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ceca

Hirofumi Masuda veio a Guimarães para montar a sua exposição

Nós mandamos o gajo para a cozinha.

Na última semana, Guimarães foi invadida por japoneses, todos eles artistas. Vieram para a Capital da Cultura e não foi para ouvir o José Carreras, que também esteve a cantarolar por estas bandas na mesma altura… Muitos deles vieram participar no “Guimarães noc noc”. Eram quase 30 e expuseram nos mais variados espaços: de casas privadas — que abriram a porta nesse fim-de-semana — a espaços mais institucionais (como a Plataforma das Artes ou a Extensão do Museu Alberto Sampaio), passando por outros dificilmente definíveis como um armazém de limpezas da Câmara Municipal de Guimarães ou outros mais históricos, como a Torre dos Almadas, sede das festas Nicolinas. Ao contrário do que é costume, não andavam em grupo, não traziam a máquina fotográfica em riste, nem se riam de tudo à sua volta. Passaram a semana concentrados a preparar — com rigor oriental — a sua própria exposição para o evento. Um deles era Hirofumi Masuda, um gajo alto e magrinho, de olhos em bico, descontraído e bem-disposto. Com ele percebemos que há dois tipos de japoneses: os que nunca saíram do Japão e os outros. Ele era um dos outros. Mal chegou a Guimarães, perguntou se era possível ter uma hora de antena numa rádio local, para fazer um programa onde entrevistasse artistas que quisessem aparecer e falar do seu trabalho. Foi possível, para seu espanto. Chamou ao programa “noc noc on the radio” e convidou quem ia encontrando pela cidade. E desta forma, sábado passado, entre as 21 e as 22 horas, quem sintonizasse esta estação de rádio — uma das mais populares do norte — à procura do último êxito da Romana ou da secção de discos pedidos, deu de caras com um programa falado em português, japonês e inglês, com pouco nexo e disciplina, onde se falou de arte, Guimarães, política e todas aquelas coisas interessantes que a malta culta fala. Até houve um pedido de casamento em directo. Nada disto chega aos pés das produções musicais da família Carreira, mas foi um momento de performance memorável, que incluiu artistas e gente que passava pela rua e que acabou por ser arrastada para o estúdio. A arte é assim, tão inesperada como a própria vida. O trabalho deste artista nipónico é muito bom e, em parte dele, revela ser um amante da cozinha. Vê na comida e nos rituais ligados ao que comemos, um reflexo de quem somos e como funcionamos. Como por exemplo, quando acompanha várias famílias – em Yokohama - e as fotografa enquanto cozinham pratos típicos. Ou quando constrói uma geringonça, onde vende comida cozinhada por si. Sabendo isto, claro, passámos a semana a dar-lhe de comer uma série de pratos tipicamente portugueses (bacalhau com broa, tripas à moda do Porto e língua estufada). Em cada refeição explicámos o que era cada coisa, temendo que a qualquer momento vomitasse ao saber que comia uma língua viscosa de vaca ou as tripas de um porco. Mas não. Adorou tudo o que lhe demos, pediu para comer os restos dos nossos pratos e chorou por mais. Como não há almoços grátis, na noite anterior à sua partida, convidámo-lo para nos cozinhar uma refeição. O gajo foi ao supermercado, trouxe o que tinha a trazer (faltou o abacate para o molho) e o resultado foi uma refeição deliciosa milimetricamente apresentada. Daquelas onde até dá pena meter o garfo. Incluía carne, beringela, queijo, coentros, cenouras e outras coisas. Mas o trabalho que apresentou por cá não envolve comida. Na melhor das hipóteses fala da falta dela, a médio prazo. VICE: Estiveste a mostrar trabalho este fim-de-semana, no “Guimarães noc noc”. Abordas um tema que preocupa muita gente, principalmente no Japão…
Hirofumi Masuda: Sim, trouxe dois trabalhos do Japão. Um vídeo de Osaka e Ishinomaki e uma escultura de luz. Esta última refere que não precisamos de energia nuclear na nossa vida. Há outras formas, principalmente porque a nuclear é muito perigosa. Tal como vimos no último 11 de Março no Japão, com o desastre que aconteceu e o que sucedeu às pessoas e às cidades afetadas. Gostava que parassem de a usar. O vídeo fala do mesmo. Ambos os projetos acabam por se complementar. O que aconteceu a Guimarães esta semana para ser invadida desta forma por japoneses?
Fomos convidados pela organização do Guimarães noc noc. Somos quase 30 e viemos mostrar o nosso trabalho. É uma invasão pacífica. E como correu? Já tinhas estado em Portugal?
Não, é a minha primeira vez em Guimarães e em Portugal. Antes de vir para cá tinha uma ideia disto: que seria pequeno, tranquilo, talvez um pouco escuro. Mas enganei-me completamente, a cidade é linda e incrível. A arquitectura é muito histórica, as pessoas são simpáticas e aconchegantes. Receberam-nos muito bem e senti-me em casa. Foi um fim-de-semana de festa e não queria ir-me embora. Portanto, foste bem recebido pelo pessoal de cá…
Sim, acho que foi um pouco estranho para eles, ver quase 30 japoneses a correr de um lado para outro a preparar os trabalhos. Pareciam surpreendidos, mas sempre muito simpáticos. Como foi o teu dia-a-dia por cá?

Para além do trabalho, adorava os cafés no Largo da Oliveira, no Coconuts. A dona não fala muito inglês, mas acabámos por conseguir comunicar correctamente. Íamos lá todos os dias de manhã, e ao almoço, beber um café e ela já sabe do que eu gosto. Já nem preciso pedir: café duplo. Vai ser duro viver sem esse momento. O teu trabalho esteve na Extensão Alberto Sampaio. Que reacções tiveste do pessoal que lá passou?
As pessoas diziam que concordavam com tudo aquilo. Estás quase de partida… o que levas na bagagem?
Sim, entretanto vou até Amesterdão e depois regresso a Tóquio. Levo saudades, momentos espectaculares, gente boa onda… e uma garrafa de vinho do Porto. Para o ano quero regressar. Espero conseguir. E a pergunta mais importante de todas: o que estás a cozinhar?
Ora bem, é uma receita inventada. Vi-a numa revista do avião, quando fiz escala em Londres, e adaptei-a e recriei-a. Será uma surpresa. Espero que gostem. Gostámos e muito. Depois disto, as refeições de cereais com leite nunca mais serão as mesmas.