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Tecnologia

​Um Fim de Semana Emocionante no EVO, o Maior Evento de Games de Luta do Mundo

Partidas proibidas no hotel, apostinhas, viradas espetaculares, o carisma de quem joga com Zangief. Coisas do EVO, enfim.
O jogador de Super Smash Bros. MeleePPMD derrota Hugs. Crédito: Robert Paul

Botei o notebook para rodar um de meus games de competição favoritos, o mais ou menos desconhecido Twinkle Star Sprites, enquanto uma partida de Guilty Gear Xrd rolava bem perto, na pia da suíte. No outro cômodo, um amigo que conheço há 20 anos está apostando uma grana em Windjammers.

É tarde da noite e estou em um dos quartos de hotel onde rolam os torneios do tipo BYOC (sigla em inglês para "Traga Seu Próprio Console") do EVO 2015, o mais prestigiado torneio de games de luta do mundo.

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O EVO ocorre todos os anos em Las Vegas e atrai gamers do mundo todo para competirem em diversos jogos como Ultimate Marvel vs. Capcom 3, Guilty Gear Xrd, Mortal Kombat X, Tekken 7, Super Smash Bros. Melee, dentre outros.

Mas o EVO tem muito mais a oferecer. Torneios paralelos de games são realizados pelos corredores com plaquinhas escritas à mão e regras que acentuam a natureza não-tão-profissional dessas competições.

Quando os hotéis se esvaziam pela noite, esses torneios do tipo "Traga Seu Próprio Console" rolam em festas pelos quartos onde cada assento e cada tomada do quarto servem como base para jogatinas obscuras.

As mais lendárias das festas são as tais "proibidonas", que rolam só com convite. Nelas jogadores conhecidos se reúnem para encher a cara e jogar com apostas. Não gostou de como sua partida oficial acabou? Aposte uma graninha para retomar sua honra.

Ryan Hart e Pepeday em uma das proibidonas. Crédito: Robert Paul.

Tudo isso faz parte do nebuloso e crescente eSports, a modalidade em que pessoas competem em games específicos por prestígio e prêmios. A média de frequentadores nos maiores eventos do gênero variam entre 9.500 e 14.000 pessoas; o torneio mais disputado, Ultra Street Fighter IV (USFIV), atrai mais de 2.200 inscritos.

Essa é a descrição simples. O EVO é muito mais complexo que isso.

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Havia muita empolgação em torno do USFIV porque deve ser o último ano que ele será "o jogo" do EVO. Sua sequência, Street Fighter V, sairá no começo de 2016 e, a não ser que algo dê muito errado, deve tomar o seu lugar.

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Um dos motivos pelos quais games competitivos têm apelo é porque dão uma oportunidade de se construir uma personalidade dentro de uma comunidade. Pode ser que você tenha um emprego sacal em que ninguém lembra seu nome, mas quando você participa de um torneio e desce o sarrafo em geral, você se torna uma presença forte.

Não é surpresa que muitos jogadores de games de luta têm personalidades semelhantes às de wrestlers "mocinhos" ou "bandidos". As pessoas adoram os bobalhões sorridentes que escolhem personagens horríveis durante duríssimas competições e adoram odiar gamers que escolhem personagens que creem serem "fortes demais" e que falam mal publicamente de seus oponentes.

Essas personalidades são parte da história individual que cada um tem com o EVO, uma jornada angustiante desde o lamaçal que são as seletivas até ao campeonato principal que tem um só vencedor.

Muitos vêm ao EVO para ver o drama se desenrolar diante de seus olhos. Eles sabem que não tem como ir muito longe na competição, mas o espetáculo é tão poderoso que ninguém nem liga. Só querem fazer parte daquilo.

Gritos fervorosos e de descrença anunciam quando algo importante está acontecendo em uma partida. Quando rola alguma chateação, o espaço virtual e real explodem; há reações tuíterescas voando pra tudo que é lado e gente correndo pra contar pras outras o que acabaram de testemunhar.

Filipinoman comemora uma vitória. Crédito: Robert Paul.

No segundo dia de EVO, encontrei Darryl Lewis, conhecido na cena de Street Fighter como "Snake Eyez". Lewis é um verdadeiro herói do povo e um do mais amados jogadores dentro do cenário geral. Ele joga com Zangief, o gigantesco wrestler russo.

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Personagens como Zangief funcionam em um esquema bem peculiar dentro do Street Fighter: com eles o jogo é de calma; eles absorvem danos de vários golpes para ter uma oportunidade de se aproximar do outro lutador e agarrá-lo para causar muita dor. É o tipo de personagem que exige paciência em doses cavalares, bem como disciplina. Muitas vezes você é colocado em uma séria situação de desvantagem antes de poder virar o jogo.

"Curto como o Zangief assusta o oponente, colocando-os contra a parede", disse Lewis. "Penso que Zangief é o tipo de personagem que ganha ao lhe derrubar…Ele vira a luta no geral."

Lewis ficou entre os oito melhores no campeonato de Ultra Street Fighter IV no EVO 2014. Ele passou por vários momentos de tensão até sua derrota para Luffy, que veio a ser o campeão daquele ano. Em 2015, porém, quem lhe negou seu lugar no Top 8 foi Daigo Umehara, cujo vídeo do EVO 2004 segue como lendário. Ainda assim, sua participação foi espetacular. Lewis derrotou o campeão do EVO 2013 Xian, com quem já havia lutado em algumas das mais emocionantes partidas que o torneio já viu.

É seu temperamento relaxadão que encanta. Lewis não fica dando uma de bonzão nem botando ninguém pra baixo. Seu estilo de jogar é um dos mais calmos e focados que há por aí. Se ele ficou amargurado com a derrota na noite anterior, ninguém percebeu.

Lewis estava sorrindo e rindo, falante. Mesmo quando me disse na caruda ser "o melhor jogador de Street Fighter dos EUA", me pareceu tão tranquilo e seguro que não dá nem pra interpretar como arrogância. O cara crê naquilo e já provou isso em diversas ocasiões.

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"Muita gente acha que eu sou um jogador de Street Fighter II das antigas", ri. "Mas eu aprendi mesmo a jogar online."

Uma confissão surpreendente já que existe certo estigma contra "guerreiros online" na comunidade. O lag significa que as condições de uma partida local não são replicadas com exatidão. Muitos competidores voltados para o online descobrem que suas estratégias não são exatamente viáveis em torneios de verdade.

Lewis começou em 2009 com uma série de jogadores novos de Street Fighter que surgiram na esteira do lançamento de Street Fighter IV e Super Street Fighter II HD Remix — por este último se sagrou campeão no EVO 2010. Antes seu jogo competitivo favorito era o FPS Halo.

"Se você joga contra aqueles japoneses e tenta algo burro, você será punido", afirmou Lewis. "Ninguém aqui joga como eles… Eles fazem com que os personagens que pareciam fáceis de derrotar virem lutas dificílimas."

O metajogo da combinação de partidas é um dos elementos-chave dos games de luta: certos personagens serão melhores na batalha contra outros por causa das ferramentas à disposição. Quando você perde um set, pode mudar de personagem, uma prática conhecida como contraseleção. No caso do Zangief, o processo é brutal: personagens com técnicas que conseguem mantê-lo distante fazem as lutas parecerem extremamente desequilibradas. Mas Lewis persistiu e superou a maioria delas. E ele quer fazer isso cada vez melhor.

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"Não sou um cara de mudar", disse, apesar de ter trocado o Zangief em raros momentos. "Me sinto sujo quando faço isso." Sua tenacidade diante de lutas desiguais é um dos motivos pelos quais é tão respeitado.

"É preciso mesmo de algum tipo de sorte ao seu lado para vencer no EVO", pondera. "Qualquer coisa pode acontecer." É o EVO, afinal.

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O terceiro dia de EVO é quando o bicho pega. Foram-se as preliminares e restam apenas oito lutadores: quatro do lado vencedor e quatro dos perdedores na eliminatória dupla. Algumas finais já rolaram: Persona 4 Arena Ultimax, Super Smash Bros. for Wii U,Tekken 7 e Killer Instinct já chegaram ao final.

Os comentaristas James Chen e Seth Killian durante as finais de Street Fighter IV . Crédito: Robert Paul.

A história começava a ser traçada. As palhaçadas de Leffen, um dos grandes jogadores de Super Smash Bros. Melee, já faziam dele uma pessoa que o público amava odiar. A jogatina de Mortal Kombat financiava, sozinho, a faculdade do campeão SonicFox, de apenas 17 anos, e parecia que o EVO poderia ser mais uma fonte de renda. Ultimate Marvel vs. Capcom 3 era um verdadeiro banho de sangue, com os "deuses" do game caindo um após o outro, nas preliminares e semifinais. Muitos jogadores conhecidos de Ultra Street Fighter IV — os mundialmente conhecidos Daigo Umehara e Justin Wong, Snake Eyez, Xian, o campeão e o segundo lugar do último EVO Luffy e Bonchan, entre outros — haviam sido eliminados antes do top 8.

Daí começaram as partidas de Guilty Gear Xrd, que nos renderam um lindo momento entre os astros Woshige e Ogawa: uma comemoração prematura de vitória que se provou desastrosa. Foi algo tão tragicamente belo, tão vergonhosamente hilário que o vídeo até foi exibido no SportsCenter da ESPN um dia depois. A internet jamais esquecerá.

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Ogawa acabaria como vencedor do torneio de Guilty Gear Xrd. SonicFox saiu do lado dos perdedores e dominou Mortal Kombat de forma extremamente divertida. Mang0, campeão de Smash Bros. Melee dos últimos dois anos, teve seu tricampeonato negado em uma das lutas mais duras de todos os tempos dentro do game contra Armada. KaneBlueRriver, figurinha conhecida porém controversa na comunidade de Marvel vs. Capcom 3, ganhou o torneio usando um trio de personagens grandalhões: Hulk, Sentinela e Mike Haggar.

As finais de Street Fighter IV. Crédito: Robert Paul.

Então chegou a hora de Ultra Street Fighter IV. Todos sabíamos que o top 8 seria demais, mas não sabíamos o quanto.

Gamerbee, um jogador querido de Taiwan, saiu do lado dos perdedores, eliminando oponentes casca-grossa como Tokido "Murder Face" e Nemo, do Japão. Enquanto isso, o fenômeno coreano Infiltration lutou contra Momochi, gamer japonês que só neste ano ganhou um punhado de torneios internacionais. Enquanto boa parte dos gamers tem um personagem principal e um ou dois extras com o qual treinam também, Infiltration pelo visto manda bem com boa parte dos personagens do cast de 39, escolhendo lutadores que ninguém nunca o viu usar em situações de tensão. Até fiz uma piada sobre isso com Snake Eyez (agora penso nele não como "Darryl", mas "Snake Eyez") durante nosso bate-papo.

"Será que o Infiltration escolhe o próximo personagem a ser dominado ao atirar dardos em um painel com o elenco do jogo lá?"

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Lembro de estar no meio da galera durante os 30 segundos finais da luta entre Momochi e Infiltration. Ambos estavam com a vida tão baixa que umas pancadinhas garantiriam a vitória. Mesmo assim a coisa foi tratada como um duelo à moda antiga. Cada jogador hesitava atacar o outro para não botar tudo a perder. A tensão no público era tanta que todos tentavam, em vão, dar dicas e apoio ao seu jogador favorito. O resultado era um eco de gritos sem sentido, como se o Espírito Santo do Street Fighter tivesse descido ali e feito todos falarem outras línguas.

Ao passo em que Infiltration seguia para a Final dos Perdedores contra Gamerbee, este se valeu de uma regra pouco usada que permite que a escolha de um personagem no set inicial seja feita "às cegas" para evitar o risco de contraseleção. Foi um dos sets mais longos e tensos da história de Street Fighter.

Difícil acreditar que qualquer um poderia sair de uma luta daquelas pronto para entrar na final, mas agora estava nas mãos de dois combatentes: Momochi do lado dos vencedores e Gamerbee do lado dos perdedores. Não demorou muito para Gamerbee mostrar que ainda tinha muitas cartas na manga. Um reset nos agrupamentos do torneio, uma mudança de personagem, uma série de lutas até o último round. Chegamos ao último set, os competidores empatados em 2-2-, com Momochi levando a vantagem em um round. O clima era tenso, o local prestes a explodir. E veio o desastre.

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O joystick de Momochi travou e fez com que o console pausasse. Uma pausa é uma das coisas que mais atrapalha um game de luta e é penalizada de acordo: o jogador que pausa, intencionalmente ou não, perde o round. Agora era a hora do round final e Momochi precisava de um controle novo.

Isso era inédito. O público estava chateado e os jogadores, estupefatos. A equipe do EVO e os responsáveis pela parte técnica resolveram tudo com o mínimo de dificuldade.

E aí o bicho pegou. Momochi, apesar de ter sofrido com um dos piores revés possíveis, voltaria para casa campeão.

Ao passo em que todos deixavam o local do torneio e retornavam para seus quartos para jogar mais um tiquinho, o clima era um só: "não acredito que testemunhei isso". Você sempre vai ao EVO esperando que role um monte de coisas: encontrar novos e velhos amigos, acompanhar seus gamers favoritos nos altos e baixos do torneio e jogar os games que ama. Espera-se emoção, desapontamento, momentos de queda e sacodidas de poeira incríveis. Mas ninguém esperava aquilo.

Daí acaba tudo e voltamos à entediante realidade sem personagens lançando bolas de fogo e sem loucuras no palco

Mas você sabe que irá voltar no próximo ano. Afinal, é o EVO.

Tradução: Thiago "Índio" Silva