FYI.

This story is over 5 years old.

Entretenimento

Os artistas usando a fronteira EUA/México como uma tela em negro

Conversamos com artistas que pintaram murais de ‘Fuck Trump’, criaram instrumentos a partir de itens abandonados na travessia da fronteira, ou usaram tinta para fazer partes do muro desaparecer.

Trecho do muro de fronteira que separa os EUA do México, em que a artista Ana Teresa Fernández "apagou" a fronteira com uma pintura que combina com o céu. Todas as fotos cortesia dos artistas.

A peça central da campanha presidencial de Donald Trump, o grande muro na fronteira mexicana, pode parecer uma abstração. Quando diz que quer erguer um muro, ele quer dizer afastar o medo para as margens, para proteger a ideia que algumas pessoas têm do que é a América. Um muro literal faz pouco sentido por razões óbvias: Um, seria incrivelmente difícil de construir; e dois, os EUA já tem um muro.

Publicidade

O muro existente corre intermitentemente ao longo da linha que divide EUA e México, cobrindo cerca de mil quilômetros dos mais de 3.200 km de fronteira. Até 1969, quando a primeira parte foi construída, a fronteira era simplesmente uma linha invisível. Desde então, ela vem sendo esticada em seções de aço e arame farpado, iluminada por holofotes e guardada por torres de vigilância e aproximadamente 21 mil patrulheiros da fronteira.

Sendo assim, o muro é um símbolo de militarização, de poder governamental e da capacidade do homem de dividir pessoas. Mas nos últimos anos, artistas dos dois lados da fronteira começaram um novo diálogo sobre o muro, destacando as constantes trocas culturais entre os lados e o modo como as cercas nos separam. Através de sua arte, eles tentam dar voz àqueles que não a têm, humanizar aqueles que tentamos deixar de fora e apagar o que nos divide. Aqui vão alguns exemplos:

Guillermo Galindo e Richard Misrach

Cruzar a fronteira do México para os EUA ficou muito mais difícil e perigoso nos últimos anos, e os muitos migrantes que fazem a jornada através do Deserto de Sonora carregam pouco consigo. Ainda assim, muita coisa fica pelo caminho atrás do muro: calçados e roupas gastas, mochilas de crianças, garrafões plásticos de água, escadas. No cruzamento do Rio Grande, migrantes deixam para trás as câmaras de ar que os ajudaram a fazer a travessia; do outro lado, há as cápsulas das balas da Patrulha da Fronteira. Pedaços da versão antiga do muro também ficaram por ali. Esses itens se tornaram a matéria-prima para Border Cantos, um projeto que transforma o lixo da fronteira em instrumentos musicais. Richard Misrach, um fotógrafo de Los Angeles, coleta os itens descartados e Guillermo Galindo, um compositor experimental da Cidade do México, os transforma em instrumentos. A música saída desses instrumentos representa a voz das pessoas invisíveis e inaudíveis da fronteira.

Publicidade

Por exemplo, Ángel Exterminador, um dos instrumentos inventados pelo artista, feito com partes do muro antigo, é um pedaço gigante de ferro retorcido pendurado em uma estrutura e que se toca como um gongo. O som, segundo Galindo, é "lúgubre e avassalador".

Em contraste, o Tortilláfono é uma mistura de percussão e instrumento de cordas que soa como um baixo muito grave. Misrach encontrou a cobertura de metal de uma caixa elétrica do antigo programa de vigilância Secure Border Initiative. Galindo cortou buracos na pesada peça de metal, enfiando os recortes para dentro para funcionar como percussão. Ele passou cordas através da placa, usando partes da caixa como ponte.

Misrach e Galindo trabalham no projeto há quatro anos, e hoje ele inclui um livro, uma série de vídeos e várias exposições, incluindo uma atualmente em exibição no San Jose Museum of Art na Califórnia — mas Galindo ainda considera esse um "trabalho em andamento".

"Há muitas camadas complexas nisso", ele disse a VICE. "Estou apenas começando a entender muitas coisas maravilhosas que fizemos quase que intuitivamente."

M. Jenea Sanchez e Gabriela Muñoz

M. Jenea Sanchez era menina quando a fronteira entre Agua Prieta, Sonora, e Douglas, Arizona, era apenas uma linha invisível na areia. Ela e os primos cruzavam aquele espaço várias vezes por dia, já que alguns moravam no México e outros nos EUA.

Vinte anos depois, essa parte da fronteira foi fechada com postes de aço curvados no topo (para dificultar a escalada), placas de metal e arame farpado — materiais que Sanchez usa agora em sua arte.

Publicidade

Em 2009, ela criou Border Tapestry, uma tapeçaria feita com a malha de arame da fronteira servindo como bases verticais. Ela entrelaça tecido dela, encontrado e novo através dos vãos da cerca como uma maneira de unificar as vidas das comunidades que vivem ali, como Sanchez explicou a VICE, "amarradas e segmentadas pela cerca da fronteira".

No ano seguinte, Sanchez conheceu Gabriela Muñoz, uma artista de Chihuahua, México, que hoje vive em Phoenix. Juntas, elas teceram a imagem da Virgem de Guadalupe — desenhada em papel de fibra de mandioca — pela cerca da fronteira. A obra, que tem aproximadamente 3,5 metros de altura e 2,4 metros de comprimento, é visível dos dois lados do muro, refletindo a cultura compartilhada pelas duas comunidades.

Guadalupe "Lovely" Benitez, Mario Romero Cruz e Melo Nonsense

Este mês na Ciudad Juárez, três artistas de rua — Guadalupe "Lovely" Benitez, Mario Romero "Mr. Cruz" Cruz e Melo Nonsense — se reuniram no muro inclinado de cimento que canaliza o Rio Grande para pintar murais na fronteira. Juárez é mais conhecida pela violência que vem assolando a cidade nos últimos 20 anos a que os residentes se referem como "detenido", ou a sensação de estar detido pelo medo do que pode acontecer com eles nas ruas. Os três artistas se uniram, segundo Cruz, para dar a Juárez alguma coisa para ser lembrada além da violência e do medo.

Cruz pintou um oroboros, uma cobra comendo o próprio rabo, numa obra chamada Casacabel Enplumada. Ele diz que queria honrar os imigrantes que morreram tentando cruzar a fronteira, com ela sendo um lugar de fluxo, onde pessoas, ideias e culturas vão e voltam para criar algo novo.

Publicidade

Guadalupe Benitez, que assina seu trabalho como Lovely, pintou uma obra intitulada Mi Vida do lado mexicano do rio. Ela desenhou um torso feminino contra um fundo verde e turquesa, que lembra tanto a paisagem natural como a aura cercando as imagens da Virgem de Guadalupe — um comentário sobre a violência contra a mulher que definiu Juárez.

Ao lado do trabalho de Benitez, Melo Nonsense, um artista de rua e designer gráfico, pintou uma imagem intitulada Fuck Trump. Nela, Trump usa orelhas de Mickey Mouse sobre o cabelo amarelo e mostra a língua enquanto acrescenta outro tijolo, onde se lê "México", ao muro que está construindo. Nonsense pintou o mural numa parte visível pelo lado americano, tentando "convencer os americanos a não votar em Trump, porque dividir nações não vai resolver nada".

Ana Tereza Fernández

Em 2011, a artista Ana Teresa Fernández, que vive em São Francisco, teve a ideia de "trazer o céu para baixo e deixar a natureza substituir a estrutura artificial construída para nos separar". Fernández pintou uma seção de 9 metros de largura e 6 de altura da cerca com tons de azul para combinar com o céu. De longe, a parte pintada se mistura com o fundo, como se parte do muro tivesse sido cortada.

Borrando la Frontera — um nome que engloba seu primeiro mural em Tijuana e cinco outros que vieram depois — se tornou instantaneamente popular. Depois da segunda interação em 2015, mais e mais pessoas abordaram Fernández e ela organizou uma colaboração para pintar o céu simultaneamente.

Em abril, grupos em Mexicali, Agua Prieta e Ciudad Juárez pintaram seções de 12 a 15 metros da fronteira de azul ao mesmo tempo, apagando coletivamente a fronteira — como se, em algumas partes, ele nunca tivesse existido.

Siga a Michelle Marie Robles Wallace no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.