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O futuro do passado está nas músicas do Commodore 64

A primeira música electrónica das nossas vidas.

No final dos anos 80, o Commodore 64 foi uma espécie de computador de transição entre o muito popular ZX Spectrum 48k e o Commodore Amiga (o irmão mais velho e mais dotado do simpático 64). Os meus pais entenderam, a certa altura, que as cassetes de ZX Spectrum já estavam demasiado gastas e resolveram comprar um Commodore 64, na esperança talvez de que eu aprendesse a programar com aquilo ou então que começasse a utilizar software educativo. Nada disso aconteceu, como é óbvio, e o 64, tal como todos os outros computadores, passou a servir apenas para jogos.

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Face ao rival Spectrum, o Commodore 64 tinha uma série de aspectos positivos — as cores eram muito mais vívidas — e outros negativos — os jogos disponíveis eram mais escassos e alguns deles programados com um desleixo de meter dó. Lembro-me do

Dick Tracy

, em que o boneco do detective parecia um verdadeiro anormal, e fiquei para sempre marcado pela adaptação do musical

Cats

, cujo objectivo era equilibrar um gato numa lata de lixo. O jogo era tão péssimo e obscuro que nem é possível recuperá-lo agora com uma busca no Google (aposto, mesmo assim, que a Luísa Cativo adoraria ver o gato equilibrista).

Mas o Commodore 64 podia também orgulhar-se de alguns jogos com versões bem respeitáveis e muitas delas superiores às do Spectrum. Entre os melhores encontravam-se clássicos como

Turrican

,

Tiger Road

,

Street Hassle

(personagem inesquecível),

Usagi Yojimbo

, além de muitos simuladores desportivos. O grande factor de desequilíbrio no braço-de-ferro entre os dois computadores passava, porém, pela qualidade muito superior das músicas do Commodore 64. Nesse aspecto, a máquina terá sido essencial para que, de forma pouco consciente, muitos putos de oito e nove anos escutassem pela primeira vez música electrónica pura e feita por compositores perfeitamente inventivos.

Atentos a esse valor relativamente oculto da década de 80, Sebastian Weikart e Anthony Chalmers, co-proprietários da Robot Elephant Records, decidiram editar a compilação

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SID Chip Sounds — The Music of the Commodore 64

, recuperando e enaltecendo assim o trabalho de compositores que marcaram a música feita para o computador. O disco, disponível em CD ou em duplo LP, inclui malhas de revolucionários como Martin Galway, Rob Hubbard, David Whittaker, Ben Daglish, entre outros.

Suponho que alguns destes tenham agora grandes barbas e um estilo de vida completamente ermita, mesmo que uma parte considerável da música electrónica actual — dubstep, chiptune — continue a parasitar o legado que construíram há mais de duas décadas. Diz que a culpa é das capacidades do SID Chip, o tal que transformou o som do Commodore 64 e mereceu a intemporalidade. Entrei em contacto com os pais da compilação para ficar a saber mais sobre o assunto.

VICE: Como surgiu a ideia de lançar esta compilação de músicas do Commodore 64?

Sebastian Weikart:

O Anthony teve a ideia, em primeiro lugar, porque tinha acabado de gravar um podcast com o nosso amigo Gareth Main (da

Bearded Magazine

) e, por essa altura, estávamos todos bastante bêbados e com pica para ouvir músicas de jogos de computador. Começámos então a navegar pelo YouTube e a mostrar as nossas favoritas uns aos outros. Ocorreu-nos depois que podíamos lançar as músicas na nossa

label

. Eu joguei muito Commodore 64 quando era jovem porque, ao ter crescido na Alemanha Oriental, tive acesso às coisas do mundo ocidental apenas dez anos mais tarde. Nessa altura já curtia muito as músicas de jogos como

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Sanxion

,

Katakis

,

Last Ninja

e etc.

A minha experiência diz-me que é bastante difícil chegar aos autores originais dos jogos de Commodore 64. Foi um desafio contactar o pessoal que esteve envolvido nestas músicas?

Por acaso não foi tão difícil como esperávamos. Cerca de dois terços dos direitos pertencem a um tipo bem prestável chamado

Chris Abbott

e para os restantes contactámos os compositores directamente. Foi isso que aconteceu com o Ben Daglish e Chris Huelsbeck, que estavam muito receptivos à proposta.

Esta soa-me sempre à Wendy Carlos, a compositora da banda-sonora de

Laranja Mecânica,

a dizer adeus ao mundo dentro de um Commodore 64.

Todos os direitos de autor foram respeitados na compilação?

Anthony Chalmers:

Sim, assegurámos os direitos de todas as faixas. Depois de toda a barafunda em torno da melodia que Zombie Nation roubou do jogo

Lazy Jones

, todos os compositores certificam-se de que tudo está dentro da legalidade!

Acreditam que alguma destas malhas pode entrar num DJ set? Escolheriam alguma destas como a música certa para meter uma festa a rolar?

Hmm, não sei se alguma serviria para começar a festa. Já passei algumas, no início dos meus DJ sets, mas nunca tentei realmente meter o pessoal a dançar com estas malhas. Talvez um DJ melhor que eu fosse capaz disso. A compilação inclui algumas músicas dançáveis. “Sanxion”, do Rob Hubbard, poderia ser uma delas.

Sebastian Weikart:

Acho que algumas faixas poderiam funcionar bem para descontrair ou misturadas por cima de beats. “Sanxion”, “Panther” ou “Arkanoid” têm grande potencial para entrar num set aqui e ali. Por acaso misturei algumas faixas com malhas do Zomby e Rustie, durante um DJ set.

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Bom épico para um filme do Gaspar Noé com abusos sexuais dentro de uma nave espacial.

Parece-vos que alguns dos compositores representados na composição serão génios ainda por celebrar?

O Ben Daglish e o Rob Hubbard são os mais famosos, mas os nossos favoritos são o Martin Galway e o Chris Huelsbeck.

Havia uma grande rivalidade entre o ZX Spectrum e o Commodore 64 naquele tempo. Que aspectos técnicos vos parecem essenciais para o facto das músicas de Commodore serem bastante melhores que as do Spectrum?

O SID Chip do Commodore 64 simplesmente oferecia uma capacidade superior à do AY Chip, do Spectrum. E a história confirmou esse estatuto, já que o SID Chip e todos os emuladores ainda são usados num universo musical que vai da electrónica à pop. Provavelmente mais que nunca.

Ignoremos por agora toda a música envolvida e digam-me apenas quais eram os vossos jogos favoritos do Commodore 64. Eu adorava o The Last Ninja 2.

Anthony Chalmers:

Os favoritos do Sebastian são o

Katakis

e o

Parallax

. Eu curto muito o

Commando

.

Esta é do Spectrum, mas jura que não a dançavas se tocasse por volta das quatro da manhã se estivesses já com uma grande jarda?