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Entrei de penetra numa conferência de ceticismo climático em Las Vegas

Recebi um convite para a Conferência Internacional de Mudanças Climáticas, que aconteceu no meio do deserto de Nevada, no caos dos cassinos de Las Vegas.
o autor

Alex Epstein, autor do livro ainda não lançado The Moral Case for Fossil Fuels, com sua camiseta Eu <3 Combustíveis Fósseis. 

Venho investigando a indústria do ceticismo climático há quase três anos, e a melhor maneira de reunir informação sobre esse grupo pequeno, porém influente, é conviver com eles. Em 2012, participei da conferência do Instituto Heartland, uma usina de ideias de livre mercado fundada por companhias de petróleo e tabaco, que investe muito tempo e esforço tentando classificar como bobagem algo que, claramente, não é: as ciências climáticas. Minha presença era claramente indesejada – mas acho que eles esqueceram de me tirar da lista de e-mails, porque recebi novamente o convite para a Conferência Internacional de Mudanças Climáticas, que este ano aconteceria no meio do deserto de Nevada, no caos dos cassinos de Las Vegas.

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A escolha da cidade para o evento me pareceu uma provocação brilhante. Seria uma celebração às altas apostas do capitalismo, nos mesmos antros de jogo onde $92 bilhões são perdidos por ano na busca pelo sonho americano. As luzes ofuscantes, os hotéis grotescamente enormes, os drinques de cortesia.

Talvez nenhum lugar da Terra seja mais libertino e esbanjador com os recursos naturais do que essa utopia distorcida. O Partido Republicano teria rejeitado Vegas como local para sua convenção de 2016 temendo que seus simpatizantes cristãos fossem repelidos por esse antro de iniquidade – e com medo de que seus políticos fossem atraídos para os bordéis e cassinos. Cientistas já afirmaram explicitamente que estamos “jogando os dados” com o aumento das temperaturas, que torna extremos climáticos e catástrofes mortais mais frequentes – estamos jogando com o nosso futuro, basicamente. Joseph Bast, o presidente do Heartland, só podia estar mandando uma banana para seus detratores com a escolha de Las Vegas como sede do evento.

Os últimos dois anos foram tórridos para o Heartland. O Dr. Peter Gleick, climatologista e escritor, fingiu-se de membro do grupo e conseguiu que eles lhe enviassem uma coleção de documentos internos altamente secretos. Esses documentos revelavam que o Heartland estava trabalhando com uma consultoria da indústria do carvão para entrar nas escolas norte-americanas e atacar as ciências climáticas.

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Dois meses depois, pouco antes da conferência de 2012 em sua cidade natal, Chicago, o Heartland tomou a bizarra decisão de fazer um outdoor atacando as ciências climáticas, usando o fato de que o terrorista Unabomber, Ted Kaczynski, se preocupava com o aquecimento global. Isso deu aos arqui-inimigos do grupo, o Greenpeace americano e a Forecast the Facts, a munição que eles precisavam para fazer lobby e afastar financiadores do grupo.

A conferência de Vegas seria uma ótima oportunidade para entrar de novo nesse mundo estranho. Mas será que eu queria mesmo passar uma semana no meio do deserto com 300 doidos climáticos, todos prontos para me cercar e tentar me convencer de que eu estava errado sobre tudo se soubessem quem eu era?

“QUANDO FINALMENTE PASSEI PELA PORTA, FUI CONFRONTADO POR UM AMERICANO CORPULENTO E PELUDO DE SUNGA PRETA APERTADA.”

Vinte e quatro horas depois, lá estava eu desembarcando no aeroporto de Las Vegas no meio da madrugada. O Hotel e Cassino Mandalay Bay, um monumento dourado ao excesso, parecia ser o próximo prédio na estrada. Mas me custou 20 minutos e US$20 de táxi para chegar até lá.

O hotel era o cenário perfeito para o Heartland. Os cassinos desregulados brilhavam enquanto tomavam o dinheiro das pessoas e o cheiro acre de cigarro era generalizado. O lugar é impetuoso, enorme e decadente. Só se via casacos de pele e buracos de traça. Havia uma grande reforma acontecendo quando cheguei. A recepção reservou meu quarto para duas pessoas, então, quando finalmente passei pela porta, fui confrontado por um americano corpulento e peludo de cueca preta apertada. Felizmente, eles me transferiram.

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Na manhã seguinte, conheci Christopher Monckton, que concordou em tomar café comigo. Em minutos, eu me vi quase totalmente perdido em nonsense. Monckton repetiu ser membro da Câmara dos Lordes, o que já foi negado pela própria Câmara, e ter sido consultor científico de Margaret Thatcher nos anos 1980, quando ela foi a primeira a defender as ciências climáticas, no que também ele já foi desmascarado.

O aristocrata, um arquiteto que já tentou ser jornalista, me disse que tinha produzido um modelo climático simples que provava que cientistas de verdade tinham exagerado sobre a ameaça das mudanças climáticas, e que não havia provas de que aquecer a atmosfera era perigoso.

Monckton tem trabalhado com a usina de ideias neoliberal de nome sinistro Comitê Para um Futuro Construtivo (CFACT em inglês). Eles até alugaram um avião para que ele pudesse cair de paraquedas na conferência climática de Durban, para a qual ele não tinha sido convidado. O CFACT conta com financiamento significativo da ExxonMobil e outros industriais do petróleo e automotivos. Então, perguntei a Monckton se ele tinha se se beneficiado da generosidade da ExMo. “O cheque ainda não chegou”, ele brincou, antes de perguntar seu eu era “de esquerda”.

Monckton me disse que participava de conferências sobre o clima porque era melhor do que ficar sentado em casa e porque ele se importava com o futuro da sociedade. Ele tinha se recusado a aceitar o pagamento de $1.000 oferecido pelo Heartland. Perguntei como isso se relacionava com sua crença no livre mercado, que se baseia na ideia de que as pessoas só respondem a incentivos financeiros. Ele sorriu.

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Depois que paguei o café da manhã dele, ele disse uma coisa que realmente me surpreendeu. Estávamos passando pelos caça-níqueis quando perguntei o que ele achava de Vegas. Ele disse que achava o jogo imoral. Os cassinos estavam lucrando com a falta de educação e entendimento básico de matemática das pessoas. Ele disse que o Heartland tinha escolhido Vegas, na verdade, para insinuar que os cientistas climáticos tinham fracassando em entender os riscos.

O Dr. Willie Soon. Ele afirma que Albert Einstein teria sido cético quanto às mudanças climáticas e acusou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas de fazer “ciência gângster”. 

Joseph Bast abriu a conferência naquela noite. “Falando em financiamento, e para deixar registrado, fora $150 da Associação do Carvão de Illinois e mais $150 do Liberty Coin Service, uma lojinha de moedas em Lansing, Michigan, propriedade do meu velho amigo Pat Heller, nenhum dinheiro de corporações foi levantado para realizar essa conferência. E não, nenhum centavo dos irmãos Koch” – donos das indústrias Koch, a maior empresa de capital fechado dos EUA e um dos principais nomes da indústria de refinamento de petróleo. As pequenas doações deveriam significar que as grandes empresas petroleiras não estavam por trás dessa brincadeira.

O comentário veio segundos de ele ter agradecido seus copatrocinadores, que incluíam o Media Research Center, a Heritage Foundation, o Competitive Enterprise Institute, o CFACT e o George C. Marshall Institute – grupos fundados por grandes corporações petroleiras e alguns pelas fundações de Charles Koch.

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O site Media Matters for America fez uma postagem em seu blog sobre a ligação de alguns dos palestrantes com a indústria de petróleo. Estranhamente, o site deles estava bloqueado no hotel e os representantes do Heartland, todos bravos defensores da liberdade de expressão, ficaram no escuro.

Aí o lado sombrio dessa desonestidade cômica e hipócrita se tornou quase pesado demais para suportar. O Dr. S. Fred Singer, um herói popular por aqui, recebeu um Prêmio pelo Conjunto da Obra. Ele, por sua vez, apresentou o Prêmio Frederick Seitz. Se alguém pode levar o crédito por inventar o ceticismo climático, essa pessoa é Singer. O velho já chegou a dizer que “Minha ligação com a indústria do petróleo na última década é como a de Wesson Fellow na Hoover Institution; o dinheiro de Wesson vinha do óleo de salada”. A Exxon tinha dado a Singer US$10.000 de financiamento apenas alguns meses antes.

O falecido Dr. Seitz conquistou muitas coisas em sua vida. Mas vou sempre lembrar dele como alguém que contribuiu diretamente para a morte de milhões de norte-americanos. Ele era parte do comitê de pesquisa médica da R. J. Reynolds Tobacco Company e supervisionou o uso de US$45 milhões em financiamento médico para “servir aos propósitos da indústria do cigarro”, segundo seus críticos. Boa parte da minha família morreu por doenças relacionadas ao fumo, então isso ficou na minha cabeça.

A conferência pegou embalo e meu cérebro começou a derreter. Uma sequência monótona de slides toscos feitos no Powerpoint, discursos incoerentes e tentativas desesperadas de ressuscitar controvérsias climáticas enterradas por cientistas de verdade 30 anos atrás. Os palestrantes tinham recebido cerca de US$1.000 para participar, mais as passagens e estadia em grandes suítes no hotel.

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As centenas de céticos ao meu redor não questionaram uma vez sequer as afirmações bizarras, ilógicas e mal construídas que rodopiavam à nossa frente. Essa paródia de ciência era um híbrido mortal dos programas da Universidade Aberta dos anos 1970 e um Cirque du Soleil de segunda categoria.

Nos intervalos, consegui falar com algumas das figuras chaves do ceticismo climático. O Dr. Patrick Michaels já foi vilipendiado pelo Greenpeace e é parte da primeira geração de cientistas a ganhar dinheiro das companhias de carvão para argumentar contra as ciências climáticas mainstream. Ele já admitiu na televisão que 40% do seu financiamento vem da indústria do petróleo.

Ele me contou que, quando ainda era um jovem cientista, desafiou o que via como uma ortodoxia monolítica de mudança climática, o que fez suas verbas de pesquisa governamentais minguarem. Acreditando ser uma das mentes mais brilhantes do país, ele ficou ofendido por ser um dos mais mal pagos em sua profissão. Felizmente, a indústria automobilística estava disposta a pagar, por baixo dos panos, para que ele ajudasse nas lutas ambientais legais.

Mais tarde, conversei com o Dr. Willie Soon, um dos poucos cientistas profissionais da conferência. Ele já foi financiado pela Exxon, pelo American Petroleum Institute e, de um jeito ou de outro, por Charles Koch. O Greenpeace usou as leis de Liberdade de Informação para expor o apoio financeiro que ele recebia de barões do petróleo por meio de sua universidade. Soon me disse que a Exxon interrompeu seu financiamento recentemente, sem nem um beijo de despedida. Soon era outro cara triste que parecia convencido de sua própria genialidade e estarrecido com a falta de reconhecimento. O Heartland deu a ele um troféu de vidro e uma rodada de aplausos.

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Testemunhei então um ativista do Greenpeace dar uma bronca em Anthony Watts, ex-homem do tempo que hoje comanda o blog Watts Up With That? num dos corredores. Foi Watts quem “revelou” a história do Climagate, quando milhares de e-mails particulares entre cientistas do clima foram hackeados e publicados na internet. Os e-mails foram apresentados como prova de uma conspiração global para enganar o público sobre a existência do aquecimento global. Não eram.

Depois cruzei com James Delingpole, o ex-jornalista do Telegraph Online que vomitava seu sarcasmo sobre cientistas do clima e seus defensores. Eu estava prestes a passar pelo tipo de confrontação amarga que eu queria tanto evitar.

Delingpole frequentou a Universidade de Oxford com o primeiro-ministro David Cameron, mas seu trabalho nunca fez sucesso a ponto de ele ser convidado para a London Society. Outro grande momento de Delingpole foi quando ele foi feito de trouxa por Sir Paul Nurse, que filmava para a BBC e perguntou se ele já tinha lido o resumo de algum artigo científico (a introdução curta que define a importância do estudo). Delingpole, que afirma ter descoberto uma grande conspiração global que fabrica pesquisas climáticas, admitiu que não. Então perguntei se ele tinha lido algum resumo desde então. “Não.” Eu não conseguia acreditar.

Delingpole descartou um dos estudos mais influentes sobre o clima como “ridículo”, e afirmou que seu autor, o Professor Michael Mann da Penn State University, tinha “pouco talento discernível”. Durante nossa confrontação, ele confirmou que nunca tinha entrevistado Mann, nunca tinha lido seu livro e nunca leu nenhum de seus artigos científicos. Fiquei pasmo.

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Delingpole ficou furioso. Ele cuspiu e me acusou de ser um "troll". Ele atacou meu jornalismo, mesmo sem nunca ter lido nada do que escrevi, e atacou minhas opiniões, mesmo sem ter ouvido nenhuma. Tudo isso estava sendo gravado por dois cinegrafistas franceses. Eu estava tremendo. Mais de raiva do que de nervoso. “Posso te dar um conselho de amigo”, eu disse.

“Não quero seus conselhos, senhor Montague”, ele respondeu.

“Por que você não lê o resumo de três artigos científicos? Aí você não vai parecer burro da próxima vez que alguém fizer essa pergunta. Não vai demorar muito.”

A briga foi perdendo o gás e fomos cada um para um lado, bufando. Eu senti pena de Delingpole. Por que ele estava nessa conferência? Ele podia estar em casa com a família, jogando Scrabble. Parece que ele é comandado por sua ambição, mas que isso não o tinha levado muito mais longe do que um porão de um salão de conferências de um hotel decadente em Las Vegas.

A exposição Heartland. 

Depois de três dias trancado nesse inferno com ar condicionado, já era quarta-feira e a conferência ia chegando ao fim. E eu lembrei que estávamos em Vegas. Abordei Joseph Bast e perguntei se ele tinha de fato escolhido Las Vegas como uma brilhante provocação a seus críticos. O giro da roleta me lembrava a loucura das hipotecas de alto risco e dos credit default swaps que jogaram milhões de norte-americanos na miséria. A escolha foi um comentário social? “Não”, ele disse. “Os quartos aqui eram mais baratos.”

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Seria quase possível descartar esse povo como um bando de malucos deprimentes. Algo entre quem acha o 11 de Setembro uma armação e médicos homeopatas. Não só vendedores de óleo de cobra como compradores de óleo de cobra. Gente imune às evidências acumuladas de que o livre mercado não é apenas o responsável pela crise econômica de 2008, mas também pela grande catástrofe ecológica que se aproxima cada vez mais.

“ELES SÓ FALAM BESTEIRA. MAS ESTÃO INFLUENCIANDO A POLÍTICA NORTE-AMERICANA.”

Eles seriam somente um bando de malucos deprimentes se não fossem tão influentes. Tubarões nadavam entre os representantes da conferência, assim como deviam fazer no aquário do Hotel Mandalay Bay. Gente como Myron Ebbel, do Competitive Enterprise Institute, que conspirou com um insider da Casa Branca para menosprezar as mudanças climáticas num dos primeiros relatórios sobre o assunto. Ou o senador James Inhofe que, numa chamada de vídeo, disse às tropas norte-americanas para se prepararem para tomar o Congresso em novembro. Eles também influenciam oficiais de nível mais baixo.

Durante um jantar, sentei ao lado de Rod Wright, um senador democrata muito engraçado e, aparentemente, experiente da Califórnia, um berço do ativismo ambientalista. Rod, um dos dois únicos negros que vi entre os supostos 600 participantes, me contou como começou a suspeitar da energia renovável e das ciências climáticas no geral.

Essas suspeitas foram confirmadas pela avalanche de literatura que ele recebeu do Instituto Heartland. Seus colegas o abandonaram, mas ele foi endurecido pelo apoio do instituto de livre mercado. “Você tem que passar a informação por seu próprio filtro”, ele me disse. “A origem do financiamento deles não desvaloriza a informação. Todo mundo recebe dinheiro de alguém. Jesus disse: 'Quem nunca pecou que atire a primeira pedra'.” (Mais tarde, li que Wright tinha sido condenado por fraude eleitoral.)

São bobagens. Mas eles têm influência na política norte-americana. O Heartland é só mais uma das centenas de organizações e campanhas financiadas pelos Koch e pela Exxon, que vêm frustrando e bloqueando a administração Obama desde o começo. Ao ir embora da conferência, achei difícil conciliar o que tinha aprendido. Essas pessoas não estavam apenas sendo excêntricas, elas estavam pervertendo a política americana. O que realmente aprendi em Vegas foi que os ataques dessas pessoas não podiam me ferir.

No cassino, a tragédia do sonho americano continuava. Trabalhadores colocavam seus salários inteiros para alimentar as máquinas. Acreditando no sonho. Mas investir até o último centavo aqui é uma tentativa desesperada e, para a grande maioria, simplesmente inútil de tentar escapar. Vi um cara torrar US$2.500 numa espiral de estupidez na roleta.

Ao ver os sem-teto de Las Vegas, e os viciados em drogas, você entende que não existe previdência social por aqui, nenhuma rede de segurança. Os caras do Heartland estão a apenas alguns cheques da queda livre. Eles não vão ser contratados pela Universidade de Stanford. Eles se acham muito geniais para viver de um McEmprego. Eles se agarram às últimas esperanças. Eles lutam para sobreviver. É isso que você faz em Las Vegas.

Brendan Montague é um jornalista investigativo que vive atualmente em Londres. Ele escreve para o The Sunday Times, The Mail on Sunday e The Guardian. Ele é fundador da Request Initiative, que tem o Greenpeace do Reino Unido como cliente, entre outras ONGs.

Tradução: Marina Schnoor