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quadrinhos

A Dinâmica do Bruno Maron

Uma entrevista com o quadrinista Bruno Maron, que se dedica ao tema "classe média sofre"

O Bruno Maron passou os primeiros 15 anos da vida dele brincando no play (ele é carioca), os seguintes 15 correndo atrás de mulher (ele estudou Design) e os últimos três levando alguma coisa a sério (ele agora é humorista). O que equaciona 30 anos vivendo como um franguinho mimado da classe média + três anos vivendo como um franguinho mimado da classe média mas agora tentando rir disso--e quem sabe fazer alguém chorar. Desde 2008, abolido o constrangimento e superada a assumida timidez autoral muito grande, decidiu aflorar o quadrinista enrustido que existia dentro de si e começou o blog Dinâmica de Bruto, no qual sacaneia mochileiros, a intelectualidade festiva, as picuinhas. A classe média. O mundo flat. A egolatria.

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Meccainthosh

VICE: Quer dizer que você é brother do Beto Jamaica?
Bruno Maron: [Risos] OBeto Jamaica é uma daquelas figuras bisonhas da década de 90 que contribuíram para a degradação do meu cérebro, o que não é de todo mal, considerando que a alienação é um dos grandes investimentos que um ser humano pode fazer nos dias de hoje. Coloquei o nome dele nos créditos da minha animação com uma homenagem mesmo.

Achei que tivesse ido pra balada com ele.
Eu gostaria de ter ido pra balada com o Beto, com certeza. Até porque ele trabalha com axé, e uma das minhas vergonhas secretas é que eu curto um pouco de axé. Sem contar que possivelmente uma balada com o Beto ia magnetizar todo tipo de gostosas… Mas não  pintou a oportunidade.

Certeza. Agora sobre seu site. No seu primeiro domínio – pelo que vi você teve três até agora--, os primeiros posts são de 15 de setembro de 2008, dia no qual você postou 11 tirinhas ou charges com espaço de um minuto cada. O que aconteceu pra catalisar todo esse descontentamento com a classe média e dar à luz o Dinâmica de Bruto?
A ignição foi uma questão da classe média. Primeiro porque sou da classe média, e acho que estava encharcado por todos os medos e vícios típicos da classe média – medo de ficar sem dinheiro, contestar autoridades, da violência, de quebrar códigos, estatutos. Esse desgaste provocado por estar imprensada entre os ricos e os pobres. Acho que a classe média fica sufocada, sem saber com lidar com os grandes detentores dos meios de produção, os industriais, os políticos, enfim, os grandes centros de poder que produzem dispositivos de controle psicossocial. Ao mesmo tempo uma falta de traquejo com as ditas classes baixas, um preconceito velado. Enfim, QUE MERDA.

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Merda o que, ser da classe média?
Acho uma merda que essa estratificação seja tão acentuada. É óbvio que sempre existirá um desnível de condição material, mas no caso do Brasil, que é o único país que eu conheço pelo menos um pouquinho, a situação é bem crítica.Não há um ódio expresso em relação à classe média, na verdade eu odeio todas as classes com o mesmo amor.Só que é mais fácil sacanear a classe média, que é onde estou sentado olhando para minha TV a cabo.

Mesmo porque a classe AA não tá nem aí em ser sacaneada e tirar com os mais humildes não é de bom tom. Então sobrou pra gente.
[Risos] Porra, na lata. A classe AA é imune à violência simbólica, estão todos brutalizados pelo poder.

O Eike Batista participa de algumas das suas tiras…
Esse cara é foda. Idolatrado. As pessoas acreditam que ele realmente tem uma preocupação com o país. Ele engana muito bem, trata-se de um profissional. As pessoas acham que gerar empregos é uma coisa intrinsecamente boa. Nossa cultura é muito migalhista. Tem um amigo meu que fala uma coisa muito legal. O discurso do capitalismo é “trabalho para todos”. Quando é que vai ser “propriedade para todos”? Então um milionário que aparece aí com um gambler alucinado comprando tudo e "gerando empregos" é visto como uma salvação. Porque trabalho é a religião mesmo.

Você mantém o Dinâmica sozinho?
Quando comecei no blogspot eu fazia com um grande amigo meu, Raphael Gancz, que agora está deslanchando na poesia. Nossa ideia era simplesmente criar um espaço de produção de ideias, frases, cartuns, microcontos, HQ--era misturadão. Depois a gente afunilando para as coisas que cada um tinha mais manejo mesmo. Ele pegou o ritmo de poesia e contos e eu continuei sozinho fazendo os quadrinhos. Agradeço muito a ele pois foi muito divertido

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E o nome veio de onde?
Essa pergunta é muito boa, cara! Ela foi inspirada numa dinâmica de grupo que eu fiz no ano 2000, para a Rede Globo. Foi umas das piores experiências da minha vida.Ali, vi claramente as pessoas se engalfinhando e simulando uma personalidade totalmente artificial para conseguir uma merda de um emprego. Inclusive eu guardo algumas frases assustadoras daquele dia. Com sou tímido, saí arrasado de lá e possivelmente pensei: "caralho, isso aqui é uma dinâmica de bruto".

Frases como quais?
A instrutora pediu que os candidatos fizessem perguntas entre si. Tinha um cara diabólico, ultra intelectualizado, disposto a pulverizar os oponentes. Ele virou para uma menina e disse o seguinte: "fulana, você sabe que na guerra o homem é solidário. E NA PAZ?". A garota engasgou.

Então pra encerrar. Suponhamos a seguinte situação. A Terra sofreu uma catástrofe nuclear e você, como membro da mais alta patente da comissão de repovoamento do planeta, a CRP, tem que escolher entre três dessas pessoas pra levar para o bunker: uma mulher de 30 anos paraplégica, um médico de já avançados 85 anos, um casal de irmãos com respectivamente 7 e 11 anos, um jovem de 21 anos soropositivo, um agricultor que cursou só até a 2ª série do primário público e um professor. Quem seriam e por quê?
Porra, só uma mulher?!

Os irmãos são menino e menina.
Ah. Escolheria a mulher, os irmãos e o professor.

Por quê?
A mulher e o casal de irmão por causa do gênero mulher. Acho que o planeta tá legal de homem, e quanto mais mulher melhor—um mundo mais doce, mais cheiroso. Aí sobrou o professor, porque essa atividade é foda, né? O problema é que não sei do que ele é professor… Torço pra que seja alguma atividade lúdica e construtiva. Talvez também seja melhor que o mundo acabe. O mundo foi incrível até o século XX, um século épico. Agora tô sentindo um lance meio flat. Horizontalização, rede, consumo… Tá tudo meio genérico.

Opa, espere. Acabo de ser informado que outras duas vagas foram livradas no bunker. Quer levar algum comediante?
São as duas tchecas?!

Não. Quer levar um comediante?
Os comediantes/humoristas são as pessoas mais inúteis do mundo. Deus me livre.

E o Beto Jamaica?
Se ele levar a Sheila Mello, tá tranqüilo.