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Disenteria, Mercenários e uma Visita ao Inferno - Parte 2

Essa é a segunda parte da nossa entrevista com James Brabazon, um fotógrafo que virou cineasta e foi um dos únicos correspondentes internacionais a cobrir a sangrenta guerra civil na Libéria em primeira mão.

Essa é a segunda parte da nossa entrevista com James Brabazon, um fotógrafo que virou cineasta e foi um dos únicos correspondentes internacionais a cobrir a sangrenta guerra civil na Libéria em primeira mão. Enquanto esteve lá, entre evitar coisas como tomar tiros, esquadrões da morte e doenças tropicais (com níveis variados de sucesso), ficou amigo de Nick du Toit, um mercenário. Essa amizade fez James evitar ser encarcerado na Prisão Black Beach junto ao infame exército mercenário liderado por Simon Mann na tentativa de golpe na Guiné Equatorial, em 2004. Ler isso antes da primeira parte não vai fazer sentido nenhum, então recomendamos uma passada pela primeira parte.

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Vice: Então você era alvo de esquadrões da morte no governo Taylor? Por que especificamente você?
James Brabazon: Bom, eu era uma verdadeira pedra no sapato deles. Não havia outros jornalistas nas linhas de frente. Taylor poderia dizer “tomei esse território” e eu sacaria meu telefone via satélite dizendo para o BBC World Service que ele não tinha. Isso deixou ele louco. Quando o primeiro filme foi feito, alguém que eu conhecia estava na sala com o Taylor quando ele assistiu, um cara da inteligência americana, e parece que ele ficou apoplético. Começamos com interceptações de rádio das forças do governo dizendo: “não deixe os brancos escaparem.” Aí o Quartel General de Comunicações do Governo (GCHQ) interceptou uma chamada telefônica feita entre o Taylor e um dos seus camaradas na qual nossa execução foi ordenada e uma recompensa pelas nossas cabeças foi estabelecida. Isso depois foi retransmitido pra várias agências e passado pra mim via inteligência americana. Eu tinha um contato muito quente lá que na verdade disse: “Olha, agora é hora de ir. Não é questão de você sobreviver na linha de frente. Existem dois grupos especificamente designados pra matar você. Você precisa ir embora.” Àquela altura eu era responsável, não só por mim mesmo, mas também pelo filme e, mais importante, pelo Tim. Nós tínhamos sido alvejados por 24 horas em quartéis próximos. A ideia de voltar, com esses esquadrões da morte por lá, eu não poderia, em sã consciência, propor ao Tim, principalmente porque ele provavelmente teria dito sim. O trunfo é saber quando desistir.

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Você continuou próximo do Nick depois que voltou da Libéria?
Sim. O Nick queria explorar os recursos de diamante que os rebeldes tinham. Era uma questão extremamente complicada na nossa relação. Diamantes de sangue são, nas leis internacionais, intercambiáveis com ópio. Não é algo com o qual deva-se envolver. Ele queria fazer grana. O Nick sempre teve essa amável, mas equivocada – quase perigosamente equivocada – ideia de que, de algum jeito, poderia ajudar pessoas de um jeito que também o ajudasse. Então a operação de mineração que ele pensou daria emprego aos locais, sem nunca analisar a fundo o efeito corrosivo que a mineração irregular de diamante causa. Acho que ele acreditava genuinamente que iria funcionar. Fico muito feliz que a operação não tenha dado em nada. Suas negociações fracassadas com os rebeldes me propiciaram uma assombrosa quantidade de informações sobre a organização deles, as quais ele ficava feliz em repassar.

Rebeldes da LURD na Libéria © James Brabazon

Como esse golpe funcionou? Imagino você sentado em casa quando o Nick te liga e diz: “Oi, eu tenho esse golpe planejado para a próxima terça-feira. Você gostaria de vir?”, mas acho que não foi bem assim.
Foi uma coisa de várias fases. Primeiro, estava na República da Guiné, sentado num bar com o Nick, esperando pra voltar pra Libéria, no final de 2003. Ele me contou que tinha sido contatado por uns parceiros de negócios que queriam derrubar “um governo próximo” porque o presidente não estava cooperando com a indústria petroleira. Queriam transformar o país na “Suíça da África.” Nomes não foram mencionados, mas era fácil descobrir sobre qual país eles estavam falando. Ficou muito claro que era a Guiné Equatorial. Àquela altura o plano era lançar um ataque marítimo usando rebeldes liberianos, e atacar a praia na ilha de Malabo. Era pra ser um ataque clássico a praias – número pequeno de tropas, mas muito poder de fogo.

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Por que rebeldes liberianos? E por que queriam você?
Eles queriam que parecesse um levante local, não como a reunião de unidades de forças especiais da África do Sul da era do Apartheid – o que teria sido muito menos popular. Então eles queriam que eu filmasse tudo, só mostrando rostos negros, e liberasse a filmagem, aí pareceria local. Não poderia concordar em difundir propaganda. Me deparei com o dilema: numa mão me ofereceram um acesso incrível a esse interior e um furo incrível ao qual ninguém mais teria acesso, mas, como jornalista, me pediram para fazer algo impensável. Melhor ir esfriando aos poucos. Decidi sempre dizer sim para as coisas que poderia dizer não mais tarde. Melhor continuar no jogo.

Então você concordou em filmar e fazer parte de um golpe junto a um exército mercenário da Guiné Equatorial? Até aqui ótimo, mas o que aconteceu depois?
Pra ser honesto, não achei que o Nick fosse conseguir financiamento pra essa operação. Achei que as chances eram tão pequenas que na verdade não era algo pra ser levado a sério. Mas eu voltei da Libéria, e estava em Londres fazia poucos dias, quando o Nick me ligou, me chamando pra ir imediatamente a Paris, onde ele queria me apresentar alguém. Esse “alguém” era Simon Mann, e naquela hora eu me toquei que a operação estava para acontecer e era séria. Eles conversavam sobre comprar dois helicópteros para usar no ataque. Simon e eu continuamos em contato, nunca falando do golpe de forma explícita – era sempre muito sutil. O Nick armou uns negócios fantasmas na Guiné Equatorial, mais pra poder fazer um reconhecimento da ilha, mas, com o passar do tempo, ele foi perdendo o interesse no golpe. O negócio que ele tinha armado com o dinheiro do Simon estava começando a ficar lucrativo. Ele achou que poderia alcançar o que queria financeiramente na ilha sem fisicamente derrubar o governo. Então começou a fazer negócios com o irmão do presidente. Mas Simon tinha outras ideias, e estava sob a pressão dos seus financiadores. Nick, então, finalmente concordou em tomar partido, ainda que contra seu próprio julgamento.

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Nick du Toit depois de uma longa marcha © James Brabazon

Por que você não estava lá quando eles foram derrubados?
Eu estava em um standby de 48 horas, e meu avô morreu. Ele me criou e foi uma figura muito importante na minha vida. Disse ao Nick que estaria fora do esquema por algumas semanas. Fiquei de luto – sem e-mail ou rádio, quieto no meu canto. Voltei pra Londres e liguei no noticiário e vi que o Nick e o Simon tinham sido presos. Liguei no celular do Nick, e atenderam. Ouvi um tumulto e a conexão caiu. Liguei de volta, e quem atendeu foi um oficial querendo saber quem eu era e por que estava ligando. Por muito tempo achei que a morte do meu avô tivesse me salvado. A ideia inicial era que eu fosse na primeira onda do ataque, mas aí o Nick achou que fosse melhor eu ir depois. Se tivesse ido na primeira leva, teria ido diretamente pra Prisão Black Beach com os outros.

Por quanto tempo o Nick esteve em Black Beach?
Cinco anos e oito meses.

Você teve algum contato com ele durante esse tempo?
Não. A esposa dele fez várias visitas, e eu podia passar mensagens pra ele através dela. Quando Nick foi solto, em novembro de 2009, disse a ele que sempre tive a impressão de que a morte do meu avô tinha me salvado. Perguntei se ele achava que isso era verdade, e ele respondeu: “Não sou um escroto, como as pessoas acham. Eu cuido dos meus amigos.” Basicamente o que ele quis dizer foi que se a operação tivesse sido bem planejada, eu estaria lá, mas não foi, então não fui.

Você já se pegou pensando como esses mercenários? Você quer voltar ao combate? Ou você já teve sua parte?
Quando comecei, tinha um forte desejo de provar pra mim mesmo que eu era capaz. Queria provar que era um herdeiro à altura da vida que meu avô viveu, o que acredito que eles teriam achado assustador. Foi inútil, porque esse mesmo ímpeto egoísta interfere no fazer do trabalho jornalístico. Depois da Libéria, nunca mais tive esse desejo, sabia do que era capaz. Cada vez que você vai para combate é diferente, é surpreendente. Não é como estar num tiroteio, é uma experiência de guerra total – te desgasta, ou acrescenta, dependendo do ponto de vista. Sinto que agora não tenho mais problema nenhum em voltar para conflitos, é o que faço para viver. Se eu preciso da adrenalina da guerra? Não, não preciso. Eu estaria mentindo se dissesse que estar na guerra não é, de alguma maneira, agradável. É um lugar muito sombrio para ir, mas há algo fundamentalmente atávico, e é sabido que atavismo, e canalizar isso, é a chave. Esse viciado em adrenalina não sou eu. Tenho dois filhos pequenos, e minha intenção é a de que eles cresçam com um pai.

Existe algum conflito atual que você pretende cobrir? Ou algum que não tenha uma cobertura apropriada da mídia, na sua opinião?
Bom, tenho fortes suspeitas de que as coisas vão ficar interessantes na República da Guiné logo, logo. Tenho certeza de que haverá uma nova geração de intrépidos jovens repórteres por lá, ganhando experiência na África Oriental. Mesma merda, época diferente. Existem tantos conflitos não reportados. Tipo, o que sabemos da guerra rolando no norte do Iêmen? Há uma rebelião maoísta no norte da Índia, maoístas controlam uma faixa de terra até Hyderabad. Existe um estado paralelo maoísta lá, enormes porções de território nas quais as forças de segurança da Índia não conseguem penetrar. Não sabemos por causa da maneira que a mídia funciona – sem tempo ou recursos para mandarem pessoas para fazer coberturas. Já se foram os dias nos quais Don McCullin foi enviado ao Vietnã por meses pelo Sunday Times.

Ao mesmo tempos, têm esses conflitos aparentemente bem reportados, como a situação de Israel, mas que, na verdade, se você for juntar tudo, meses ou mesmo anos de reportagens sobre o conflito em Israel, você não vai chegar muito longe na sua análise da situação.

Disenteria, Mercenários e uma Visita Ao Inferno - Parte 1