto amargo para minha carreira política, mas também ilustra as conexões caóticas que tornam um megagame tão especial, e provam que o conceito de área ampla funciona. Uma corrente obscura de eventos que começou em um dos locais de jogo envolveu os mais altos escalões de autoridade.

Rex Brynen, o professor da McGill, conta a história de uma estudante que interpretou a Unicef em um de seus jogos de crise. O grupo dela bolou um programa de saúde materna e controle de natalidade “brilhante” com um orçamento limitado, visando áreas onde a mortalidade infantil era mais alta. Mas não perceberam que essas também eram áreas onde uma minoria étnica em busca de independência estava mais densamente presente. Os jogadores rebeldes precisavam de uma desculpa para denunciar a ONU, e saíram das negociações de paz dizendo que a Unicef estava praticando eugenia.

“Recebi um e-mail da estudante”, me conta Brynen, “dizendo: 'estou no banheiro da biblioteca, chorando depois que o secretário-geral da ONU gritou comigo por telefone por 15 minutos dizendo que destruí o processo de paz. Tenho uma reunião com o USAID em dez minutos e borrei toda minha maquiagem. Obrigada pela melhor experiência de aprendizado que já tive'”.

E o que nós apreendemos com UN:SOC? Wallman e os organizadores sabem agora que um jogo de área ampla pode funcionar (e como consertar o que não funciona). Com certeza os jogadores britânicos aprenderam muito sobre a constituição dos EUA. Pessoalmente, aprendi a não assinar nada que eu não precise – e nunca, nunca confiar em generais.

AGRADECIMENTOS: Para esta matéria falei ou tirei informação de relatos de muitas pessoas que não acabaram citadas na versão final, mas que merecem reconhecimento. Elas são: John Mizon, Tim Campbell, Paul Howarth, Marcel Nijenhof, Zane Gunton, Becky Ladley, Nick Luft, Jaap Boender, Jonathan Terry, Stephen Brown e Andrew Hadley das equipes de controle; Myre Haywood, Alex Beck e Chris Cooling dos federais; Fraser Patrick, Oli Fleck, Paul Howells, Russell Kent e Becky Rose de Wabash; Benji Royce, Daniel Woods, Johan Olofsson, Alexi Duggins, Jake Knight, Brad Jayakody e Darren Grey de Mishigamaa; Jude Whitaker e Mario Conti de Shawnee, Chris Gannon de Ouisconsin, Daniel Lawson de Kanawha e Daniel Piper de Ahao; Luke Murray da Necrotech, Sean Tyrer da Badger News, e todos os seus repórteres; e finalmente os apresentadores do podcasts Last Turn Madness e The Megagame Report.

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