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Relações poderosas e realistas ajudam a conduzir 'Assassin's Creed Origins'

Uma mãe, um pai e um filho tornam 'Origins' tão memorável quanto as mudanças no combate do jogo.
Imagem: Ubisoft/Reprodução.

Matéria originalmente publicada no Waypoint.

“Liberdade não é dada, é tomada”, diz um personagem no fim de Assassin's Creed Origins, pontuando a tese definitiva do jogo sobre a dinâmica entre os poderosos e os sem poder. Isso tem significado porque os homens e mulheres que têm essa crença passaram por uma jornada que só é convincente porque os personagens no centro dela — uma mãe, um pai, um filho — são levados a acreditar nisso de maneira crível.

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O Escorpião. O Lagarto. A Garça. Esses, entre outros, são homens mascarados incumbidos de matar outras pessoas em Origins, marcadores institucionais de um sistema corrupto apodrecendo o Egito por dentro. Aya. Bayek. Khemu. São esses os nomes que importam em Origins.

Você mata todo tipo de gente, alguns mascarados e muitos não, em todo Assassin's Creed, mas quase 10 jogos depois, Origins dá aos jogadores a razão mais convincente para usar uma adaga escondida todas as vezes. Dessa vez, além do prazer de explorar um grande mundo lindíssimo, há uma força emocional guiando suas ações.

Origins, um jogo que deixa de lado a guilda histórica de assassinos treinados, é em grande parte desconectado da mitologia meio tonta e complicada em que a série se enroscou para evitar chegar num final. Um evento que mudou o mundo ocorreu no Assassin's Creed III de 2012, o tipo de história que indica que aquelas consequências precisam ser exploradas imediatamente, mas a Ubisoft basicamente ignorou isso como se nunca tivesse acontecido. Acontece que Origins é melhor por causa disso. (Esse aspecto me lembrou a abordagem da Capcom para Resident Evil 7, colocando um jogo numa linha do tempo e num mundo familiares, enquanto fazia o melhor possível para evitar ter que lidar com escolhas do passado.)

Origins começa nos apresentando aos personagens principais, Bayek de Siwa, e seu filho, Khemu. Bayek é um Medjay, uma ordem que vem desaparecendo no Egito e que historicamente atuava, dependendo da época, como uma pseudo força policial. É um jeito conveniente de explicar por que Bayek é incumbido com todo tipo de missão esquisita no Egito, e mais importante, estabelece uma razão crível para explicar por que ele parou de ouvir todo mundo: seu trabalho (e seu temperamento) é ajudar pessoas.

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Logo, Bayek e Khemu são sequestrados. Algo misterioso e poderoso — aquela típica conversinha deus ex machina mágica de todo Assassin's Creed — está escondido embaixo de Siwa, e os homens estão convencidos de que Bayek sabe como acessar isso. Ele não sabe, mas os sequestradores não se importam. Eles esfaqueiam e matam Khemu. O filho único de Bayek se foi, e do nada, sua vida perde o sentido; Khemu era um farol, uma razão para ter esperança numa região brutal.

Mas nem tudo está perdido; Bayek ainda tem Aya, e na falta de Khemu, o relacionamento deles se torna uma fundação para o que vem depois, algo a que se agarrar. Já joguei muitos jogos que tentam retratar romance, mas poucos fizeram um caso tão convincente como o de Bayek e Aya. É uma coisa dizer que duas pessoas se amam, outra é realmente nos fazer acreditar nisso, e como Origins faz isso é especialmente impressionante. Em parte por causa da dublagem natural de Abubakar Salim (Bayek) e Alix Wilton Regan (Aya); em parte por causa do roteiro cheio de nuances, que conta com humor e piadas internas para mostrar um relacionamento, não apenas retratos de afeição e sexo; em parte por causa de como a animação foi feita, com os olhos de Bayek seguindo Aya, com um sorriso de compreensão no rosto, ou Aya batendo de leve no braço de Bayek, enquanto ela relembra uma ideia dele. A relação deles parece viva, no passado e no presente.

Um relacionamento muda para sempre quando você introduz um filho na equação; não é mais o mesmo relacionamento — muitas vezes para melhor, às vezes para pior. Mas quando uma criança se torna o centro da sua vida, é impossível imaginar a vida sem ela. No caso de Origins, Aya e Bayek são forçados nessa situação trágica. Não fica claro se eles podem preencher o vazio nem se, como eles descobrem em discussões e brigas, eles podem retornar para a vida pré-Khemu. O amor que eles transferiram para Khemu não pode ser facilmente transplantado para o “novo” amor entre os dois. Na falta dele, algo (qualquer coisa) precisa preencher o vazio.

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Não é a primeira vez que Assassin's Creed usa a morte de um membro da família para motivar o protagonista, claro; em Assassin's Creed II, a morte do pai de Ezio desencadeia suas ações. Mas em todos os outros casos, uma estrutura preexistente guiava a justiça sangrenta: a guilda dos assassinos. Não tem nada assim em Origins, obrigando Bayek e a esposa, Aya, a acidentalmente construírem uma organização que lute por aqueles que não tem poder, começando com eles mesmos. A busca deles é sombria e às vezes equivocada, os obrigando a se aliar e integrar estruturas de poder já existente, esperando que um passo em falso para frente seja melhor que dois passos para trás. Às vezes eles escolhem o que é errado, mas sempre em busca de justiça pessoal e evitar que a tragédia deles aconteça com outros.

Matar um homem (ou mulher, às vezes) com poder só leva a outro homem com poder, mas nem perto de encontrar a pessoa que matou seu filho inocente. Às vezes eles elevam pessoas que trocaram a dedicação deles em encontrar o assassino do filho, só para deixá-los para trás. A lição definitiva — “liberdade não é dada, é tomada” — acaba sendo repetida para eles pessoalmente. Mesmo enquanto o jogo se estende pela 40ª hora, muito depois que deveria ter acabado, Origins tem momentos suficientes entre Aya e Bayek para te ancorar emocionalmente em ver a história deles até o fim.

Origins também infunde de maneira inteligente seu mundo aberto com Aya, Bayek e Khemu. Logo fiquei cansado de encontrar Outro Posto Comercial Com um Baú do Tesouro, mas eu ficava deliciado em encontrar um punhado de marcas astrológicas em pedras, o que dá ao jogador um a chance de resolver um quebra-cabeça enquanto ouve uma conversa entre Khemu e Bayek. Às vezes eu terminava o quebra-cabeça antes da conversa acabar, me obrigado a segurar a solução para terminar de ouvir o que os dois tinham a dizer. E essas conversas partiam meu coração todas as vezes.

Já escrevi muitas vezes sobre quanto lixo eles usam para preencher mundos abertos, e mesmo que Origins tenha muito disso, um punhado de marcadores apresentavam o tipo de enriquecimento de personagem que eu tanto desejava. Me dê motivos para procurar o que vocês esconderam, desenvolvedores.

Sem Aya, Bayek e Khemu, Origins ainda seria um jogo muito bom de Assassin's Creed. Ele faz as mudanças e simplificações tão necessárias para a interface, acrescenta profundidade suficiente ao combate para manter as coisas interessantes além da primeira luta, e introduz um mundo verdadeiramente novo para explorar. E ainda assim, o que eleva Origins acima de muitos de seus predecessores são seus personagens. Vou continuar pensando neles muito depois de deixar o Egito.

Espero que vocês encontrem paz, Aya e Bayek. Vejo você nos campos de junco, Khemu.

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