FYI.

This story is over 5 years old.

viagem

Notas de um Cara na Líbia IV - Fazendo um Churras em Ben Jawad

Estou descobrindo que jornalismo de guerra é muito parecido com surfar: 99% do tempo se está remando em direção ao mar, 1% do tempo você está em uma onda que poderia esmagá-lo.

Estou descobrindo que jornalismo de guerra é muito parecido com surfar: 99% do tempo se está remando em direção ao mar, 1% do tempo você está em uma onda que poderia esmagá-lo. O último boato era de que Sirte, cidade natal de Khadafi, tinha acabado de ser dominada. Os jornalistas correram para fora do hotel como um rebanho. Tudo parecia possível, o que me levou a finalmente pedir uma jaqueta e um capacete de proteção. Curiosamente, na maioria das vezes são os jornalistas de televisão que estão usando proteção. Talvez os caras de jornal e revistas estão apenas à procura de uma morte rápida, em vez de encarar a decadência da sua indústria, ou talvez os caras da TV usam toda aquela parafernália para ter um efeito dramático quando eles aparecem timidamente na frente da câmera. O jornalista mais velho que estava no meu grupo ofereceu meu equipamento de proteção ao motorista, porque é quase sempre a pessoa que está orientando os repórteres que é quem leva um tiro.

Publicidade

Meu amigo que tem me acompanhado durante toda a viagem não se juntou a nós hoje. Ele arrumou suas coisas, pegou o carro, e partiu para um desses recantos de meditação de merda, e depois voltou. "Não", disse ele, e sacudiu a cabeça enquanto puxava sua bagagem do porta-malas do carro. "É por isso que disse para fazer as minhas malas por último." O medo lhe pegou, e lhe pegou de jeito. Ele ficava acordado a maior parte da noite, tentando descobrir a razão para o aumento de tiros e explosões em Benghazi. Provavelmente não tinha uma razão, mas isso não ajudava muito para consolá-lo.

Dirigimos até depois de Ajdabiya, antes de perceber que estávamos com pouca gasolina, então voltamos e entramos na fila atrás de uma bomba de combustível. A gasolina lá é de graça; você apenas tem que encontrar um lugar onde não se tem que tirar combustível de um poço na mão. Completamos o tanque e finalmente seguimos nosso caminho. Era um dia ensolarado. Havia milhares de caras vestidos em uniformes camuflados e muitos adolescentes sorrindo e fazendo símbolos da paz com as mãos.

Chegamos ao nosso destino, o hotel El Fadeel, em Ras Lanuf. Nosso produtor nos disse que tinha ficado lá da última vez que os rebeldes haviam dominado tudo. Foi uma bagunça: vidros quebrados, pichações m árabe nas paredes, e um monte de homens uniformizados com armas andando por lá. Seguimos o caminho até o segundo andar e ficamos em um quarto com vista para o oceano. Não tinha eletricidade, mas os banheiros funcionavam, graças a Deus.

Publicidade

Na saída encontramos um cara de 23 anos chamado Mohammed, que estava dando saída do hotel. Ele era de São Francisco, mas seu pai era egípcio e sua mãe era da Líbia. Mohammed nos contou que quando as coisas começaram a ferver na Líbia ele vendeu seu carro, conseguiu uns contatos da Associated Press e da CNN, e correu para pegar um voo com destino à terra natal de sua mãe. Também disse que ele e os caras franceses com quem ele estava trabalhando (que eram, de acordo com Mohammed, um bando de bostas) tinham entrado de cabeça em uma emboscada antes. Eles foram verificar os tais rumores sobre Sirte em Nafoora, que é um pouco depois de Ben Jawad. Quando eles se aproximaram da cidade viram muitas bandeiras verdes (o que significa que há forças pró-Gaddafi pela região), e então atiraram nos caras pelos dois lados, com foguetes, projéteis e morteiros. Eles pularam do carro e correram. Quando voltaram para o carro depois, as janelas haviam sido quebradas e estavam cheias de buracos de bala. A história do Mohammed não foi o suficiente para nos deter; decidimos avançar e parar um pouco antes de onde ele tinha encontrado problemas.

Mais tarde, chegamos ao que parecia ser uma espécie de posto de controle perto do hospital de Ben Jawad. Na verdade era um churrasco feito pelos rebeldes. Como sempre, armas estavam sendo disparadas aleatória e constantemente. Conversamos com mais pessoas que tinham caído em armadilhas. Rebeldes com a cara limpa gritavam "Allahu Akbar" para a câmera. Uma criança em um carro passou reto pelo posto de controle e estacionou na terra ao lado da estrada. Tão logo ele saiu do carro, outro garoto que estava comandando o posto foi em direção dele às pressas. Foi como uma treta depois da escola, exceto que todos ali tinham uma AK-47. Alguns tiros foram disparados e pessoas ficaram se empurrando. Era um show falso dos rebeldes. Tirei algumas fotos e fiquei vendo um ônibus em chamas. Não tinha idéia de como ele havia sido incendiado, ou por quem, e não me importava. O calor me fazia sentir bem e as chamas pulavam em uma cor laranja agradável.

Publicidade

Saímos logo depois da treta e quando voltamos ao hotel, as pessoas estavam indo embora. Estava escuro e os rebeldes estavam agindo como hooligans. Vi um cara sair do hotel, segurando uma televisão. Um clima muito ruim pairava sobre nossos colegas jornalistas conforme eles iam saindo. Os jornalistas mais velhos nos aconselharam a sair. Foi quando percebemos que não tínhamos combustível suficiente para voltar para Ajdabiya. Erro de principiante.

Havíamos trazido nossas mochilas, biscoitos e água para o carro, mas depois de perceber que nosso tanque de combustível estava quase vazio, fomos forçados a voltar pro nosso quarto. Um rebelde ao lado da porta estava segurando uma galinha no meio das pernas. O bicho estava soltando os horríveis sons da morte antes de ter sua garganta cortada. O sangue escorria pelo hall de entrada até a calçada. Não sei por que ele não poderia ter dado alguns passos pra frente e ter então feito aquilo em outro lugar, fora da minha vista.

Uma fotógrafa me falou sobre a fraca frente de batalha e sobre todos aqueles caipiras com fuzis. Alguns deles queriam fumar haxixe com os jornalistas mais velhos. A fotógrafa pensava que eles queriam fazer filhos com ela. Então, alguém disparou aqueles flares pro céu, que pareciam estrelas cadentes quando arqueavam para cima. E depois teve mais gritos de macho. Dentro ouvi vidros sendo quebrados por alguns dos falsos rebeldes. A treta estava ficando feia.

Fiquei um pouco assustado e liguei pro meu irmão usando um telefone via satélite. Ele estava no trabalho. Conversamos um pouco, ele rezou por mim, desliguei, e depois me senti sob um manto escuro e de repente senti o medo chegando até as minhas pernas. Disse pra mim mesmo que estava tudo na minha cabeça e que Jesus estava comigo. Voltei para o carro, lutando contra o desejo de bater no motorista por estar tão calmo e sufocar a jornalista mais velha que reclamava por não ter mandado seu relatório antes.

Felizmente não fiz nada, e ela eventualmente conseguiu um pouco de gasolina pra gente. Pegamos nossas coisas no quarto, de novo, e saímos correndo de lá. Estávamos há horas de distância de qualquer tipo de civilização, mas por alguma razão, o medo desapareceu e percebi que estava sonhando com aquele hambúrguer que tinha comido quando estava na estrada para Benghazi. Não era lá um hambúrguer muito bom, mas isso não importava.

Passamos por um grande incêndio na beira da estrada que parecia estar vindo direto da terra. As chamas brilhavam em laranja e era bonito, e os rebeldes estavam enrolados em cobertores e, surpreendentemente, não estavam atirando descontroladamente. Aconteça o que acontecer, não vamos ir para a frente de batalha amanhã, mas vamos tentar novamente em breve.