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Saúde

Você precisa assistir 'Legion', a série mais bizarra da temporada

O estranho drama de super-herói é mais surreal que uma pintura do Dalí.

Nas últimas duas semanas, antes do último episódio da segunda temporada nesta terça-feira, fiz maratona das duas temporadas de Legion, um drama de super-herói do FX do criador Noah Hawley. (Ele também é o cara por trás de Fargo, uma série excelente que todo mundo devia assistir.)

Legion é com certeza a coisa mais bizarra no ar atualmente. E depois de passar pelas primeiras duas temporadas (o FX já renovou uma terceira) ainda não tenho certeza se estou entendendo tudo. Mas tudo bem. Talvez seja esse o ponto.

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Legion é mais ou menos baseada num personagem obscuro do universo X-Men. David Haller (Dan Stevens), descobrimos, é o filho órfão de Charles Xavier, conhecido como Professor X, o líder dos X-Men. David cresceu achando que era esquizofrênico. Quando o conhecemos no piloto, ele está internado num hospital psiquiátrico chamado Clockworks (mais sobre isso depois).

Quando um bando de mutantes renegados liderado pela bela Syd Barrett (Rachel Keller) tira David da ala psiquiátrica, eles contam que ele não é louco: na verdade ele é um poderoso telepata. Mas o que a gangue de mutantes desajustados não sabe ainda é que David também sofre com um parasita psíquico, o Shadow King, outro telepata cujo corpo morreu há muito tempo, mas a consciência usa David como seu hospedeiro na Terra.

Essa é uma versão muito resumida do enredo dos primeiros episódios da série. A teia narrativa criada por Hawley é embaraçada e complicada. Enquanto a série leva o espectador a considerar questões de tempo, espaço, realidades alternativas e outras dimensões, ela também pede que o público aguente firme e acompanhe a história — que nem sempre é linear e nem sempre faz sentido.

Da esquerda para direita: Jemaine Clement como Oliver Bird, Bill Irwin como Cary Loudermilk. CR: Michelle Faye/FX

Voltando um pouco, algumas das estranhezas da série podem ser ligadas às influências artísticas de Hawley. Algumas cenas de Legion parecem saídas da mente de David Lynch. A Vulture comparou as manifestações do Shadow King na mente de David ao jeito como o espírito de Bob aparece para personagens de Twin Peaks. Quando David visita o plano astral, isso lembra a sala vermelha de Lynch – os espaços extradimensionais são surreais e kubrickianos.

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Hawley até já disse que era “o Stanley Kubrick sem TOC”, e o lendário diretor é obviamente uma grande influência para ele. Um personagem de Legion habita um cubo de gelo estilo anos 60, que parece um pouco o quarto branco de 2001: Uma Odisseia no Espaço. Num episódio da segunda temporada, onde David explora realidades alternativas, há uma referência explícita a Laranja Mecânica, quando uma versão envelhecida e sem-teto de David é espancada por bandidos tipo os “droogs” do Alex do filme.

Também há várias referências a psicodelia e drogas, tanto de automedicação como prescritas. Os primeiros episódios mostram David e sua amiga Lenny (Aubrey Plaza) como viciados, e sua droga preferida, um vapor azul, é recorrente na série. As pílulas dadas no Hospital Psiquiátrico Clockworks (mais Kubrick) parecem pastilhas de ecstasy e colocam David num estado de sonho enevoado. Isso coloca uma questão: O enredo de Legion está realmente acontecendo com David? Ou ele está viajando e imaginando tudo? E isso explica por que tantos elementos da série são tão surreais e inexplicáveis, como a aparição de uma gigante tampa de ralo de banheira rosa num deserto, tornando a experiência de assistir parecida com olhar o sonho de alguém por uma fechadura?

Também há referência a música psicodélica – como o nome de Syd Barrett – e Hawley confirmou para a Vulture que Pink Floyd é uma base importante: “Nas primeiras conversas com o compositor da série, Jeff Russo, eu disse que queria que a trilha soasse como Dark Side of the Moon. Porque o disco é a trilha sonora de problemas mentais até certo ponto”.

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Da esquerda para direita: Dan Stevens como David Haller, Aubrey Plaza como Lenny "Cornflakes" Busker. CR: Michelle Faye/FX

O que me traz para a razão principal, e mais interessante, de Legion ser tão (propositalmente) estranha: a série aborda problemas mentais de uma maneira bastante revolucionária para a TV mainstream. X-Men sempre foi uma metáfora para o outro estigmatizado: de orientação, raça, gênero, crença. Legion insere neurodiversidade na conversa. Uma pergunta central com que David luta pela série: ele é realmente doente, tem poderes, ou os dois?

Essa é uma razão para a narrativa não linear e nem sempre lógica de Hawley ser importante. Isso obriga o espectador a questionar a realidade, e o que constitui sanidade, junto com o protagonista. Essa confusão emula as piores partes das doenças mentais: nunca ter certeza se a maneira como você está se sentindo é normal, ou se as coisas que você percebe são verdade. Se preocupar se o que você acredita pode se mostrar uma ilusão. Perder tempo para um coquetel de drogas e mania e ter que juntar as peças da realidade para talvez reparar comportamentos de que você não se lembra. A narrativa de Hawley espelha o modo como doenças mentais podem nublar a realidade.

A primeira temporada de Legion aborda uma variedade de doenças mentais, de maneira mais notável num episódio que coloca todos os personagens principais no divã do terapeuta, insinuando que suas habilidades são manifestações diferentes de insanidade em vez de mutações genéticas. Na segunda temporada isso fica mais evidente, com Jon Hamm narrando interlúdios educativos sobre loucura e apresentando subenredos que comparam pensamentos delirantes com um vírus contagioso.

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Dan Stevens como David Haller, Bill Irwin como Cary Loudermilk, Christine Horn como Dra. Orwell. CR: Suzanne Tenner/FX

No final da segunda temporada, um tema ainda mais insidioso emerge: a subversão do tradicional tropo do mocinho, revelando David como um homem raivoso com o poder de matar e destruir numa escala apocalíptica. Os outros personagens de Legion encurralam David: concordar com tratamento psiquiátrico ou ser “desativado” pelos crimes que ele está profetizado a cometer. Esse confronto ecoa problemas da vida real: impedir adolescentes descontentes de cometer atentados em escola; evitar que extremistas violentos recrutem os vulneráveis; incentivar um amante suicida a aceitar ajuda.

David se vê como um mocinho, o escolhido; a segunda temporada é cheia de iconografia religiosa, mostrando David como um deus ou santo. Mas no final da temporada, David é obrigado a confrontar sua humanidade profundamente falha, examinar os danos de uma vida inteira de doença mental, e questionar se ele é realmente bom no final das contas.

Da esquerda para direita: Jemaine Clement como Oliver Bird, Navid Negahban como Amahl Farouk. CR: Suzanne Tenner/FX

Estou tentada a assistir de novo as duas primeiras temporadas de Legion, porque tenho certeza que simplesmente perdi várias coisas. Mas quando você entende que a série é confusa mesmo, é fácil e mais divertido se perder e curtir os episódios de uma perspectiva artística e estética.

Acho que Legion está fora do radar para a maioria, o que faz sentido. Não é um conto típico de super-herói como as outras franquias de televisão da Marvel. Legion também não tem o mesmo estilo e temática dos blockbusters do X-Men. É uma série sombria, distorcida e sim, estranha.

Mas Legion é diferente de qualquer outra série, o que a torna um sopro de ar fresco. Adoro a imaginação, experimentação, disposição em abordar assuntos complicados, e produção impecável da série. Também admiro Hawley por pensar fora do gênero: Legion é o único drama de super-herói que já assisti com uma sequência musical estilo Bollywood, um número de dança com música eletrônica, e uma batalha de duetos animada. Então acenda um beck (se você curte) e assista a série mais doida da televisão, enquanto esperamos pela terceira temporada.

Matéria originalmente publicada na VICE US.
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