A silly season é uma doença sazonal e estúpida dos meios de informação. É aquela altura do ano em que os jornais e tudo que esteja relacionado com notícias começam a dizer coisas parvas, porque não têm mais nada para dizer. É por isso que o Verão é uma época tramada — podes apanhar uma daquelas gripes da estação; ficar com dores pelo corpo, nariz entupido, espirros e rouquidão; entrevado numa cama e teres de papar com a notícia de que o príncipe Harry foi apanhado totalmente nu num hotel em Las Vegas.
Porra, o que é que se vai fazer a Las Vegas a não ser andar nu, jogar poker e violentar prostitutas? Eu, com febre e agarrado à cama, sem trocos para acompanhar o Harry e divertir-me como um rei (sei que a piada é fraca, mas não me contive…), vou aproveitar a silly season para fazer uma revista de imprensa aos órgãos de comunicação vimaranenses.
No Povo de Guimarães, um dos principais destaques à data é o de Frederico Costa ser o novo director de marketing d’Os Piratas de Creixomil. E passo a citar: “Frederico acaba por regressar aos Piratas, agora com 24 anos, não para praticar desporto, mas para ajudar o Clube noutra vertente, abraçando a área de Marketing, estagiando no departamento de comunicação e marketing…” Foda-se! Os piratas de Creixomil têm um departamento de comunicação e marketing? Isso sim é notícia. Afinal Creixomil não é só a Nossa Senhora da Luz.
Depois, no Notícias de Guimarães, temos a grande reportagem“Crianças e jovens de Guimarães trabalham nas férias escolares de verão — pequenos vendedores no mercado municipal”, que reproduzo aqui em excerto: “As férias escolares de Verão são um oásis para os estudantes que, durante quase três meses, têm excesso de tempo livre para as brincadeiras, […] mas há também aqueles que passam parte do seu tempo livre das férias de verão a ajudar os pais, tios ou avós nos negócios de família…” O que se passa neste mundo para o tom condescendente desta notícia? Sei que é tempo de crise e sempre é uma diversão brincar com as cascas das batatas, mas há uns anos combatia-se o trabalho infantil, agora é entretém familiar.
En passant pelo Expresso do Ave, chamou-me a atenção o título "Consomes droga? Então, vamos reduzir os riscos”, que diz coisas como: “Jovens ou adultos. Homens ou mulheres, consumidores por via fumada ou injectada — o perfil não é o que importa quando o objectivo não é que deixem de consumir, mas que reduzam os riscos de contraírem doenças e minimizem os danos com cuidados de saúde.” Já sabem, podem apanhar uma moca, mas cuidado com os resfriados!
Sobra-me apenas a grande cadeia de comunicação que é o grande Grupo Santiago. Podia-me perder nos vários títulos informativos que eles dominam, mas para não estender-me demasiado neste artigo, fico-me pela revista Bigger e voilá: descubro a nata da nata da informação vimaranense!
Nem sei por onde começar, mas há um caso sentimental para mim, que é ficar a saber que a coordenadora do meu antigo infantário — que frequentei há cerca de 30 anos —, para além de estar provavelmente a dirigir uma equipa de raspadoras de merda de fraldas, também “nasceu e cresceu em Joane, Famalicão, ingressou na Escola Superior de Educação de Leiria. onde completou a licenciatura em Educação de Infância”. A tal senhora “é, há oito anos, coordenadora pedagógica do Infantário Nuno Simões, que recebeu o prémio mérito Guimarães, território de Aprendizagem, acrescendo o facto de ter sido mãe há três meses da Ana Luís, que veio juntar-se ao João Luís, com seis anos, gozando de grande felicidade que partilha com o marido Luís, tanto no campo profissional como pessoal”. Com foto muito beta a acompanhar, é delicioso, no mínimo. Não li a reportagem completa, mas pela bela produção da foto, assumiria que a jovem coordenadora arroga o seu gosto por canapés variados e por leituras eróticas de Piaget nos seus tempos livres de infantário.
Outra pérola é ter a informação que mundo do glamour, do belo, do requinte e do sonho regressa ao Centro de Artes de Espectáculos São Mamede, com a 2.ª edição da Gala Bigger.
Oh là là, momento de extâse: qual happening cultural, qual concerto, qual peça, qual performance dos Fura del Baus — alto lá e pára o baile! Estamos a falar de coisas tão mínimas como o BELO, o REQUINTE e o SONHO! Afinal, é a gala de uma revista que, na minha singela opinião de designer gráfico, parece ser paginada por um ou dois invisuais.
Assim, fiquei pior da saúde, a gripe e a silly season em Guimarães atacaram-me directamente onde dói mais, no sistema nervoso. O meu cérebro está anestesiado e preciso de algo para sentir. Aproveito o ciclo com esse nome — Tempo de Sentir — que hoje traz um par de músicos com nome de música pimba: o duo Luís Meireles e Maria José Souza Guedes que, apesar do nome, vão tocar Claude Debussy, Fernando Lapa e Eurico Carrapatoso. Febril, vou fugir da silly season, subir a Colina Sagrada para acalmar-me de tanta emoção informativa.
Fotografia por Ana Caldas Araújo e Firas Farrah
