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Comida

Fizemos cinco pratos no micro-ondas com um livro de receitas especializado

Algumas das receitas faziam, na falta de uma expressão melhor, crescer água na boca.

Quando eu era miúda os micro-ondas serviam para fazer aqueles pratos que não merecem talheres de verdade. Sobras de comida chinesa. Pipocas. Inclusive os pratos congelados, tipo pizza ou lasagna, eram feitos no forno. Mais tarde, na faculdade, uma colega de quarto disse-me que a sua maneira preferida de fazer ovos mexidos era no micro-ondas. Torci o nariz. Eu não precisava daquilo: eu sabia cozinhar de verdade. Os micro-ondas são patéticos.

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Foi nessa altura que descobri um livro de receitas de 1979: Adventures in Microwave Cooking. Publicado pela falecida Montgomery Ward. Este era um livro que recriava receitas extravagantes, como peixe assado e molho béchamel, tudo no micro-ondas. E algumas das receitas faziam, na falta de uma expressão melhor, crescer água na boca.

Mas porque é que vamos cozinhar no micro-ondas, quando podemos usar o forno ou o fogão? Como o Adventures in Microwave Cooking sugere na introdução, é uma questão de conveniência: "Cozinhar no micro-ondas dá-te a oportunidade de mostrar as tuas habilidades criativas na cozinha, sem ter de passar um dia inteiro colado a um fogão". O micro-ondas talvez seja a invenção que mais liberou as mulheres, além disso, este utensílio doméstico ofereceu aos universitários uma maneira viável de se alimentar.

Ainda assim, cozinhar no micro-ondas não é para todos. É complicado encaixar os pratos lá dentro, e materiais que conduzem muito calor, como o metal, são proibidos. É complicado. Os ingredientes espirram. E é muito importante ser preciso com o tempo: se deixas qualquer coisa no micro-ondas, alguns segundos a mais ou a menos, a comida sai empapada, a parecer borracha, ou explodirá, simplesmente. Mas se conseguires acertar nesses pontos, a tua vida será muito mais fácil e eficiente.

É estranho o micro-ondas ter saído de moda. No nosso mundo acelerado e obcecado pela gratificação instantânea, um aparato que prepara o jantar em cinco minutos, deveria ser um tesouro. No entanto, por qualquer razão, os anos 2000 desistiram dele. Numa tentativa de re-descobrir o mundo mágico deste equipamento, muitas vezes esquecido, abrimos o Adventures in Microwave Cooking e aceitámos o desafio de criar uma refeição, de cinco pratos, usando apenas e só o micro-ondas. Se ainda não sabes o que cozinhar na noite de Natal, talvez tenhamos a solução.

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Ovos Beneditinos

Bacon: dois minutos na potência alta

Ovos poché: dois minutos na potência baixa.

Fazer o bacon no micro-ondas é fácil. Fazer ovos poché, não. Normalmente, conseguir este tipo de cocção envolve parti-lo delicadamente numa panela com água a ferver e cozinhá-lo com muito, mas muito cuidado, para que a gema continue mole. Para reproduzi-lo no micro-ondas: aquecemos água num recipiente, quase até ferver. Partimos o ovo numa tigela e depois colocámo-lo em água quente, de forma a que permanecesse intacto. Cozinhámos o ovo numa tigela com água, fechada com película aderente, durante uns minutos, e a baixa temperatura. Quando saiu tinha uma forma perfeita, mas a gema estava demasiado cozida.

Fazer o molho holandês foi mais fácil: derretemos a manteiga no micro-ondas, que depois batemos com a clara do ovo, sumo de limão e sal. Montámos um muffin inglês, com o bacon e o ovo poché (demasiado cozido), cobrimos tudo com o molho holandês caseiro e temperámos com alecrim fresco. Apesar de tudo, sabia mesmo a ovos beneditinos, e o aspecto era um primor – o tipo de pequeno almoço que podes oferecer àquele one night stand, já que só demora alguns minutos a preparar.

Bife

Carne cozinhada na potência alta durante sete minutos.

A ideia de preparar carne no micro-ondas fez-me revolver as entranhas, um pouco sem saber porquê. O Adventures in Microwave Cooking garante que, "desde um prato chique de cordeiro até uma carne estufada, tudo pode ser preparado de modo rápido e fácil no teu micro-ondas". A único senão é que, como no micro-ondas as coisas se cozinham muito rápido, a carne pode não ficar com o aspecto esperado. Se a carne sair do micro-ondas com uma cor relativamente pálida, o livro recomenda usar "um molho castanho, molho de soja ou uma mistura pronta para molho" para dar-lhe o tom certo. Esta recomendação não tranquilizou o meu estômago. Mas resolvemos tentar. Pusémos uma camada de manteiga derretida por cima do bife antes de colocá-lo no micro-ondas, durante exactamente sete minutos, como recomendam numa tabela de peso/minutos que vem no livro. O nosso bife saiu suficientemente castanho, apesar do tom meio acinzentado. Parecia estar entre au point e bem passada, mas ficou dura e pastilha elástica. Cobrimos o bife cru com um papel próprio para forno antes de colocá-lo no micro-ondas, mas mesmo assim espirrou um resíduo ensanguentado.

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Souflé de Queijo

Vinte e cinco minutos na potência baixa.

O souflé já é um prato difícil de se preparar num forno convencional: é preciso bater as claras até conseguir a consistência certa. Depois, misturar gentilmente com o resto dos ingredientes, para não perder o ar. O souflé tem de ser cozinhado na temperatura exacta, durante o tempo exacto, com a arquitectura exacta, para sair com aquela aparência de nuvem.

O nosso souflé foi construído a partir de queijo derretido, gema de ovo e manteiga (tudo aquecido no micro-ondas, e batido até ficar homogéneo). As claras em castelo foram batidas à mão, até formar picos firmes. Misturámos gentilmente o preparado anterior com as claras, e derramámos tudo em várias tigelinhas pequenas, que colocámos, tapadas, dentro do micro-ondas, durante 25 minutos. O resultado foi uma massa seca com uma textura emborrachada. O queijo, em vez de ser subtil, dominou todos os sabores. Demos ao souflé todas as oportunidades para crescer no micro-ondas, mas ele não cresceu.

Peixe

Cozinhar na potência média durante sete minutos.

A receita de peixe chamava-se exactamente "peixe inteiro". O livro não especificava que variedade de peixe usar, mas havia uma ilustração ao lado da receita, então levámos o livro à peixaria e pedimos ao vendedor um peixe que se parecesse com o do desenho.

Ele tirou-lhe as tripas e limpou-o. Colocámos o bicho inteiro, coberto com papel de forno, no micro-ondas. As instruções recomendavam cobrir a cabeça e o rabo do peixe com papel de alumínio – uma técnica usada para impedir que certas partes se queimassem. Tivemos medo de pôr papel de alumínio no micro-ondas, por isso saltámos essa parte. Quando tirámos o peixe, tinha os olhos esbranquiçados, como se tivesse visto coisas horríveis lá dentro.

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Fondant de Chocolate

Sete minutos na potência alta.

Os micro-ondas e os bolos são amigos de longa data. O fenómeno do "bolo feito numa caneca" revitalizou a proposta, fornecendo bolos individuais em questão de minutos. E que problema é que tem se ficar sempre cru e com uma consistência estranha? Prepara-se rapidamente e satisfaz as nossas necessidades.

O bolo de micro-ondas foi feito com barritas de chocolate derretido, misturado com manteiga, farinha, açúcar e ovos. Mais ou menos a mesma receita do bolo de chocolate tradicional. Derramámos a massa num recipiente de vidro e colocámo-lo no micro-ondas. Deixámo-lo aí cerca de sete minutos. O bolo saiu esponjoso e seco – nada a ver com o "molhadinho" que se esperava – e esfarelou-se todo quando tentámos cortá-lo. O gosto não era péssimo, mas faltava a calda de chocolate que se espera de um fondant. Decorámo-lo com framboesas frescas, o que foi como colocar um lindo jardim no meio de Chernobil.

O veredicto?

Os pratos feitos no micro-ondas são tão apetitosos como a comida de plástico das crianças. Alguns até pareciam decentes – e nenhum era intragável –, mas as texturas não eram as correctas, e quase todos os pratos estavam secos, acinzentados, ou pareciam borracha. Uma refeição de micro-ondas, apesar de conveniente, não substitui uma comida de qualidade, preparada no fogão ou no forno. Podem chamar-me snob, mas prefiro o meu forno velho. Usarei o micro-ondas , mas só para aquecer aquela comida chinesa, que sobrou de ontem.

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