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O Natal foi-se mas o mau gosto nem por isso

Cuidado com os clichés.

Ainda que o Natal já tenha oficialmente passado, vale a pena continuar protegido. Não tanto da chuva e do frio, mas de um flagelo sazonal ainda maior: os clichés. E é certo que não existe melhor altura do ano para estar em contacto directo com eles. Os constrangedores jantares de empresa ou as mensagens padrão de boas festas fazem parte desse universo, apenas completo com a inclusão dos tradicionais filmes da época. Porque, por estes dias, é demasiado apetecível não ficar a enfardar à frente da televisão, preparei uma lista (sim, também é época delas) com o que merece ser esquecido e o que julgamos ser recordado em matéria de filmografia sazonal. Podem ir preparando as pipocas que nós esperamos.

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Ora, nesta época, programação televisiva que se preze merece ter, pelo menos, duas presenças obrigatórias: a reposição do

Sozinho em Casa

 e uma selecção de filmes da Disney que ninguém quer saber. Em qualquer dos casos, este ano não foi diferente e até fomos, uma vez mais, confrontados com outro fenómeno recente e bem mais wtf que tudo o resto: o circo. Ok, a família junta-se, criam-se momentos de casa cheia de novos e velhos do clã. Como tal, até se entende uma aposta mais tradicional, mas, que diabo, circo?

Catarina, para quando um disfarce de Mãe Natal?

Alguma da cinematografia natalícia até tem feito algum esforço para sacudir o expectável e, por consequência, a dosagem de personagens baseadas em animais falantes ou crianças emdiabradas.

Bad Santa

 e

Black Christmas

 são dois exemplos que optam por vias menos óbvias e fugir dessa forma ao conteúdo delico-doce dos demais. O primeiro pelo tom sarcástico, o segundo pelo registo de terror pipoca; todavia ambos acabaram por ficar na história enquanto tentativas frustradas ao que se propunham. Claro que nada bate a boa ideia ter Arnold Schwarzenegger ou Hulk Hogan (em

Santa Muscles

) como personagens centrais de filmes de Natal. Algo por si só seriamente difícil de pegar, por variadíssimas razões, mas que aconteceu. Por cá, se a ideia tivesse pernas — e depois de

Pesadelo Cor-de-Rosa

, já tudo pode acontecer — o mais próximo seria ter o Tarzan Taborda enquanto super-avô de um puto órfão e renegado por todos.

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"Santa Muscles", a sério?

Contudo, não sejamos injustos; afinal nem tudo é de má memória e por isso mesmo vamos sublinhar alguns bons exemplos. E os clássicos são sempre uma boa maneira de descortinar essa face. Original de 1946, quando ainda o cinema tinha duas cores, Frank Capra criou uma obra-prima no género chamada

It's A Wonderful Life

. O história base é original e ousada, a narrativa surreal e tocante. Um conto feérico entre um homem comum desiludido com a vida e um anjo que transforma a sua perspectiva de vida. Assim dito, o tema pode parecer recorrente e até próximo da pastelice de

Cidade dos Anjos

, mas é necessário contextualizá-lo no seu tempo e entrar a fundo na mensagem que nos tem a oferecer. Obra-prima, essencial na época e não só.

Não sendo exactamente um filme de Natal,

Gravity Was Everywhere Back Then

(que passou despercebido no IndieLisboa, há uns anos atrás), é uma daquelas histórias brutalmente humanas que se adaptaria bastante bem a uma programação televisiva de qualidade (ui, exigências). Visualmente fascinante, a história assume-se como uma real lição de beleza facilmente adaptada às necessidades de uma família reunida na sala faminta por um filme de tom triste, meio esperançoso. Já agora, e a título de curiosidade,

Hadacol Christmas

 é uma curta-metragem animada bem fixe, e do mesmo realizador, que conta a vida refundida do Pai Natal em cerca de 11 minutos musicados pelos brilhantes Califone.

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Por outro lado, e longe de figurar numa lista imaginária de bons filmes de Natal, o registo de terror pouco saturado de

Jack Frost

 vale pelo conceito da personagem principal. Imagine-se: um serial killer que reencarna na pele de um boneco de neve. Sim, há que reconhecer a frescura rebuscada desta identidade que em todo o caso é incapaz de sustentar o filme, proporcionando um ou outro momento de diversão descartável, perfeitamente adaptável à época. Não deslumbra ninguém, muito menos assusta, mas assume-se como um exercício de Natal curioso.

Na liga de honra de séries, o

The Office

é historicamente um sério caso de ovação e Ricky Gervais uma espécie de Deus-Todo-Poderoso. Entre muitos episódeos inesquecíveis, o especial de Natal terá sido, ainda hoje, aquele mais emblemático. Nada poderia estar mais errado e a genialidade vai espreitando a cada momento. Tão ou mais incrível é igualmente o episódeo de

Seinfeld

 em que George Costanza decide celebrar o seu "Festivus". Daquelas cenas que, anos depois, ainda nos assalta a memória com um sorriso espetado na cara.

Claro que há outros filmes que mereciam a nossa atenção mas que ficaram de fora (listas, lembram-se?). Mas talvez até seja melhor assim porque esta é a semana para confraternizar entre família e amigos e não para assistir a filmes manhosos (ou pior: estar ligado no no Facebook a actualizar status que ninguém vai ler e jogar poker online com um desconhecido qualquer).