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Putin Colocou o Richard Branson Russo na Cadeia

A história de Khodorkovsky é contada num novo documentário. Dirigido pelo cineasta alemão Cyril Tuschi, o filme mostra uma entrevista com Khodorkovsky direto da prisão.

Nos anos 90, o Mikhail Khodorkovsky era o oligarca dos oligarcas. O cérebro por trás da gigante do petróleo siberiana Yukos e um dos homens mais ricos do mundo. Sim, ele era o verdadeiro Richard Branson russo. Mas, assim como Branson chocou os políticos britânicos defendendo o fim da guerra às drogas, o Khodorkovsky também não mostrou o respeito devido às estruturas de poder do seu país. Ele começou a apoiar a oposição e falar sobre a abertura da Rússia, ele fez a Yukos mais transparente para atrair investidores ocidentais e cortejou a família Bush. Putin não ia aguentar esse tipo de palhaçada, e Khodorkovsky por sua vez não ia parar de cavar sua própria cova.

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Em outubro de 2003, ele e alguns associados foram mandados para a prisão por sonegação fiscal. Sua sentença acaba de ser estendida e ele deve continuar apodrecendo na Sibéria até 2017, onde sua única distração é tramar seu retorno e escrever editoriais para o Guardian. Sua história, com esse drama todo, é contada num novo documentário chamado, simplesmente, Khodorkovsky. Dirigido pelo cineasta alemão Cyril Tuschi, o filme mostra uma entrevista com Khodorkovsky direto da prisão.

Conversei com Cyril para saber mais sobre isso.

VICE: Oi, Cyril. Como o Khodorkovsky está conseguindo colocar seus editoriais em domínio público?

Cyril Tuschi: Oi, Oscar. Bom, há canais realmente muito bons. Seu principal advogado mora em Londres. Nos primeiros dois anos em que tentei entrar em contato com ele, eu escrevia cartas normais que acabavam na lata de lixo em algum lugar. Nunca tive resposta. Então descobri que todos os seus editoriais são ditados para seus advogados através do vidro da cadeia durante suas reuniões. Desde sua prisão, a única entrevista real que ele deu foi pra mim. O resto — seus artigos e tal — foram conduzidos através de seus advogados.

Você acha que teria sido capaz de fazer o filme sem a entrevista no final?
Bom, com certeza eu poderia ter terminado alguma coisa, mas acho que se não tivesse conseguido a entrevista, ainda estaria filmando. Estou muito feliz de ter conseguido a entrevista.

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É engraçado, pensei que isso era um golpe para tentar fazer ele escrever pra você.
E isso levou dois anos!

Exatamente. Então a entrevista parece inesperada, tipo uma reviravolta. Você tinha isso em mente?
Isso é uma questão de edição e dramaturgia. Decidi focar no conflito entre Putin e Khodorkovsky e então precisei ter essa parte dramática. Pensei em colocar a entrevista no início, mas o melhor mesmo era colocar no final porque você não vê o Khodorkovsky no resto do filme, então fica imaginando se vai vê-lo em algum momento ou não.

Você acha que o apoio de Khodorkovsky à oposição é a principal razão de sua prisão?
Não, não. Ele sugeriu isso, mas acho que são múltiplas razões. Mas as principais, infelizmente, como tudo na vida, são poder e dinheiro. Outras pessoas queriam seu dinheiro e ele não tinha o poder. Ele não obedeceu às leis implícitas da Rússia — ele não demonstrou respeito para com aqueles que estão no poder. Há uma estrutura mais arcaica aí e talvez ele não tenha se aderido a isso.

Cyril Tuschi No seu filme, Christian Michel fala sobre a pena de Khodorkovsky como uma forma de redenção. Que ele sabia que iria para a prisão e aceitou isso porque havia feito coisas ruins e ganhado muito dinheiro com isso.
Isso é muito interessante. Acho que tem alguma verdade aí. Seu tempo na prisão não foi totalmente planejado, mas ele está fazendo o melhor possível disso e vai sair de lá como uma pessoa totalmente diferente, com um status diferente. Ele está elevando sua alma e limpando sua imagem. Um dos outros famosos oligarcas no exílio, Boris Berezovsky, que está numa grande briga com Abramovich, abriu uma conta no Facebook para dizer às pessoas que era culpado e que foi ganancioso. Ele tinha oferecido a história para uma estação de rádio, mas eles recusaram, então ele abriu uma conta no Facebook para se desculpar e dizer que, depois das palavras, as ações devem continuar.

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Você encontrou um estudante que se referiu a Khodorkovsky como “o melhor do pior”. Que, de todos os terríveis oligarcas, ele era o melhor… Você concorda com isso?
Nesse quadro, sim… Quero dizer, isso está conectado com a questão que aparece com frequência: “Por que você, um cineasta de arte, está interessado numa pessoa como essa?” Eu nunca encontraria esse cara pra tomar um café. Ele é um capitalista; ele não tem ideia do que seja arte. Ele está muito longe do meu espectro. Meus pais me fizeram acreditar que dinheiro não era necessário, que era importante para viver, mas que fazer dinheiro rapidamente era errado.

Então esse filme é sobre poder?
Bom, primeiramente pensei: uou, isso é um drama grego. Indo do muito baixo ao muito alto ao muito baixo — é mais o tipo de lógica que você tem numa peça de teatro. Adoro a batalha entre esses dois titãs, Khodorkovsky e Putin. E adoro o comportamento aparentemente ilógico de Khodorkovsky. Ele faz coisas heroicas e atira no próprio pé. Hoje em dia não está muito na moda ser heroico e fazer algo antiquado assim é muito raro. Ele realmente atirou no próprio pé. Talvez ele discorde, mas é assim que pareceu pra mim.

É interessante porque algumas das pessoas que você entrevistou que trabalharam com o Khodorkovsky, particularmente um de seus advogados, não conseguem perdoá-lo pelo que ele fez. O Khodorkovsky podia ter escapado dessa e podia ter feito a vida de seus colegas um pouco mais fácil.
Isso tem dois lados. É uma forma geral de assumir a responsabilidade. Golobov, o advogado, fala em termos militares. Para ele, o Khodorkovsky era o general e abandonou suas tropas. O Golobov está frustrado, ele não pode voltar para a Rússia para ver sua mãe e essa é sua visão pessoal. Coloquei a entrevista no filme porque ele fica muito emocionado e geralmente quando você entrevista as pessoas elas não te dão muita coisa. Não fiz um filme investigativo, mesmo tendo feito muita investigação. Eu não estava tentando descobrir as coisas ruins que ele fez nos anos 90, se ele era culpado ou não. Outras pessoas podem tentar descobrir isso, mesmo eu achando que não seria muito saudável. Mas porque eu deveria fazer isso? Não é meu campo de trabalho. Acho que ele deixou sua família e devido a suas ações outras pessoas foram punidas. Houve uma consequência.

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Mikhail Khodorkovsky no tribunal siberiano.

Ele é um personagem heroico pra você?
Sabendo que não há mais personagens heroicos no mundo, ele agiu heroicamente, mas necessariamente falhou em outras coisas. Deixar sua família da maneira como ele fez não foi heroico, mas acho que há coisas que você precisa sacrificar para ser heroico.

Isso me lembrou a peça As Bruxas de Salém, de Arthur Miller, a maneira como ele mantém sua palavra.
Sim, interessante. Acho que para ser um herói é preciso haver uma luta com um poder maior. Isso nunca se dá sem sacrifícios. Acho que aí é o centro da questão.

Em vários momentos você sentiu que estava sendo seguido enquanto fazia esse filme. Você sabia quem estava te seguindo?
Bom, no começo, o medo era onipresente. Tudo era meio assustador, principalmente porque eu não conhecia as regras. Então quando estávamos filmando, dava pra ver que estávamos sendo seguidos e é claro que era a FSB [Serviço de Segurança Federal Russo], e acho que fomos seguidos mais vezes, mas não percebemos. Eles queriam que a gente visse que eles estavam nos seguindo. Geralmente era uma coisa bem aberta, tipo, “Oi, estamos seguindo vocês!”. Sei que essas instituições secretas têm muito mais dinheiro agora do que nos anos 90, então eles podem facilmente te seguir e grampear seu telefone e ler seus e-mails. Toda a oposição russa tem seus telefones grampeados e seus e-mails monitorados.

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Em algum momento você pensou: “Não posso mais continuar fazendo isso?”
Sim, mas não por causa do medo, que foi diminuindo porque você acaba se acostumando com tudo e não apanhamos nem nada assim. Era principalmente por causa dos fracassos iniciais — quase ninguém queria falar comigo. Aí pensei: “Sou um péssimo cineasta, o dinheiro está indo pelo ralo, quanto tempo vou conseguir continuar fazendo isso?”

Você se sentia assim por estar fazendo algo diferente, já que antes só havia feito filmes de ficção?
Totalmente, mas claro que era muito emocionante. Quando era adolescente, adorava James Bond, e fazendo o filme me senti como um espião. Tirava a bateria do meu celular, porque esse é o único jeito de não ser grampeado, e tinha um USB que simulava outro endereço de IP a cada dois minutos, para que os e-mails não fossem rastreados. Foi muito legal e me senti o próprio James Bond. O medo é real e o drama é real. Às vezes acabava misturando minha fantasia com a realidade e tinha que me lembrar de que estava lidando com seres humanos, e que precisava tomar cuidado. Acho que é verdade que você interpreta um papel nessas situações.
Sim, definitivamente. Acho que foi isso que aconteceu com o Julian Assange. As fronteiras se confundiram. O companheiro de cela de Khodorkosky, que parece ter feito coisas para garantir sua soltura e manter o Khodorkovsky na cadeia, disse que “a vida é barata, mas viver é caro”. Você concorda com isso? E você simpatizou com ele?
Entrevistei mais oito prisioneiros, com dentes de ouro e tatuagens, e alguns me disseram que ele devia ser um agente duplo do FSB. Não acreditei muito, mas na Rússia tudo é possível. Eles podem ter dado a ele uma história e ele inventou tudo.

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Alguns disseram que muita gente deu dinheiro a Khodorkovsky para que ele pudesse sobreviver. Mas não me importo, essa é a parte interessante. A Rússia é ficção. A Rússia toda é ficção.

Mikhail Khodorkovsky + Os Bushes = Melhores Amigos Pra Sempre A Rússia parece o velho oeste para as pessoas de fora. É um território gigante onde tudo pode acontecer.
É muito próximo dos Estados Unidos nesse sentido. Somos grandes! Delírios de grandeza…

Você acha que, apesar disso, é um lugar fascinante porque lá qualquer coisa pode acontecer?
Eles têm uma grande tradição de fantasia e contos de fadas. Na Alemanha, se alguém faz alguma coisa errada eles convocam uma entrevista coletiva e a pessoa nega tudo. Na Rússia, primeiro nada acontece, então de repente dez teorias aparecem e as pessoas não sabem em que acreditar, então simplesmente desistem. Sei que uma das dez teorias é a verdade, mas o espectador não faz ideia do que está acontecendo. Eles são silenciosos e quando a razão verdadeira surge eles tiram mais nove outras razões daí.

O Khodorkovsky diz que não quer se vingar. Você acredita nele?
Boa pergunta. Bom, ele não está em posição de dizer que vai se vingar. Ele está na cadeia. Simples assim. Aposto que seus amigos têm alguma informação sobre Putin que não podem publicar porque ele ainda mantém as pessoas como reféns na prisão. Se o Khodorkovsky sair ainda tem muito trabalho para tirar todos seus colegas da prisão, então suas mãos estão atadas. Acho também que ele mudou sua mente competitiva para um pensamento mais metafísico.

Quando ele sair, se ele sair, você acha que ele pode concorrer como candidato da oposição?
Acho que ele não tem assim tanta chance. As pessoas vão querer servir a cabeça dele numa bandeja,

Nós rimos, eu agradeci Cyril e nós dois tiramos as baterias dos nossos celulares. 

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