Pamela Anderson está a reinventar o seu mundo surreal
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Pamela Anderson está a reinventar o seu mundo surreal

Vinte e sete anos depois de se afirmar como a bomba sexual americana por excelência, Pamela Anderson está a tentar trilhar um novo caminho.

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Motherboard.

Encontro-me com Pamela Anderson pela primeira vez numa terça-feira. Está no alpendre de uma casa de meados do século passado, situada em Beachwood Canyon, nas colinas de Hollywood. A luz de final de tarde ilumina o cenário. É difícil dizer o que é mais pungente: Pamela Anderson, ou a luz a bater no alpendre, dourada como só a luz de Los Angeles consegue ser no fim de uma tarde de sol.

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Pamela está vestida com lingerie preta e um casaco comprido. O cabelo penteado de forma magnífica e arranjado num "Bob" de formato clássico. Tem estado dia inteiro como se fosse uma personagem saída directamente de um filme de Hitchcock, ou de Fellini: já posou em lágrimas com uma pistola na mão, em pijama de seda, a fumar Capris ultra finos enquanto segurava um daqueles telefones sem fios enormes e segurava uma expressão bastante convincente de pânico.

Enquanto a câmara trabalha, um pequeno exército de assistentes, stylists, cabeleireiros e afins, permanece em absoluto silêncio. Só consigo ouvir o clique da máquina fotográfica e a Lana del Rey na aparelhagem, para criar ambiente.


Vê "Connected", a nova curta-metragem de ficção científica protagonizada por Pamela Anderson, na nossa plataforma Motherboard.


Não seria correcto dizer-se que nas fotos que lhe estão a tirar está irreconhecível; ela é, afinal, Pamela Anderson. No entanto, parece fisicamente pequena para alguém tão maior do que a vida e até, de alguma forma, modesta, a léguas de distância da deusa rock super bronzeada de que eu estava à espera. É um efeito estranho.

A Pamela Anderson que aparece quando faço uma busca no Google, cheia de eyeliner esborratado e de um louro completamente artificial, parece outra mulher. Parece uma invenção. No tempo que passei com Pamela - que começou aqui e acabou 10 horas mais tarde, atordoada, a descer as colinas num Uber - aprendi que a linha entre a invenção e a realidade é definitivamente bastante porosa.

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Pamela Anderson nas filmagens de Connected, uma curta de ficção científica que estreou recentemente na Motherboard. Photo byTucker Tripp

Enquanto espero para falar com ela, a noite cai. Uma assistente chama o fotógrafo à parte. "Vou buscar vinho", sussurra-lhe, "o que é que devo trazer?". Rosé, chardonnay, chamapanhe; a consulta acaba por chegar a Pamela. "Goldschläger?", brinca ela. Foi assim que conheceu o seu primeiro marido, o baterista dos Mötley Crüe, Tommy Lee - num bar de Las Vegas, ela enviou-lhe um shot de Goldschläger de um lado ao outro do balcão. Ele lambeu-lhe a cara e, pouco depois, estavam casados. Um conto de fadas dos tempos modernos, em Cancun, na praia, a noiva num biquini branco.

A união foi um petisco para os paparazzi e ao longo de uma boa parte dos anos 90 raramente o casal esteve fora dos tabloides. Pelo caminho, inadvertidamente, criararam o género cinematográfico "sex tape", antes de fazerem dois filhos e de se divorciarem. Muito do que sei sobre Pamela Anderson antes de a conhecer pessoalmente é adornado pelo imaginário dessa época, que absorvi numa idade em que uma pessoa pode ser bastante impressionável. A assistente escolhe Rosé.

A sequência do shot ao matrimónio soa improvável, mas é assim que Pamela conta a história: como se fosse uma cena impressionista, uma colagem de nomes, momentos e sítios, por vezes interligados em sequências de tirar o fôlego. Cada uma como se fosse um pequeno arranjo floral. David LaChapelle, Las Vegas, roupões, brilhantes na pele, "visitar o Elton [John] no seu quarto". É também assim que ela vive.

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"Assegura que é, ao mesmo tempo, impossível de gerir e muito sugestionável, o que demonstra uma combinação de coragem sem freio e perseverança que a tornou naquilo que é hoje".

Não tem manager, ou agente. "Eles acabam por desistir de mim", diz. Em vez disso, conhece pessoas, segue os seus instintos, mete-se em alhadas, resolve as alhadas, apanha os restos, segue em frente. Assegura que é, ao mesmo tempo, impossível de gerir e muito sugestionável, o que demonstra uma combinação de coragem sem freio e perseverança que a tornou naquilo que é hoje: uma recém solteira sex-symbol, a empurrar para longe os 50 anos, rodeada de amigos artistas e com dois filhos adultos. A entrar naquilo que apelida de "Capítulo 2" da sua carreira.

Da maneira como ela o conta, o "Capítulo 1" foi um erro que se prolongou durante muito tempo. Descoberta aos 19 anos no Jumbotron de um jogo de futebol americano em Vancouver, no Canadá,, nunca tinha entrado num avião até voar para Los Angeles para a sua prmeira sessão fotográfica para a Playboy. A revista perseguiu-a insistentemente depois de a aparição no Jumbotron a ter levado a fazer um anúncio para a cerveja Labatt e depois uma campanha para o ginásio de Vancouver onde trabalhava.


Vê também: "Porno Tecnológico"


Quando a Playboy lhe ligou para casa estava a meio de uma discussão com o seu noivo. ele estava a atirar-lhe coisas. O telefone tocou. Pamela, estamos a falar da Playboy, considerarias ser a nossa capa? "Estava agachada, a tentar desviar-me de facas, de garfos…", recorda, enquanto segura um copo de champanhe e veste um roupão de banho, depois de a sessão finalmente terminar. "Estava no chão da cozinha e a gritar 'Sim! Sim! Quando é que posso ir?". A revista propôs-lhe uma sessão de testes no exacto momento em que o noivo ciumento passou das facas e dos garfos, aos cinzeiros. "foi assim que vim para LA. Simplesmente vim-me embora. Logo no dia a seguir".

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Atravessou a fronteira canadiana de autocarro e voou de Seattle para LA depois de passar uma noite - pela primeira vez - num hotel. A sessão da Playboy foi "touch and go". Estava tão nervosa que vomitou em cima de uma assistente de guarda-roupa quando esta lhe tocou no peito. Só gastaram um rolo de película, mas foi suficiente. Vestida com um blazer às riscas e uma gravata - e pouco mais - agraciou a capa da revista de Outubro de 1989 com as suas primeiras fotografias de um total de 14 capas que haveria de fazer. Mais do que qualquer outra modelo.

Ela não esconde a importância que a revista teve na sua carreira e na sua educação cultural. "Digo sempre que a minha universidade foi a Playboy. Conheci activistas e cavalheiros, falávamos de arte e política, filmes e música. Conheci músicos e actores. Foi aí que recolhi muita informação". E não saiu de lá de cabeça vazia. Durante a juventude na British Columbia leu bastante. Hugh Hefner costumava picá.la por ser a única modelo da revista que desfrutava da colecção de arte da Mansão - nenhuma das outras conseguia distinguir um Dali de um Basquiat.

Foto por Luke Gilford

Em 1991, Pamela foi escolhida como a rapariga de "Tool Time" da empresa Home Improvement. Depois, em 1992, sem qualquer audição, ganhou o papel da salva-vidas de Malibu CJ Parker, em Baywatch. Uma série muito camp, como, aliás, a maior parte dos trabalhos em que se veria envolvida depois: Vallery Irons na sitcom "V.I.P", ou o filme "Barb Wire", são bons exemplos.

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Nos anos menos bons fez o que pode para pagar as contas, incluíndo trabalhar como assistente de um mágico em Las Vegas ou aceitando cameos na versão francesa do Big Brother, ou no Dancing With The Stars. Mas foi com "Baywatch", e com o seu fato de banho vermelho, que a tornou num ícone. Pamela explica a sua carreira depois da primeira sessão da Playboy de uma forma mais sucinta: "Ia voltar para casa, mas depois aconteceu "Baywatch" e, de repente, tudo o resto foi sucedendo, casamento, estrelas rock e filhos".

Os seus filhos têm agora 18 e 19 anos, estão ambos a caminho da universidade e são "excelentes rapazes, muito bem ajustados". O fato de banho vermelho está a à venda no eBay, juntamente com o anel de noivado de diamantes que o seu terceiro - e quarto - marido lhe deu, o jogador profissional de poker, Rick Solomon, de quem ainda há pouco se divorciou. Os lucros vão directos para a associação de preservação da floresta tropical "Cool Earth". Uma organização apoiada pela sua amiga Vivienne Westwood. "ao vender o anel consigo salvar metade da floresta tropical da Nova Guiné. Ele não se importa, acreditem".

Foto por Luke Gilford

Pamela é uma activista ambiental e animal desde criança. Aos 12 anos convenceu o pai a deixar de caçar, depois de descobrir um cadáver de um veado, sem cabeça, a sangrar para dentro de um balde. Nunca mais comeu carne. Dezasseis anos mais tarde, estava numa digressão promocional de "Baywatch, a visitar país atrás de país e farta de responder sempre às mesmas perguntas - com quem é que andas, o que é que estás a vestir - e decidiu escrever uma carta à PETA:

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Dear PETA,

I'm in a TV show called "Baywatch" and the press is obsessed with my personal life. I'd really like to divert some of the attention to things more important than my boobs or my boyfriends. Can we join forces? I've been an animal lover and a PETA member since I was a kid, sending in rolled up quarters, and I've always wanted to get more involved. Please use me.

Love,

Pamela Anderson

"Disse-lhes", recorda agora, "façam alguma coisa comigo. Quero aproveitar esta atenção que tenho sobre mim, para partilhar algo mais útil".

Dan Mathews, hoje vice-presidente da PETA para as campanhas de comunicação, abriu a carta; ele aceitou o desafio e deu início a a uma relação de décadas com Pamela. Mathews, o arquitecto da campanha mais conhecida da PETA, "I'd Rather Go Naked Than Wear Fur", considera que a união de Pamela à organização é perfeita. Ela continua a ser a mais empenhada porta-voz e a promover cada campanha da maneira que outras celebridades promovem um filme: vai a talk shows, faz conferências de imprensa, acções de rua, viaja ao estrangeiro para representar a organização.

"Tem uma atitude muito punk rock em relação ao activismo", salienta Matthews em conversa telefónica. "Não se importa com o que as pessoas pensam. E como é tão sexy, tão amistosa e cativante, não interessa o quão desafiante é a mensagem. Ninguém a vai ignorar. Acho que é essa a magia".

A qualquer sítio que Pamela vá, Matthews procura identificar problemas locais com os direitos dos animais: animais exóticos de circo no Mónaco, peles de chinchila em Paris, chimpazés usados em laboratórios como cobaias, na Florida. O seu activismo intensificou-se ainda mais nos últimos anos. Em 2014 criou a sua própria associação de beneficiência, a Pamela Anderson Foundation, que tem como objectivos a protecção dos "direitos do Homem, dos Animais e do Ambiente". E em 2015 juntou-se à direcção da Sea Sheperd, uma organização anti-caça da baleia, conhecida pelas suas tácticas agressivas. Chama a Julian Assange amigo ("acho que é um dos líderes do Mundo Livre") e, em Dezembro último, visitou o Kremlin com uma delegação do Fund for Animal Welfare.

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Imagem de 'Connected', cortesia de Luke Gilford

Não que todo este segundo capítulo esteja embrulhado em política. Esta noite, por exemplo, depois da entrevista, é suposto irmos a uma festa de moda. Não é longe - a sua velha amiga, a estilista Stella McCartney, vai mostrar a sua colecção para o Outono de 2016m na Amoeba Records. Vai lá estar toda a gente, dizem-me.

Pamela desaparece para o quarto e regressa vestida com um vestido preto e branco justo. Tremendamente chic. De repente sinto-me bastante mal vestida. Um bocadinho mais de champanhe e descemos a colina num Suburban preto, directas a uma passadeira vermelha. Pamela desliza pela "Red Carpet" enquanto os fotógrafos chamam pelo seu nome; um inferno de flashes. Sigo por uma zona mais calma e reencontramo-nos à entrada, mas perco-a de imediato por entre a multidão. Descubro mais tarde que se foi embora. Quando nos voltamos a encontrar, pede-me desculpa. As luzes estavam demasiado fortes. Havia demasiada gente. Isto é o que acontece quando estás com alguém famoso.

Pamela tornou-se uma celebridade numa época diferente. Apesar de ter sido sempre perseguida pelos paparazzi durante os seus casamentos demasiado públicos com Tommy Lee e, por pouco tempo, com Kid Rock, manteve algumas medidas práticas de inacessibilidade.

"'Podíamos ter salvo toda a floresta tropical do Mundo', diz-me, ' com aquela estúpida sex tape'".

"Na verdade, nunca prestei atenção às histórias dos tabloides", diz com displicência. Todos os marcos da sua anterior vida foram-se: a Mansão Playboy, o seu primeiro destino em Los Angeles, a sua universidade, está neste momento para venda por 200 milhões de dólares. Hef tem 89 anos. A própria revista está a mudar o seu formato; Pamela foi a capa do último número com nudez. Apesar de "Baywatch" estar a caminho de um reboot cinematográfico, Pamela - pelo menos até agora - não faz parte do elenco, nem deverá sequer aparecer num cameo. e a sex tape com Tommy Lee dificlmente seria hoje um escândalo. Para que fique registado - insiste - o casal não vendeu o vídeo a quem quer que fosse. Dinheiro sujo. "Podíamos ter salvo a floresta tropical de todo o Mundo", diz-me, "com essa estúpida sex tape".

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A Pamela do presente não é a Pamela do passado, mas sabe bem como explorar a fama que o fato de banho lhe trouxe. É bastante consciente disso. "Não sei como é que transformo mamas em árvores e baleias e oceanos, mas faço-o", atira. "Qualquer tipo de atenção que tenha, uso-a para entrar em inúmeros sítios. Em campanhas para a PETA, usa biquinis feitos com alfaces; tem uma empresa de sapatos, Pammies, que vendem uma versão vegan das botas que tornou famosas em "Baywatch". Mete o seu presente contra o seu passado.

Qualquer coisa que faça agora é notícia precisamente por estar a afastar-se da sua imagem pública de "bimbo party girl". Uns dias depois do nosso encontro, foi a Paris, falar na Assembleia Nacional francesa sobre as práticas utilizadas para o fabrico de foie gras e que consistem em forçar os animais a comer. Os políticos locais podem não ter ficado impressionados, mas foi notícia em todo o Mundo. Por quanto tempo vai ela conseguir continuar a fazer isto é que falta saber.

Imagem de 'Connected', cortesia de Luke Gilford

Recentemente, Pamela protagonizou uma curta-metragem, "Connected", realizada pelo seu amigo e colaborador Luke Gilford (a estreia teve lugar na pLataforma digital da VICE dedicada à tecnologia, MOTHERBOARD). Faz de Jackie, uma instrutora de spin solitária, que vive em Venice Beach e está obcecada com as habituais alquimias de beleza e eterna juventude do Sul da Califórnia. Só bebe sumos, utiliza cremes, medita. O filme surpreende de muitas formas e a interpretação de Pamela não é excepção. Discreta, vulnerável, quase crua.

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Numa cena, enfrenta-se a ela própria no espelho. Mostra a idade. Sem maquilhagem, sem adereços espampanantes. Apenas uma voz calma, despida de qualquer artifício. Pamela nunca se tinha apresentado menos do que perfeita no ecrã - nunca lho pediram - e este papel foi complicado, precisamente por lhe ser familiar. Ser mãe solteira de dois rapazes e enfrentar a realidade de envelhecer em Hollywood, bateu-lhe com força.

Quando falo com Gilford sobre isto - cartas na mesa: é meu amigo -, ele cala-se. Ela estava a passar por um divórcio durante as filmagens e eles são suficientemente próximos para que ele saiba todos os detalhes. Até chegou a encorajá-la a usar a dor que estava a sentir nas cenas mais emocionais. O seu fascínio por Pamela é igual ao meu. "Connected" é uma tentativa de arranhar a superfície da mitologia por trás dos sex symbols e chegar ao ser humano por debaixo. A idade dela joga a favor dele, no que a isso diz respeito. Apesar de ainda ser deslumbrante, já não é escolhida para os papéis com o forte cariz sexual que marcaram a sua carreira e a questão "e agora, o que se segue?" e bem real e revela a vulnerabilidade de Pamela, a sua alma, atributos que lhe podem ser muito úteis neste "Capítulo 2", o que quer que ele seja.

"Em primeiro lugar, ela inventou-se a si própria. Era uma morena sem peito do Canadá e transformou-se numa icónica bomba loura americana".
Luke Gilford

Se calhar tudo começou a mudar com a verdade. Em 2014 Pamela lançou a sua Fundação e falou em público, pela primeira vez, sobre o facto de ter sido abusada sexualmente durante a infância e adolescência. nessa mesma altura cortou o cabelo todo. Não eram actos equivalentes, mas estavam relacionados

"Sentia que as pessoas não percebiam que havia um ser humano por trás [da minha imagem], uma pessoa", diz-me. "Não podes mesmo julgar ninguém. Toda a gente passa por tempos terríveis".

Ela sempre esteve visível, mas agora quer ser vista. Gilford concorda. "Ela inventou-se a si própria. Era uma morena sem peito do Canadá e transformou-se numa bomba icónica americana. ela inventou isso. E agora, quase com 50 anos, está pronta a reinventar-se. A mostrar mais verdade".

É tarde quando deixo Pamela. Está deitada num sofá, saltos altos no tapete. Estou cansada, pareço cansada, a minha maquilhagem está toda borrada, mas ela continua a ser Pamela Anderson. Aperto-lhe a mão pequenina, desejo-lhe tudo de melhor, e é de facto o que sinto.

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