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Uma Milícia Líbia Está Detendo Migrantes Ilegais no Zoológico de Trípoli

Em princípio, a brigada de Suleiman deveria proteger somente o zoológico, mas a tentativa de migração de Trípoli para a Europa é tanta que eles tiveram de tomar frente e fazer batidas em barcos cheios de migrantes ilegais

Said Ben Suleiman e os macacos-aranha.

Said Ben Suleiman observa os macacos-aranha do zoológico de Trípoli, perdido em pensamentos. Ele costumava ter uma das milícias mais confortavelmente posicionadas de toda a Líbia, mas agora seu trabalho fica cada dia mais exigente.

No começo da revolução líbia, em 2011, a brigada de Suleiman – que pertence à unidade de combate ao crime do Ministério do Interior – estava posicionada no zoológico de Trípoli para garantir a segurança dos animais. Era uma existência sossegada, comparada à dos outros papéis de segurança na cidade; enquanto outros combatiam traficantes e interrogavam supostos espiões, os homens de Suleiman passavam a maior parte do tempo ajudando os tratadores com os animais. Mas a crise de migração na Líbia piorou, o mandato de sua brigada se expandiu para incluir imigração e os tempos de trabalho descontraído rapidamente chegaram ao fim.

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Agora, Suleiman e seus homens estão encarregados de uma cela num dos escritórios desocupados do zoológico e fazem batidas frequentes em barcos cheios de migrantes, que tentam partir das praias de Trípoli para a Europa. Diferente de muitos milicianos na Líbia, Suleiman usa roupas civis e não carrega uma arma à vista. Depois dos macacos-aranha, Suleiman nos mostra os leões e uma raposa que parece já ter visto dias melhores. Ele nos conta como um dos tigres brancos adoeceu e como um dos membros de sua brigada ficou três dias com um camelo, agindo como parteiro, para ajudar num parto difícil. Esses não são comentários que você normalmente associaria a milicianos líbios armados até os dentes, aqueles das fotos que costumam pipocar na mídia ocidental.

Suleiman leva um tempo nos mostrando cada jaula, e seu humor parece melhorar enquanto entramos cada vez mais fundo no zoológico. Parece que somos uma pausa bem-vinda nas dores de cabeça cotidianas de lidar com o fluxo interminável de refugiados e migrantes que passa por Trípoli.

Um dos membros da milícia de Suleiman com os leões do zoológico.

Centenas deles passam pelo quartel-general da brigada de Suleiman toda semana, e ele diz que o problema só piora. “O aumento é inacreditável”, diz Suleiman. “Parece que toda vez que deportamos dez migrantes, cem outros entram no sistema. Isso porque não há ninguém vigiando as fronteiras. É fácil voltar a entrar.”

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De acordo com a ONU, o número de migrantes saindo da Líbia em barcos com destino à Europa aumentou seis vezes no último ano, com 4.619 saindo daqui em setembro, comparados com 775 no mesmo mês do ano passado. A Frontex, uma agência da União Europeia, diz que o país se tornou o  ponto intermediário “favorito” dos migrantes que querem chegar à Europa, com pessoas viajando milhares de quilômetros para poder fazer a viagem de barco que parte da costa líbia. Os milhares de detidos trancafiados nos vários centros de detenção da Líbia pertencem às mais variadas nações, como Síria, Mali, Chade, Níger, Somália e Egito.

O influxo é somente um dos muitos sintomas que afligem a Líbia na reconstrução fracassada após a revolução. Nos dois anos desde que a guerra civil de 2011 acabou, o país ainda não conseguiu criar uma força de segurança efetiva, nem concordar com uma constituição. A segurança nas fronteiras é praticamente inexistente na região sul do país e milícias ideológicas controlam agora vastas porções do território líbio.

E mesmo que o caos seja uma causa de desespero para a maioria dos líbios, a confusão administrativa é uma oportunidade de ouro para gangues especializadas em contrabando de pessoas. No bloco de detenção do zoológico, encontramos 17 presos entediados. Os sortudos se espremiam num par de sofás gastos e os outros se sentavam no chão, nos cantos da sala.

Cada um recebeu uma lata de Pepsi Max e uma garrafa pequena de água. Todos foram barrados em vários postos de controle por patrulhas rondando a área naquele dia e pareciam estar em boa saúde. Suleiman diz que os detidos geralmente não são mantidos aqui durante a noite e que, no final do dia, eles são libertados ou mandados para outro centro de detenção.

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Um dos muitos migrantes no centro de detenção do zoológico de Trípoli.

Para aqueles mandados para diferentes centros de detenção, há uma grande chance que sua situação se torne bastante desagradável. No começo do ano, a Anistia Internacional visitou sete centros de detenção de migrantes na Líbia. Durante a viagem, eles descobriram que pessoas que procuravam asilo e refugiados legítimos eram detidos sistematicamente por períodos indefinidos, e encontraram evidências de tortura e maus-tratos. Os detidos contaram a Anistia que eram espancados com mangueiras e cabos elétricos, e em dois dos centros havia relatos de detidos baleados durante rebeliões.

No zoológico, dois ganeses disseram ser trabalhadores migrantes legítimos, mas que não estavam com seus documentos quando foram pegos pela patrulha. Suleiman disse que eles provavelmente seriam libertados quando o chefe deles aparecesse com os documentos. Outros disseram que pagaram contrabandistas para chegar até a costa mediterrânea da Líbia. Esses se preparavam para ser transferidos para outros centro de detenção e, por fim, deportados.

Um migrante chamado Abdulrahman Ali disse ter pago aos contrabandistas o equivalente a £250 (por volta de R$889) para que eles o levassem através do Saara na traseira de uma caminhonete. A viagem do Níger até Sebha, a maior cidade do sul da Líbia, levou quatro dias e chegando lá, ele teve que pagar uma quantia similar a outra gangue para chegar a Trípoli.

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Outro detido disse ter pago o equivalente a £630 (por volta de R$2.240) para ser levado do Egito até Trípoli. Para aqueles que querem continuar a jornada até a Europa, o preço é mais salgado. De acordo com Suleiman, a perigosa viagem de  barco da Líbia até a Itália custa $5.000 (quase R$11 mil), e em geral acontece num barco superlotado e pilotado por um capitão inexperiente. Só neste mês, centenas de migrantes morreram tentando a jornada. No dia 3 de outubro, 359 pessoas morreram quando um barco naufragou na costa da Lampedusa e 34 se aforaram nas águas de Malta alguns dias depois. Os dois barcos tinham partido da Líbia.

Uma leoa do zoológico de Trípoli.

“É impossível pegar os contrabandistas”, explica Suleiman enquanto voltamos a seu escritório. “Eles pegam o dinheiro e mantêm distância – eles nunca estão na cena quando realizamos uma batida.”

Suleiman e seus homens seguem as dicas de moradores locais que veem barcos suspeitos saindo das praias próximas e, às vezes, detêm mais de 150 imigrantes numa única batida. Ele diz que a situação é insustentável e que o grande número de migrantes invadindo o país já sobrecarrega os oficiais incumbidos de cuidar do problema.

“Às vezes, vemos os mesmo migrantes ilegais sendo pegos pelas patrulhas de rua duas vezes num único mês”, ele diz. “Não faço ideia de como eles conseguem voltar às ruas.”

A série recente de acidentes marítimos levou o primeiro-ministro italiano, Enrico Letta, a declarar que não permitirá que o Mediterrâneo se torne um “mar da morte”. Tanto Letta quanto o primeiro-ministro de Malta, Joseph Muscat, pediram mais fundos a União Europeia e que o problema seja discutido na próxima reunião do Conselho Europeu, marcada para 24 de outubro.

Sentado no escritório do zoológico, Suleiman reflete sobre a possível intervenção por trás de pilhas de papelada e documentos de identificação. Ele não está otimista, mas diz que qualquer esforço externo seria bem-vindo. “Precisamos de aviões, barcos e veículos off-road”, ele diz. “Se conseguirmos ajuda suficiente, talvez possamos fazer este lugar voltar a ser um zoológico normal.”

Siga o Wil no Twitter: @bilgribs