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Viagens

Este gajo ganha a vida a tocar em cruzeiros

Estava à espera do comboio e encontrei um gajo vestido de marinheiro.

O Halloween é sempre uma altura porreira para sermos todos malucos e fazermos coisas que envergonhariam as nossas mães, escondidos por detrás de uma máscara, e vermos gente coberta de sangue e de vómito a deambular pelas ruas. Em mais nenhuma altura seria minimamente aceitável metermo-nos em festas alheias. Festas com música techno e com robôs a dançar com aliens e zombies sob luzes estroboscópicas e fluorescentes, num turbilhão estranho e confuso, que acho que, a certa altura, meteu um cavalo — não que nada disso me tenha acontecido, sejamos claros. De alguma maneira, acabei a noite a ver o nascer do sol no porto de Lisboa, vestido de enfermeira matrafona, numa clara referência ao clássico das Bikini Kill, sentado junto a um marinheiro e a um vampiro maricas (ok, esta parte aconteceu mesmo, mas só porque, sem ela, o resto do artigo não fazia sentido). Não querendo ser mal-educado, meti conversa com eles e, afinal, o marinheiro era mesmo um marinheiro, não estava mascarado. Era português, mas tinha chegado uns dias antes de um cruzeiro onde era músico e aproveitou o Halloween para vestir a farda e ir festejar com uns amigos (claro que os perdeu algures, durante a noite). Felizmente, o vampiro não era mesmo um vampiro e, como não estava capaz de falar, limitou-se a encostar a cabeça à parede com os olhos semicerrados, enquanto eu via no marinheiro, estranhamente sóbrio e sorridente, uma boa oportunidade para me manter acordado e ir reunindo forças para, eventualmente, apanhar o comboio para casa. Ele lá aceitou contar-me umas histórias, mas não me disse o seu nome. VICE: Então, és marinheiro? Conta lá isso.
Marinheiro: Ya, passei 11 meses no mar. Sou músico a bordo de um luxuoso navio cruzeiro, que recebeu passageiros de quatro nacionalidades distintas. Trabalhei, aprendi, cresci e fiz amigos num mundo limitado ao espaço do navio, onde trabalhavam comigo cerca de 200 pessoas de 20 diferentes nacionalidades. Visitei quatro continentes, 32 países e muitas, muitas cidades. Um ano que nunca vou esquecer. Vamos com calma, não estamos num anúncio. Como é que te meteste nisso?
Pá, estive p'rai três meses num navio mais pequeno, no Mediterrâneo. Serviu de "aquecimento" para esta época. Isso não é muito tempo mareado? Ainda consegues andar sem ser aos balanços? Como é essa transição quando voltas à tua vida normal?
É muito tempo, sem dúvida. Quando cheguei não sabia quais eram as chaves de casa, ou onde eram os interruptores da luz. Nos primeiros tempos, quando estava a arrumar coisas, tinha o cuidado de o fazer de forma a que estivessem seguras no caso de a casa balançar. Sentia-me um alien! Não te preocupes, eu também sou assim quando estou bêbedo. E no cruzeiro, como era a vida? Era tipo o Love Boat, com gente com sorrisos de plástico e cabelos a esvoaçar?
Era parecida. Havia bastantes sorrisos de plástico, até porque os passageiros eram, em grande maioria, pessoas com idade avançada e com dinheiro, o que normalmente resulta em cirurgia plástica, dentaduras e coisas do género. Ei, já sabíamos que cruzeirar está ao alcance de toda a gente. Como te inserias com essa gente toda e como eram os teus dias?
Trabalhando como músico a bordo, grande parte da minha rotina consistia em ensaiar e tocar. Basicamente, seguia um programa de bordo diário, que dizia onde e quando iria tocar. Todas as noites fazíamos um espectáculo diferente com todos os artistas a bordo, para além de sets de música para dançar, cocktails, festas temáticas, piano bar, etc. Não estando a ensaiar ou a tocar, podia curtir o meu tempo livre no porto em que estivéssemos. Isso deve ser do melhor! Qual foi o teu porto preferido e que asneiras é que lá fizeste?
Bali, na Indonésia. Pelo clima tropical, as pessoas, a comida. Foi um sítio que ainda visitei algumas vezes e onde toda a gente aproveitava para relaxar… ou curtir a sério! Pela beleza natural, tenho de destacar os Fiordes da Noruega e os nossos Açores! Quando às asneiras, prefiro guardá-las para mim. Oh, vá lá, é para elas que cá estamos! Deves ter o baú cheio de histórias.
Além do tipo a quem dei cinquenta euros para me ir buscar erva a Cabo Verde e que nunca mais voltou? A mim podes contar de tudo.
Cena gira: havia um sérvio a bordo que estava sempre com os copos. Imagina a figura dele perante os passageiros. Um dia, o gajo foi finalmente despedido. Passou-se completamente e saltou do navio. Felizmente, estávamos num porto, na Albânia. Ainda houve um aparato enorme, ambulâncias e bombeiros e tudo, mas acho que ficou tudo bem. Ei, acho que vi isso uma vez num filme qualquer!
Não é tão épico como aquele tipo que virou o navio ao contrário, mas pronto. E gajas? Viajaste pelo mundo, deves ter um currículo impressionante.
Agora sou responsável, enamorei-me por uma rapariga italiana, bailarina. Coisas que acontecem quando um tipo está fechado dentro de um barco e há álcool a bordo. Uma cena bem romântica, estou a ver! E quê, levaste-a para a beira do barco, tipo Titanic, e depois fizeram o amor num coche?
Algo do género, mas no backstage. Rói-te de inveja, Di Caprio.