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Drogas

A Polícia Invadiu a Capital da Cannabis na Albânia

Anteontem, uma força policial de mais de 500 homens invadiu Lazarat, uma cidade fora da lei nas montanhas da Albânia que produz cerca de 900 toneladas de cannabis todo ano.

Um trabalhador dichava maconha, preparando o produto para exportação. Foto por Telnis Skuqi (2013).

Anteontem, uma força policial de mais de 500 homens invadiu Lazarat, uma cidade fora da lei nas montanhas da Albânia que produz cerca de 900 toneladas de cannabis todo ano. Um tiroteio pesado se seguiu. As armas não são uma visão muito comum na Albânia, mas os moradores de Lazarat são particularmente bem armados. Enquanto a polícia tentava tomar um armazém de propriedade de um barão da droga local nos arredores da cidade, os policiais foram recebidos com foguetes, morteiros e armamentos pesados, e tiveram que recuar. No momento, a polícia está mantendo suas posições do lado de fora da cidade, esperando por novas ordens.

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Visitei Lazarat algumas semanas antes da batida policial, quando a época de cultivo tinha recém começado. Os fazendeiros já tinham arado os campos e as colinas em volta estavam pontilhadas com barris de plástico azul-claro. Meu contato no local, que já testemunhou várias safras, me informou que os barris estavam cheios de sementes. Ninguém com quem falei esperava uma abordagem da polícia, mas a atmosfera estava tensa.

Os moradores ficaram de olho em mim assim que entrei na cidade. A última vez que meu contato local tentou trazer um repórter estrangeiro para Lazarat, eles foram expulsos da cidade sob ameaças de morte. Peguei meu celular para fotografar os campos e uma mulher que varria um terraço próximo jogou sua vassoura no chão instantaneamente. “Não, não! Vocês estão loucos?”, ela gritou.

Vista de Lazarat, uma cidadezinha a 100 quilômetros ao sul da capital Tirana. Foto por Axel Kronholm.

“Eu e minha família podemos ter problemas, e vocês também, se não pararem de fazer perguntas”, disse uma mulher de uma família de fazendeiros quando pedi uma entrevista. Acredita-se que a maioria dos sete mil habitantes da cidade faz parte do cultivo de maconha, direta ou indiretamente, então, eles têm bons motivos para ter cuidado com forasteiros portando câmeras. É muito difícil conseguir fazer alguém falar.

Embora muitas das pessoas envolvidas no cultivo sejam fazendeiros normais, organizações criminosas controlam e transportam o produto de Lazarat para a União Europeia, onde a maioria dos lucros é gerado.

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Estudando fotos aéreas da cidade, a polícia financeira italiana, a Guardia di Finanza, estima que a produção anual local seja de 900 toneladas de maconha, com um valor de mercado total de 4,5 bilhões de euros (aproximadamente 13,7 bilhões de reais). Isso é quase 15% do produto interno bruto da Albânia.

Lazarat vem produzindo a erva desde o começo dos anos 1990. Desde o fim do duro regime comunista de Enver Hoxha, o mercado negro floresceu com a turbulência política na Albânia. Ultimamente, a repressão ao cultivo de drogas na Grécia também contribuiu para um aumento da produção no país, de acordo com o Centro Europeu de Monitoramento de Drogas e Vício em Drogas, o EMCDDA.

No final do verão, Lazarat e as colinas que a cercam ficam cobertas de pés de maconha. A foto é do ano passado. Foto por Telnis Skuqi.

Na época da colheita, que começa no meio de agosto, trabalhadores convidados são trazidos aqui para lidar com o trabalho pesado. Toda manhã, pessoas se reúnem nos arredores da cidade esperando por uma van ou trator que as levem até as plantações.

Conversei com duas mulheres que trabalharam nos campos de Lazarat muitas vezes. Elas não quiseram revelar seus nomes, mas disseram que costumam receber de 20 a 30 euros (R$60 a 90) por oito horas de trabalho. Um valor bem decente, considerando que o salário médio na Albânia é menos de 400 euros (R$1.215) por mês.

Encontrei uma das mulheres, uma senhora de 41 anos, quando ela cuidava do jardim de um hotel na cidade vizinha, Gjirokastër. Aquele era seu trabalho principal, mas ela disse ter colhido cannabis em Lazarat com o filho muitas vezes. “É trabalho pesado. No verão passado, tive dor de cabeça e fiquei tonta lidando com toda aquela cannabis”, ela disse. “O cheiro era tão forte que a sensação era parecida com a de fumar isso.”

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A outra mulher, uma trabalhadora da indústria têxtil de 32 anos, disse que a polícia visitou as plantações muitas vezes enquanto ela estava trabalhando lá. “Eles olhavam em volta, mas não faziam nada. Eles não se importam, e mesmo que se importassem, eles não podem fazer nada”, ela disse. “Se eu não encontrar outro trabalho no verão, é provável que volte a Lazarat.”

Fatmir Bilbili, presidente do conselho municipal de Lazarat. Foto por Axel Kronholm. 

Num café no último andar do prédio do governo de Lazarat, o presidente do conselho municipal tomava café e fumava cigarros com amigos. Vestindo uma jaqueta preta e uma camisa amarela, Fatmir Bilbili pareceu surpreso quando um estrangeiro apareceu. Depois de um tempo, consegui convencê-lo a me dar uma entrevista. Ele se levantou com um suspiro e nos levou até seu escritório – uma sala pequena e um pouco bagunçada com paredes de concreto azul-claro. Em sua mesa, havia um calendário, um bloco de notas em branco e a seção de esportes de um jornal.

“Lazarat foi esquecida há muito tempo pelo governo. Eles não nos oferecem nada e não vemos nenhum investimento vindo em breve”, ele disse, explicando que as pessoas procuraram para o cultivo de drogas para sobreviver.

Mas, este ano, segundo ele, nenhum pé de maconha estava sendo cultivado em Lazarat. “Não temos mais esse problema. Hoje, as pessoas plantam vegetais e coisas assim”, ele disse. Mas, parado nos degraus da saída do prédio, era possível ver cada vez mais barris azuis de sementes nos campos arados.

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As organizações criminosas albanesas usam vários métodos para tirar o produto do país: carros, barcos e aviões já foram usados antes. Aqui, um burro leva um carregamento de erva para fora de Lazarat. Foto por Telnis Skuqi.

Num relatório do Departamento de Estado norte-americano do ano passado sobre o tráfico internacional de drogas, a Albânia é descrita como um país de trânsito para o tráfico na Europa. A Itália é o principal destino para a cannabis produzida nessa parte da Albânia, de acordo com o EMCDDA. No relatório de 2012, a Albânia é descrita como uma “fonte significativa, mas muitas vezes esquecida, de produtos de cannabis usados em alguns mercados europeus”.

A Albânia não só é o país mais corrupto da Europa – é também um dos mais pobres. É fácil entender a tentação de produzir uma cultura tão rentável como a cannabis numa parte rural subdesenvolvida do país.

Mas um debate sobre a legalização germinou recentemente na Albânia. A questão recebeu bastante atenção em março, quando Mark Crawford, presidente da Câmara Americana de Comércio, disse numa entrevista para a TV albanesa que o país deveria legalizar e taxar a maconha. Isso traria uma receita muito necessária para o país e desinflaria a economia ilegal, explicou Crawford. Mas a Albânia não parece pronta para esse tipo de reforma: nenhum partido político apoia a legalização e, de acordo com pesquisas de opinião, a maioria da população albanesa também não.

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Fatmir Bilbil voltou para seus amigos no café. Eu e meu contato entramos em meu carro, esperando encontrar mais pessoas com quem conversar. Enquanto eu dirigia pela cidade, um Mercedes marrom apareceu atrás de nós, seguindo cada movimento nosso. “Problema”, disse meu contato, olhando ansioso pelo retrovisor. Em seguida, outro Mercedes, dessa vez branco, apareceu e rapidamente nos ultrapassou. O motorista parecia furioso. Gesticulando ferozmente pela janela aberta, ele nos fez encostar.

“Quem diabos é você? O que você está fazendo aqui?”, ele gritou quando nossos carros pararam próximos. Ele me viu tirando fotos, disse. Expliquei que era jornalista, mas disse que não tinha tirado nenhuma foto. Depois de um minuto ou mais de discussão acalorada, ele decidiu nos deixar ir, mas insistiu em nos escoltar para fora da cidade, e só deu meia volta quando nos afastamos bastante pela estrada.

Alguns dias depois, topei com Gentian Mullai, chefe de polícia da cidade vizinha de Gjirokastër, num café de beira de estrada. Aproveitei a oportunidade para perguntar sobre a situação em Lazarat.

“Que situação?”, ele perguntou, com um sorriso amarelo.

“A produção de maconha?”, eu disse.

“Que produção? Estive lá hoje mesmo com dois colegas. Está tudo sob controle, não vimos nada de anormal”, ele disse com um sorriso amplo, depois me deu as costas e foi embora.

Os partidos políticos albaneses estão sempre acusando uns aos outros de corrupção e envolvimento com o tráfico de drogas. Nenhum dos governo até agora conseguiu, ou mesmo tentou, combater o tráfico de forma séria. As autoridades já lançaram ataques contra Lazarat antes, sem nenhum efeito maior. Talvez a batida de ontem seja uma mudança genuína de direção, mas é provável que ainda seja muito cedo para dizer qualquer coisa.

@aaxl

Tradução: Marina Schnoor