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As voluntárias ajudando mulheres dos EUA a conseguir abortos

Num estado que logo pode se tornar o primeiro sem clínicas de aborto nos EUA, a Kentucky Health Justice Network está conectando mulheres a direitos reprodutivos, a qualquer preço.
Escolta de voluntárias no EMW Women's Surgical Center. AP Photo/Dylan Lovan.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.

Quando Emily, uma mulher de 41 anos de Louisville, Kentucky, descobriu que estava grávida no começo do ano, ela decidiu fazer um aborto. (Seu nome foi mudado porque ela teme consequências no trabalho se os colegas descobrirem.) Confiante em sua decisão, ela queria realizar o processo o mais rápido possível – mas logo percebeu que como morava em Kentucky, isso não seria possível.

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Desde que tomou posse em 2015, o governador republicano do Kentucky, Matt Bevin, tem estabelecido uma das legislações de aborto mais restritivas dos EUA. Este ano, as autoridades aprovaram a proibição do aborto depois de 20 semanas de gravidez; a exigência de ultrassom vaginal antes do aborto foi revertida recentemente depois de ser contestada pela União Americana pelas Liberdades Civis.

Por mais de uma década, Kentucky teve só duas clínicas de aborto, as duas operadas pelo EMW Women's Surgical Center. No final de 2016, a administração Bevin bloqueou uma licença para o Planned Parenthood realizar abortos em sua sede em Louisville, citando novas regulamentações exigindo que as instalações tivessem acordos de transferência com um hospital próximo e um serviço de ambulância. Em janeiro, a clínica de Lexington do EMW foi fechada oficialmente depois de uma batalha legal de um ano. A administração negou o pedido para renovar licenças, e segundo um post do Facebook do EMW, a imobiliária recusou renovar o aluguel.

Então, quando Emily ligou para agendar sua consulta no EMW de Louisville, ela estava contatando o último fornecedor de abortos do estado.

O EMW fica no meio de uma rua movimentada do centro de Louisville. Emily planejava marcar a consulta para um dia de semana, quando tinha menos chance de encontrar algum conhecido no caminho. Também porque a calçada na frente da EMW teria menos manifestantes antiaborto. Ela ligou inicialmente pra outras clínicas na região, tentando marcar consulta fora do estado, mas Ohio, Indiana, e Tennessee têm períodos de espera ou outras leis que exigiriam que ela ficasse dois dias fora e perdesse muito trabalho.

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Apesar do EMW ficar a apenas 20 minutos da casa dela, Emily não tinha ninguém para levá-la de carro lá e embora depois do procedimento, uma exigência da clínica. O namorado não podia sair do trabalho para levá-la, e ela não se sentia confortável pedindo isso a amigos ou parentes. Ficando sem opções, ela começou a entrar em pânico. Uma funcionária do EMW disse a ela para ligar para a Kentucky Health Justice Network (KHJN), uma organização sem fins lucrativos que defende a justiça reprodutiva e tem um fundo de apoio para abortos. Uma das 70 organizações de aborto que pertencem a National Network of Abortion Funds, a KHJN é a única esperança para moradoras de Kentucky tentando ter acesso ao procedimento médico, usando sua rede de voluntários e doações para ajudar com transporte, dinheiro para a gasolina, acomodações e pagamento dos procedimentos.

Ela agendou o procedimento, e no dia marcado, uma voluntária do KHJN apareceu na porta dela e a levou de carro até a clínica. Emily ainda teve que encarar manifestantes em frente ao EMW. “Eles basicamente te agridem sem te tocar”, ela disse. Ela conseguiu entrar em segurança, e depois que o procedimento acabou, a voluntária a deixou em casa, e ligou para ver como ela estava alguns dias depois.

Meses depois, Emily ainda pensa sobre a ajuda que as voluntárias da KHJN lhe deram, sem nenhum custo para ela. “Em cada passo [do processo], há uma barreira, mas essa era uma a menos para se preocupar”, ela disse.

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A clínica de Louisville atualmente está no meio de um julgamento que vai determinar se Kentucky se tornará o único estados dos EUA sem um fornecedor de aborto. O julgamento foi encerrado no começo de setembro, e um veredito deve sair a qualquer momento. Com apenas uma clínica em Kentucky, e poucas nos estados ao redor, o trabalho de organizações como a KHJN deve ser tornar mais caro e desafiador logisticamente.

“Há muita pressão no momento”, disse Meg Stern, diretora do Fundo de Apoio ao Aborto da KHJN. “A clínica pode perder, e aqui estamos com todas essas pessoas que ainda precisam de acesso a aborto. O que vai acontecer?”

Desde 1976, quando a Emenda Hyde foi aprovada como lei, o governo dos EUA proibiu financiamento federal para abortos, e muitos estados seguiram o exemplo. Fundos de aborto surgiram para ajudar pessoas a superarem barreiras logísticas e financeiras para o procedimento. “É meio como uma underground railroads”, disse Marcie Crim, diretora executiva da KHJN.

Fundada em 2013, agora a KHJN tem cinco funcionários de período integral e cerca de 60 voluntários. Até agora a organização vinha tentando se manter discreta. Mas enquanto os legisladores republicanos diminuem cada vez mais o acesso à saúde reprodutiva com regulamentações visando leis para fornecedores de aborto (TRAP), líderes do movimento como Crim estão falando mais com o público e a imprensa.

“As pessoas não sabiam que existíamos, então não pediam nossos serviços”, disse Crim. “Meu objetivo [desde que tomou posse em 2016] era conscientizar sobre o nosso perfil.”

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Segundo o Guttmacher Institute, uma organização de pesquisa de políticas focada em saúde reprodutiva nos EUA, mais de um terço das restrições de aborto estaduais instituídas, desde a decisão de 1973 da Suprema Corte legalizando o aborto pela Roe v. Wade, foram promulgadas nos últimos seis anos.

“Esse impacto cumulativo de restrições e falta de acesso cria uma situação horrível para algumas mulheres”, disse Elizabeth Nash, gerente sênior da Guttmacher. “A distância que elas precisam viajar – conseguir subir essa montanha é muito difícil. E aí elas precisam pensar em como levantar dinheiro para o procedimento e a viagem.”

No EMW, um aborto médico custa $750, e um aborto cirúrgico pode chegar a $2.250. O custo dos procedimentos de aborto variam muito por clínicas, estados e tempo de gravidez. A KHJN, financiada principalmente por doações individuais, normalmente promete $500 por semana por paciente, que vai para gasolina, hotéis e procedimentos, aí trabalha com seus fundos de aborto para ajudar com o resto se necessário. Mas muitas clínicas exigem que a paciente pague por uma parte do procedimento com dinheiro próprio, então Stern e os voluntários precisam fazer perguntas desconfortáveis: a paciente que precisa de um aborto pode emprestar o cartão de crédito de alguém? Ela pode penhorar seus pertences?

“De longe, essa é a pior parte do trabalho”, disse Stern.

Com o aumento das restrições, a organização está se sobrecarregando. Antes de 2016, Crim disse que a KHJN recebia 11 pedidos de ajudar financeira e de transporte por semana. No último ano, ela disse que eles começaram a receber mais de 30. Parte disso é porque a organização está se tornando mais conhecida, disse Crim, parte é porque as pessoas precisam viajar para mais longe agora que só há uma clínica. Cerca de 95% das pessoas que a KHJN apoia – muitas vivendo a quatro ou seis horas da cidade, na área rural de Kentucky – vão para o EMW, ela acrescenta. Mas a proibição de aborto depois de 20 semanas no estado dificultou as coisas ainda mais.

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Stern disse que as voluntárias da KHJN buscam as pessoas em estacionamentos de posto e em frente a casas abandonadas, porque as pacientes temem repercussão em suas vidas pessoais e profissionais pela decisão. Muitas delas, ela acrescentou, se veem em risco de longas esperas porque não há mais fornecedores.

“Perder uma clínica em Kentucky seria uma motivação adicional para oponentes do aborto tentarem fechar outras clínicas, ou adotar tantas restrições que o aborto se torne impossível de acessar”, disse Nash.

Este ano, Crim disse que uma adolescente de 16 anos dirigiu uma hora até Louisville com a mãe para o EMW. Ela tinha passado dois dias do limite de 20 semanas, e o serviço foi recusado. Quando elas pediram ajuda à KHJN, Crim cuidou do caso pessoalmente. Depois de alguns dias, a KHJN conseguiu $1.750 para levar a garota e a mãe de avião para uma clínica em Maryland – que agora já fechou também – como último recurso para obter o procedimento.

Situações assim estão se tornando mais comuns no Kentucky, disse Crim. Viagens para outros estados é algo que a KHJN dificilmente pode pagar, mas ela diz que esgota todas as outras possibilidades até a paciente ter o que precisa. De outro modo, as consequências podem ser horríveis.

“A garota estava no banco de trás do carro, me dizendo que procurou no Google como fazer um aborto em casa porque achava que não ia conseguir na clínica”, ela disse. “Ouço essas histórias cada vez mais.”

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Junto com acesso limitado ao aborto, muitos em Kentucky, especialmente morando em áreas rurais, não têm recursos de saúde feminina como anticoncepcionais e serviços de planejamento familiar. Segundo um estudo de 2014 do Congresso Americano de Obstetrícia e Ginecologia, 76% dos 120 condados do estado não fornecem serviços de obstetrícia e ginecologia. E as moradoras do Kentucky precisam muito disso: segundo os dados mais recentes a que a Guttmacher teve acesso, foram 7.220 casos de gravidez entre adolescentes de 15 a 19 anos no Kentucky em 2013, colocando o estado no oitavo lugar das taxas mais altas de gravidez na adolescência no país.

No verão, Crim ajudou a lançar uma iniciativa para melhorar o acesso a controle de natalidade no leste de Kentucky. O programa de dois anos, em parceria com a Campanha Nacional para Evitar Gravidez na Adolescência e Gravidez Não-Planejada e o centro de mídia dos Appalachias Appalshop, combina abordagem educativa, narrativa e mudanças em políticas locais para garantir que as pessoas da região tenham acesso a todo tipo de anticoncepcional.

Por enquanto, a KHJN e ativistas pró-escolha esperam ansiosamente a decisão sobre o EMW. “Esse caso é incrivelmente importante”, disse Nash. “Isso coloca no tribunal não só que tipo de regulamentação é apropriada, mas como é importante proteger o acesso a isso.”

Se o juiz decidir por deixar o EMW funcionando, isso pode abrir um precedente que significa que o Planned Parenthood pode voltar a realizar abortos. No pior caso, se a clínica fechar, a KHJN vai oferecer transporte para fora do estado, o que significa mais dinheiro para viagem, alojamento e gasolina, e mais logísticas para lidar em outras clínicas. “Pagar pelo procedimento vai ser mais fácil nesse ponto”, Stern diz.

A batalha pelo acesso ao aborto no Kentucky encorajou pessoas como Stern e Emily a defenderem com mais força a justiça reprodutiva. “A hora de permanecer neutro e não escolher um lado já passou”, disse Stern. “Para mim é fundamental escolher um lado, o que torna um pouco mais fácil ter esses diálogos.”

Para Stern, isso significa popularizar mais o KHJN. Para Emily – que diz que nunca vai esquecer o apoio que recebeu da organização quando mais precisava – significa compartilhar sua história e oferecer seu tempo para a causa; sua experiência a fez considerar se tornar uma voluntária da KHJN. “Sofro vendo eles tentarem aprovar essas leis, não por mim mas por outras mulheres”, ela diz. “Não quero que alguém acabe sem os recursos que eu tive.”

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