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Tecnologia

Pesquisadores Dizem que Precisamos Desesperadamente de Novos Antibióticos

Nós estamos em uma corrida mortal contra a crescente resistência a antibióticos — e estamos ficando para trás.
​Crédito: NIAID

Nós, membros da comunidade global, estamos em uma corrida mortal contra a crescente resistência a antibióticos — e estamos ficando para trás.

A cada ano, 23 mil norte-americanos morrem em decorrência de infecções causadas pela resistência a antibióticos, de acordo com o Centro de Prevenção e Controle de Doenças. Os epidemiologistas concordam que esse número só vai aumentar. Só na semana passada, uma super-bactéria conhecida como carbapenem-resistente, ou Enterobacteriaceae (CRE), foi ligada a quatro mortes na Califórnia e na Carolina do Norte.

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"Uma era pós-antibióticos — onde infecções comuns e pequenas lesões poderão matar — está longe de ser uma fantasia apocalíptica, e é, na verdade, uma possibilidade muito real para o século 21", afirmou a Organização Mundial da Saúde em um relatório sobre o estado global da resistência antimicrobiana.

Com o crescimento das super-infecções, estamos caminhando em direção a um futuro onde os antibióticos existentes se tornarão obsoletos. Mas enquanto a ameaça da resistência antibiótica cresce mais e mais, muitas empresas da área farmacêutica e de biotecnologia estão indo na direção oposta, financiando cada vez menos antibióticos. Entre 2008 e 2012, o FDA aprovou apenas dois antibióticos, comparados aos 16 aprovados entre 1983 e 1987.

Em um editorial publicado na revista Science, pesquisadores da Universidade de Harvard enfatizaram a necessidade de novas estratégias para incentivar a produção de novos antibióticos. Eles defendem, especificamente, novas políticas de compensação para produtores de antibióticos com um alto valor social, ou seja, aqueles que reduzem a morbidade, controlam a mortalidade e aumentam a qualidade de vida.

"Uma forma de encorajar o desenvolvimento de antibióticos é se assegurar de que seus lucros correspondam aos benefícios que eles trazem à saúde pública" disse Aaron Kesselheim, professor de medicina da Faculdade de Medicina de Harvard e um dos autores do ensaio. "Se um novo antibiótico aparecer e os testes comprovarem que ele é a melhor opção para o tratamento de infecções resistentes, nós devemos estar preparados, e ter todo o sistema organizado, para recompensar esses desenvolvedores apropriadamente."

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Testes de resistência antibiótica com a bactéria E. coli. Crédito: Dr. Graham Beards

No artigo, os autores afirmam que existe uma diferença de 500 milhões de dólares entre os benefícios sociais de um novo antibiótico que trata doenças bacterianas fatais e o rendimento do fabricante. Eles acreditam que compensações financeiras através de programas como o Medicare e o Medicaid podem ajudar a diminuir essa diferença.

Kesselheim e seus coautores tem um bom motivo para apoiar os incentivos financeiros: não é nada fácil lucrar vendendo antibióticos no mercado atual, especialmente em comparação com outros produtos, como remédios para câncer e hepatite C, que são vistos como curas milagrosas e custam muito mais.

Os antibióticos não seguem o padrão do Mercado farmacêutico, disse Kevin Outterson, um professor de direito da Universidade de Boston que escreveu sobre os incentivos para o desenvolvimento de antibióticos. Para começar, as empresas não podem vender quantos antibióticos elas quiserem; elas tem que considerar a resistência a esses medicamentos. Quanto mais uma droga é utilizada, menos eficaz ela se torna.

A aprovação do FDA também é um processo trabalhoso. As empresas tem que conduzir ensaios clínicos para provar que seu produto pode competir com os produtos já existentes. Outterson nos sugeriu imaginar como seria difícil vender um iPhone segundo as regras do mercado de antibióticos.

"Digamos que você queira vender um novo produto, um iPhone 7, no mundo real. Antes que você possa fazer isso, você tem que provar aos especialistas que os iPhones 3, 4, 5 e 6 não são tão bons quanto seu novo produto", ele disse.

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Por último, como Outterson destacou, os antibióticos tem preços bem razoáveis. "Existem dezenas de tratamentos de câncer que custam mais de 100 mil dólares, apesar de a eficácia comprovada ser bem baixa", disse. "Enquanto isso, um tratamento com os novos antibióticos custa entre 2 mil e 3 mil dólares."

"Esse problema é uma bola de neve que não para de crescer."

Além disso, os novos antibióticos tem que competir com produtos genéricos, que ainda funcionam razoavelmente bem na maior parte dos casos e custam cerca de 100 dólares.

"No geral, temos grandes quantidades e preços baixos", disse Outterson. "Esse não é um bom sistema."

As indústrias farmacéutica e biotecnológica têm que superar dois grandes desafios: a competição dos genéricos e o processo necessário para determinar os níveis de uso adequados dentro do contexto da crescente resistência antibiótica, afirma Elizabeth Cobbs, diretora executiva do setor de tecnologia da saúde da Merck, a segunda maior empresa farmacêutica dos Estados Unidos, atrás apenas da Pfizer.

Os fatores culturais também afetam a situação, disse Cobbs. "Existem certos produtos, como antibióticos e vacinas, que as pessoas tendem a ver como bens públicos", disse Cobbs. Ela afirmou que essa visão cultural é um dos muitos fatores que afetam os preços dos antibióticos.

No último inverno, a Merck comprou a Cubist Pharmaceuticals, uma empresa especializada no desenvolvimento de antibióticos, por US$ 9,5 bilhões. Essas mudanças na Merck fazem parte de uma mudança maior, segundo Cobbs. (Um comentário: Meu pai é um estrategista de saúde na Merck, mas não deu entrevista para essa matéria.)

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"O diálogo público sobre esses problemas atingiu uma nova etapa. Vários órgãos governamentais, como o WHO, por exemplo, estão publicando declarações sobre antibióticos e a baixa produção de novos exemplares", disse.

Ao longo do ano passado, os líderes mundiais tocaram nessa questão diversas vezes. Em janeiro, o Presidente Obama anunciou que planeja dobrar o financiamento federal dedicado ao estudo da resistência à antibióticos. No verão passado, o Primeiro Ministro David Cameron lançou um apelo para o aumento desses estudos no Reino Unido, afirmando que a resistência aos antibióticos poderia levar o mundo "a uma nova idade das trevas da medicina"

Essa nova visibilidade política é promissora, disse Kesselheim, mas o governo precisa cumprir suas promessas e investir mais em pesquisas. "O problema do desenvolvimento de antibióticos é a falta de novas ideias", disse. "A próxima mudança precisa ser o aumento do investimentos para a pesquisa acadêmica que identifica os novos mecanismos de ação disponíveis para os antibióticos."

Outterson afirma que, para que a indústria mude, é preciso mudar as políticas o mais cedo possível. "Sim, existem projetos de lei sendo discutidos e estudos sendo publicados, incluindo esse novo relatório na Science" ele disse. "Essas ideias são boas. Agora precisamos implementá-las — em meses, não anos."

Por enquanto, a resistência antibiótica está matando poucas pessoas. Episódios como o surto de mortes causado pela superbactéria já existem, mas se mantêm limitados aos hospitais onde surgem. Mesmo assim, não podemos ignorar esses novos organismos, avisou Putterson.

"Esse problema é uma bola de neve que não pára de crescer", afirmou. Sua maior preocupação é que nós não estejamos preparados para enfrentar um surto de alguma doença bacteriana na escala do surto de ebola do ano passado.

"Nós não podemos esperar até isso acontecer em uma das grandes cidades dos EUA. O prejuízo econômico e humano seria astronômico", disse. "Nós precisamos nos proteger contra esses tipos de bactérias, e essa proteção precisa estar pronta — não como uma ideia em um laboratório, mas como um produto em nossas mãos."

Tradução: Ananda Pieratti