Bruce LaBruce fala sobre o cinema queercore, moda e socialismo
Foto principal por Saad Al-Hakkak.

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Bruce LaBruce fala sobre o cinema queercore, moda e socialismo

O artista canadense ícone do cinema gay XXX fala sobre seu novo longa-metragem, ‘The Misandrists’, uma ode à revolução lésbica feminista radical.

Foto por Saad Al-Hakkak. 

Um dos mais cultuados cineastas daquilo que é conhecido como queercore (ainda que não faça parte direta do movimento), Bruce LaBruce é sem dúvida a caixa de surpresas ideal quando o assunto é cinema transgressor, especialmente no que se refere ao universo gay e explícito. Aos 53 anos, o diretor canadense surpreende novamente com seu mais novo projeto de longa-metragem, em pós-produção.

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The Misandrists (As Misandristas, na tradução livre) — que também possui o título alternativo Womanifesto — é uma ode à revolução feminista radical. Estrelado por Til Schindler, Susanne Sachsse, Caprice Crawford, Kembra Pfahler e Kita Updike, entre outras, o filme é uma curva alternativa e bem-vinda na filmografia de Bruce, que possui no seu currículo clássicos da cinematografia gay "pornopolítica" como Hustler White (1996), The Raspberry Reich (2004), Otto; or Up with Dead People (2008) e L.A. Zombie (2010).

Após um breve encontro na última edição do Pornfilmfestival Berlin, durante um performance minha no evento realizada no Ficken 3000, em outubro do ano passado, combinamos de nos falar em breve por e-mail, para esta entrevista. Entre os temas, o novo filme, as lembranças do Brasil, sua linha de moda e a onda conservadora que se espalhou pelo mundo em 2016. Bruce LaBruce, a seguir.

VICE: Pra começar, Bruce, você pode falar sobre seu novo projeto, o filme The Misandrists , e sua decisão de fazer este longa-metragem, com foco nas mulheres?
Bruce LaBruce: A ideia de The Misandrists estava navegando pela minha cabeça há um tempo. Eu fiz um filme em 2004/2005 chamado The Raspberry Reich, que era sobre uma gangue de extrema esquerda que queria ser terrorista. Gudrun, líder da gangue, interpretado por Susanne Sachsse, acredita no filme que nunca haverá revolução sem a revolução homossexual, então ela força seus seguidores homens a fazerem sexo uns com os outros para provar seu comprometimento revolucionário. Mas tirando uma referência  en passent sobre lésbicas parte do Symbionese Liberation Army, não haviam lésbicas revolucionárias no filme. Então fiz um voto de um dia fazer um filme sobre lesbianismo terrorista separatista. Eu alistei Susanne novamente para o papel de líder da gangue terrorista lésbica, então de alguma forma parece uma sequência solta de The Raspberry Reich. Eu também havia feito alguns filmes com elenco totalmente masculino (como Hustler White e L.A. Zombie), mas nunca tinha feito um com um cast só de mulheres (ou com mulheres como maioria). Assim, isso me pareceu um bom desafio.

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Poster do filme The Misandrists.

Agora, pelo que sei, o filme está no fim de sua pós-produção. O que você espera do lançamento e como você vê esse projeto dento da sua filmografia?
O filme está perto do corte final, então ainda temos trabalhos de pós-produção pela frente. Estamos inscrevendo o filme em festivais agora, então saberemos em breve onde ele deve estrear. Eu lutei com o filme no processo de edição (o que sempre faço), mas no fim tudo se encaixou e eu gosto muito do longa. Eu acho que as pessoas que gostaram do The Raspberry Reich vão gostar[do novo filme]. É uma espécie de diatribe política, mas contada de uma forma altamente narrativa e cômica. Como The Raspberry Reich, é tanto uma homenagem à esquerda radical — segunda onda do feminismo, separatismo lésbico — como uma crítica. É um filme feito pra ser controverso.

Você pode nos contar um pouco mais sobre sua exposição Faggotry ("viadismo") e a linha fashion que você fez com Damien Blottiere, disponível no site Print All Over Me?
Faggotry foi uma retrospectiva fotográfica que eu fiz em julho de 2016 em Los Angeles, na galeria Lethal Amounts. Eu mostrei mais de 100 trabalhos em fotografia que fiz nos últimos 25 anos, incluindo stills de produção de meus filmes, fotos que fiz para diversas revistas (algumas delas de pornô gay), retratos de pessoas que tomei ao longo dos tempos, etc. Ao mesmo tempo, para corresponder à exibição, Print All Over Me lançou uma linha de produtos usando minhas fotos, pedindo que Damien Blottiere fizesse colagens com elas. Joakim Andreassom, da cultureEDIT, teve a idea de realizar essa colaboração entre mim e Damien, e eu amei o resultado. Ele também fez uma série de designs XXX baseados nas minhas fotos que irei lançar em algum momento no futuro.

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Você é parte do documentário de Yoni Leyser  Liberation Is My Lover , que documenta o movimento queercore. Qual sua participação no filme e como você vê o movimento hoje?
Eu acho que o queercore ainda está crescendo forte, ainda que eu não tenha nenhum envolvimento com o movimento. Eu acho que meus filmes ainda são considerados queercore, o que é legal. Eu não estou diretamente envolvido com a cena punk há um tempo, mas sempre senti que mantive um certo ethos punk para minha vida e trabalho, fazendo estratégias políticas, estéticas, técnicas de provocação e espetáculo (emprestada dos Situacionistas), o uso da ambiguidade e do paradoxo, etc. Eu espero que o filme de Yoni possa capturar esse espírito do punk e do queercore. Pode ser muito elusivo!

Cena de The Misandrists.

Estivemos juntos na última edição do Pornfilmfestival Berlin. Neste ano em que Trump se torna presidente dos Estados Unidos, e com essa onda forte de conservadorismo que toma conta do mundo, como canadense, artista, filmmaker e homossexual, o que você pensa e espera dos anos que virão, politicamente?
Para muitos de nós que estamos por aqui há um tempo, o ressurgimento do conservadorismo e das forças reacionárias é meio de um deja vu, algo que passamos nos anos 80. Nas "democracias" ocidentais, o pêndulo sempre balança para frente e pra trás, entre a esquerda e a direita, mas tristemente, com a ubiquidade do neoliberalismo e o poder corporativista, o espectro político inteiro mudou drasticamente para a direita. O (movimento) punk nos EUA e Canadá era em parte uma reação contra Reagan e Mulroney, o conservador Primeiro-Ministro canadense que ficou no poder de 1984 até 1993. Aqui no Canadá, também tivemos um Primeiro-Ministro conservador, Stephen Harper, de 2006 a 2015, e ele fez Mulroney parecer praticamente um liberal. Ele teria colocado o país mais à direita possível, mas os canadenses são em geral um povo mais liberal, ao menos até agora, então ele não conseguiu destruir nosso sistema de aprendizado socialista. Agora temos um Primeiro-Ministro liberal, Justin Trudeau, que está levando o país de volta à uma posição mais de esquerda, para chegar ao meio. Mas ele ainda tem uma espécie de agenda neoliberal, e recentemente fez uma venda de armas no valor de 15 bilhões de dólares para a Arábia Saudita, um país que tem um dos piores índices de direitos humanos no mundo. Claro que Trump é outro assunto. Ele se cercou de políticos ultraconservadores (como seu VP, Mike Pence), de bilionários e de acionistas poderosos de Wall Street, além de generais aposentados. Trump é instável e imprevisível, então é difícil saber para onde ele levará os EUA e o mundo. No melhor dos casos, surgirá um novo movimento jovem, radical e coeso para o desafiar e perturbar. Trump tentará revogar legislações que apoiem os movimentos gays e de mulheres, mas acho que o Canadá permanecerá em oposição a esse tipo de conservadorismo social, Pessoalmente, como artista e cineasta, suspeito que tudo isso irá me motivar e me empurrar para direções ainda mais radicais, se é que é possível!

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O que você pode dividir conosco sobre seu outro projeto em pós-produção,  Ulrike's Brain , assim como seu curta-metragem Refugees Welcome , uma parceira com Erika Lust?
Ulrike's Brain começou como uma perfomance/instalação na conferência "Die Untoten: Life Sciences and Pulp Fiction", um evento curado em 2011 por Hannah Hurtzig no Kampnagel, em Hamburgo, o maior local de produção independente para artes performáticas na Alemanha. Hurtzig me comissionou para criar um evento de performance para acontecer paralelamente  à conferência, que concerne pesquisas e especulações sobre zonas de indeterminação: a intersecção entre vida e morte. Eu decidi fazer um filme para o evento tendo como referências os filmes pulp de ficção científica dos anos sessenta, focando no fazer do filme, o que foi apresentado como performance na frente de uma plateia ao vivo. Susanne Sachsse, que interpreta Dr. Feifer, deu uma palestra na conferência, posando como uma acadêmica de verdade, adicionando outra camada de ofuscação aos procedimentos. Eu agora tornei a performance/instalação em um filme experimental, gravando material extra em uma locação em Hamburgo. O resultado é uma meditação entre os extremos da direita e da esquerda.  Refugees Welcome é um curta produzido pela companhia de Erika Lust. É sobre um refugiado sírio em Berlim que é salvo de um grupo de skinheads neonazistas por um poeta tcheco. O poeta tcheco e o garoto sírio, que também é poeta, acabam fazendo amor em cena bonita e bastante explícita.

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Cena de The Misandrists.

Em uma entrevista ao New York Times , você disse que "talentosos emprestam, gênios roubam", e também deu algumas referências, em especial Quem Tem Medo de Virgínia Woolf , como fonte de inspiração para todos os filmes que você fez. Você poderia desenvolver um pouco o que há por trás de sua frase e essas forte referência no seu trabalho?
Meus filmes normalmente contêm alusões ou "citações" de muitos filmes — eu irei parcialmente refazer um filme, ou recriar uma cena de outro filme, ou roubar um diálogo. Eu vejo mais como uma colagem de referências, que são "queerizadas", re-imaginadas em um contexto queer. Ou eu torno o subtexto homossexual de um filme, explícito. Em meus primeiros filmes especialmente, eu emprestava falas de diálogos, ou referências de diálogos, de outros filme. Em  The Raspberry Reich, por exemplo, Gudrun joga um jogo de cartas chamado "Beije o Refém", que é uma referência a Virgínia Woolf. As últimas falas em off de G.B. Jones em meu primeiro filme,  No Skin Off My Ass, são diretamente roubadas das últimas falas de voz em off de Jane Fonda em  Klute. É uma hiper-referencialidade que tanto coloca em primeiro plano a história cinematográfica como reconfigura tropos e cenários de filmes "héteros" em um contexto queer como estratégia política.

Você já esteve no Brasil. Quais são suas principais memórias, percepções e sentimentos sobre o país?
Eu estive no Brasil algumas boas vezes, tendo visitado Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Salvador e Porto Alegre ao longo dos anos. Claro que cada cidade é bastante diferente, mas em geral eu desfruto muitos os brasileiros e o país em si é muito bonito. Eu gosto da forte energia sexual e também aprecio muito a tradição intelectual.

Você tem um marido cubano e recentemente o mundo perdeu Fidel Castro. Quais são suas visões sobre o comunismo em 2017?
Comunismo — em oposição ao socialismo — nunca foi aplicado com sucesso em nenhum país, e houveram numerosas tentativas desastrosas. Mas o capitalismo avançado obviamente não está funcionando também, especialmente nesta encarnação neoliberal atual. Os países de aprendizado socialista tendem a funcionar melhor nos termos de igualdade e justiça social, advogando para os menos privilegiados. Eu não participo da política diretamente — apenas através de minha arte —, mas se eu tivesse que nomear um sistema com o qual mais tenho afinidade, seria o anarco-sindicalismo.

Para terminar, Bruce, algumas palavras de conselho para jovem cineastas que querem fazer filmes queercore e pornôs alternativos?
A primeira regra do cinema é faça filmes! Não se preocupe com orçamento, ou quanto profissional vai parecer. Desenvolva sua própria estética e faça filmes pessoais. Tenha um ponto de vista forte. Pornô não é bastante. Pornografia não é necessariamente radical em si e por si. Tudo depende do contexto. Faça pornôs provocadores, pornôs políticos, pornôs que desafiem o status quo tanto da sociedade como no establishment pornográfico mesmo. Seja único, seja individualista, seja pós-Freudiano, e seja livre!

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