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Lei de censura nas redes foi solução ruim para problema dos bots e fake news

Ainda que barrada, tentativa mostra, mais uma vez, que políticos não sacam muito de tecnologia.
Crédito: José Cruz/ABr

Por mais que já tenha virado um clichê dizer que o Brasil não é para amadores, os acontecimentos desta última quinta-feira, 5, não ajudam nem um pouco a contestar a frase. Em um lance surpreendente na madrugada de ontem, o texto final da Reforma Política foi aprovado com a adição de uma emenda, de autoria do deputado federal Aureo Lidio Moreira Ribeiro (SDR-RJ), que prevê a retirada de conteúdos considerados ofensivos a políticos — sem a necessidade de ordem judicial. Segundo o texto aprovado, o provedor que for notificado pelo político ofendido teria até um dia para remover o conteúdo e identificar quem fez a postagem.

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A aprovação pegou bastante mal com organizações da sociedade civil e veículos de comunicação. No final da tarde de ontem começaram a ser publicadas as primeiras matérias jogando luz sobre o fato e acusando o texto de tentativa de censura durante as eleições. O próprio deputado passou a receber duras críticas nas redes sociais e, por meio de sua página no Facebook, fez mais de uma postagem para justificar o texto da emenda, chegando ao ponto de mudar sua posição inicial e a pedir o veto da própria.

No texto publicado na rede social, o deputado destaca que a suspensão do usuário seria temporária, isto é, "somente até que o dono do conteúdo envie seu documento para a plataforma". Ele ainda destacou que a medida tem por objetivo evitar a proliferação de perfis e notícias falsas nas redes sociais.

Diante das críticas, o presidente Michel Temer, talvez em busca de aplausos, se posicionou publicamente no início da tarde desta sexta, 6, que vetaria a emenda. Mas será que estamos a salvos de situações tão esdrúxulas quanto essa?

Segundo especialistas da área cibernética, não: o ciclo de leis abusivas prestes a serem aprovadas deve se repetir. Os políticos brasileiros, afinal, não cansam de provar que não manjam muito de tecnologia. E o que mais preocupa os pesquisadores é que situações como essa podem servir para calar projetos de transparência que visam denunciar gastos abusivos por parte dos políticos.

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Segundo Eduardo Cuducos, sociólogo e membro do projeto Operação Serenata de Amor — que audita gastos dos deputados com a Ceap —, o texto da lei e a justificativa do falam coisas diferentes. "Tomando por base o que está escrito na lei, e não o que ele disse por fora na tentativa de explicar, qualquer deputado pode se ofender com tuítes da Rosie [o bot de Twitter que avisa assim que um gasto suspeito é registrado] e aí medidas de transparência estariam ameaçadas."

Rosie publica denúncias de gastos no Twitter desde janeiro deste ano. Cuducos explica que a solução do Twitter foi dada após tentar o caminho de denunciar diretamente à Câmara. Ou seja: já é um meio de contornar a falta de resposta do poder público. "Fizemos mais de 500 denúncias à Casa, mas apenas 62 deputados responderam oficialmente", diz. Com as publicações dos gastos nas redes sociais, os deputados começaram a ter de se posicionar publicamente.

O Comitê Gestor da Internet, órgão consultivo que ajuda a ditar os rumos tomados pela internet no Brasil, também não gostou nada da história. Divulgou em nota seu posicionamento contra a emenda. Nela reforçou que o Marco Civil da internet já estabelece mecanismos que fariam as vezes da regulação.

Para Yasodara Córdova, Fellow no Kennedy School em Harvard e affiliate do Berkman Klein Center para Internet e Sociedade de Harvard, nos EUA, textos de leis como o aprovado mostram o desconhecimento da tecnologia pelos legisladores. Se fosse o caso de coibir o uso de bots, como o próprio deputado destacou em sua conta de Facebook, seria possível fazer uso de softwares para a identificação deles. "Esta lei é uma solução ignorante pro problema dos bots espalhando fake news", observou.

Não é a primeira vez que o poder público tenta arrumar meios de desencorajar mensagens críticas. Em maio deste ano, a equipe de advogados do prefeito da cidade de São Paulo João Dória estava enviando notificações extrajudiciais para seus críticos nas redes sociais. Ao final do ano passado, o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, também gerou comoção nas redes sociais ao pedir ao twitter os dados de usuários que estavam o criticando na rede social.

Isto acontece em um contexto onde cada vez mais bots e contas fakes estão sendo utilizada para influenciar o debate público. Em recente pesquisa divulgada pelo Ibope, redes sociais terão mais influência na escolha de candidatos durante as próximas eleições do que meios tradicionais com rádio e televisão.

Em resumo: os problemas continuam, e as soluções do governo só pioram a situação.

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