O fotógrafo Doug Rickard provavelmente é mais conhecido por sua série A New American Picture, onde ele recriou imagens do Google Street View, resultando num retrato sombrio das ruas desconhecidas e geralmente desoladas da paisagem norte-americana.Seu novo projeto, N.A., segue por um caminho parecido – Rickard passou horas assistindo vídeos amadores das profundezas do YouTube e recriando os momentos mais impressionantes que encontrou. Os frutos desse trabalho serão exibidos na Little Big Man Gallery, Los Angeles, de 19 de setembro a 31 de outubro, com uma recepção de inauguração no sábado, das 19 às 21 horas.
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Falei com o artista recentemente para saber como a ideia do projeto surgiu.VICE: Que momentos especificamente você estava procurando quando assistiu todas essas filmagens do YouTube?
Doug Rickard: Comecei N.A. em 2009, por volta da mesma época em que comecei A New American Picture, mas decidi focar no projeto do Street View primeiro (de 2009 a 2011) e depois passar para N.A. (de 2011 a 2014). Nos dois projetos, comecei com nomes de cidades americanas e depois fui ficando mais granular [nas buscas]. Na faculdade de história, estudei o movimento dos Direitos Civis, Jim Crow, segregação, escravidão e outros terrenos relacionados ao passado dos EUA. Esse terreno me deixou uma impressão forte e realmente alimentou o que eu estava explorando como artista – cidades impactadas pela devastação socioeconômica, violência, encarceramento em massa, brutalidade policial, divisões sociais, injustiça e outros desafios. Então esses "momentos" nos dois projetos vieram principalmente de buscas por cidades: [escolhi] Detroit, Chicago, Memphis, Miami, Houston, Watts, New Orleans como pontos inciais, depois fui em direção a chaves de busca relacionadas (no YouTube) ou mapas de navegação (no Street View). Procuro momentos que falam comigo esteticamente e temas maiores – imagens cheias de subtexto e também provocativas, transgressoras, etc.
Doug Rickard: Comecei N.A. em 2009, por volta da mesma época em que comecei A New American Picture, mas decidi focar no projeto do Street View primeiro (de 2009 a 2011) e depois passar para N.A. (de 2011 a 2014). Nos dois projetos, comecei com nomes de cidades americanas e depois fui ficando mais granular [nas buscas]. Na faculdade de história, estudei o movimento dos Direitos Civis, Jim Crow, segregação, escravidão e outros terrenos relacionados ao passado dos EUA. Esse terreno me deixou uma impressão forte e realmente alimentou o que eu estava explorando como artista – cidades impactadas pela devastação socioeconômica, violência, encarceramento em massa, brutalidade policial, divisões sociais, injustiça e outros desafios. Então esses "momentos" nos dois projetos vieram principalmente de buscas por cidades: [escolhi] Detroit, Chicago, Memphis, Miami, Houston, Watts, New Orleans como pontos inciais, depois fui em direção a chaves de busca relacionadas (no YouTube) ou mapas de navegação (no Street View). Procuro momentos que falam comigo esteticamente e temas maiores – imagens cheias de subtexto e também provocativas, transgressoras, etc.
Isso parece uma progressão natural de A New American Picture, mas a diferença é que muitos desses temas são imagens promocionais das próprias pessoas no YouTube. O que muda quando as pessoas sabem que estão sendo filmadas?
Por causa dessa dinâmica, usei escuridão, sombras, filmagens de baixa resolução, etc. para obscurecer a identidade dos temas. O Google faz isso no Street View com algarismos, borrando os rostos. Além disso, o trabalho lida com questões maiores e os temas se tornam arquétipos, não pessoais ou específicos. Isso é importante porque isso não é um conto pessoal, mas uma história com implicações maiores.
Por causa dessa dinâmica, usei escuridão, sombras, filmagens de baixa resolução, etc. para obscurecer a identidade dos temas. O Google faz isso no Street View com algarismos, borrando os rostos. Além disso, o trabalho lida com questões maiores e os temas se tornam arquétipos, não pessoais ou específicos. Isso é importante porque isso não é um conto pessoal, mas uma história com implicações maiores.
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O projeto introduz um elemento de áudio sobre os trechos reais que você usou para o livro de fotos. Como é ouvir milhares de YouTubers amadores? O comunicado à imprensa descreve isso como "música cultural", e fiquei curiosa com como você chegou ao termo.
O termo vem do que percebi como uma "sinfonia" ou coro da "música" cultural americana – música lidando com a experiência norte-americana (uma que escolhi mostrar) e grandes partes da cultura se movendo. N.A. é abreviação para "nacional anthem" e também "Not Applicable" [Não Aplicável] dos formulários. Meu áudio na instalação de vídeo da exposição é o hino nacional, uma versão gravada pelo Exército Americano desacelerada até o ponto de não poder ser reconhecida. No livro, as vozes dos vídeos do YouTube se tornam como um poema.
O termo vem do que percebi como uma "sinfonia" ou coro da "música" cultural americana – música lidando com a experiência norte-americana (uma que escolhi mostrar) e grandes partes da cultura se movendo. N.A. é abreviação para "nacional anthem" e também "Not Applicable" [Não Aplicável] dos formulários. Meu áudio na instalação de vídeo da exposição é o hino nacional, uma versão gravada pelo Exército Americano desacelerada até o ponto de não poder ser reconhecida. No livro, as vozes dos vídeos do YouTube se tornam como um poema.
Como você pulou das cidades tagueadas para temas de busca mais sombrios, como "Garota Branca Desmaiada" e "Brutalidade Policial"?
Em N.A., notei que certos "silos" de conteúdo emergiam no YouTube relacionados a buscas por cidades e procurei por uma estética nisso. No meu trabalho, a estética visual é o cerne, um fio que une pedaços disparatados – luz, sombra, cor, humor. Logo comecei a ver que buscas por palavras-chave rendiam grupos maiores (com os resultados limitados a vídeos amadores). Por exemplo, "crackeiro de Memphis", "abuso de poder Dallas", "Oakland secundária", "tours pelos bairros de Miami" ou "brigas de gangue em Cleveland" rendiam milhares e milhares de vídeos. Essa dinâmica moldou N.A., já que um elemento mais tenso da rede social emergiu. Os vídeos postados geralmente eram predatórios e visavam angariar "likes", "assinaturas" e "comentários". As pessoas provavelmente estavam pagando um dólar para que pessoas de rua dançassem ou para socá-las – ou pessoas filmando garotas bêbadas sendo rabiscadas com canetinha, corridas ilegais de rua, espancamentos realizados pela polícia. Se uma briga acontecia, todo mundo pegava o celular e começava a filmar. Busquei imagens que emergissem dessas centenas de clipes – imagens e trechos de vídeos que pudessem contar histórias – histórias lidando com cultura, política, raça, classe, economia, gênero, impotência – e também tecnologia, vigilância e até a fotografia como meio em si, tudo fazendo parte desse diálogo.
Em N.A., notei que certos "silos" de conteúdo emergiam no YouTube relacionados a buscas por cidades e procurei por uma estética nisso. No meu trabalho, a estética visual é o cerne, um fio que une pedaços disparatados – luz, sombra, cor, humor. Logo comecei a ver que buscas por palavras-chave rendiam grupos maiores (com os resultados limitados a vídeos amadores). Por exemplo, "crackeiro de Memphis", "abuso de poder Dallas", "Oakland secundária", "tours pelos bairros de Miami" ou "brigas de gangue em Cleveland" rendiam milhares e milhares de vídeos. Essa dinâmica moldou N.A., já que um elemento mais tenso da rede social emergiu. Os vídeos postados geralmente eram predatórios e visavam angariar "likes", "assinaturas" e "comentários". As pessoas provavelmente estavam pagando um dólar para que pessoas de rua dançassem ou para socá-las – ou pessoas filmando garotas bêbadas sendo rabiscadas com canetinha, corridas ilegais de rua, espancamentos realizados pela polícia. Se uma briga acontecia, todo mundo pegava o celular e começava a filmar. Busquei imagens que emergissem dessas centenas de clipes – imagens e trechos de vídeos que pudessem contar histórias – histórias lidando com cultura, política, raça, classe, economia, gênero, impotência – e também tecnologia, vigilância e até a fotografia como meio em si, tudo fazendo parte desse diálogo.
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Que papel a raça tem nesse projeto e em A New American Picture?
Acho que nos dois projetos, a noção de raça nos EUA está ali e interpretando um papel significativo – junto com classe e socioeconomia. Somos uma nação de extremos – economicamente somos radicalmente divididos em termos de distribuição de riquezas; racialmente somos chocantemente separados – especialmente quando vemos comunidades brancas e comunidades afro-americanas; politicamente estamos num impasse e atolados numa espécie de pântano de oposição, socialmente somos estratificados, baseados em economia, raça e outros critérios. Tanto N. A. como A New American Picture lidam com esse maquinário brutal e as implicações disso entrelaçadas ao tecido da nação. Os projetos são arte, não um documento (se é que isso realmente existe em fotografia), então os tópicos (se tópicos realmente existem na arte) são imprecisos e às vezes opacos, mas o tema está ali. Raça não pode ser separada desse diálogo.Veja mais fotos de N.A. abaixo.Doug Rickard é um norte-americano de 47 anos que trabalha como fotógrafo e curador. Ele também é o fundador do American Suburb X.
Acho que nos dois projetos, a noção de raça nos EUA está ali e interpretando um papel significativo – junto com classe e socioeconomia. Somos uma nação de extremos – economicamente somos radicalmente divididos em termos de distribuição de riquezas; racialmente somos chocantemente separados – especialmente quando vemos comunidades brancas e comunidades afro-americanas; politicamente estamos num impasse e atolados numa espécie de pântano de oposição, socialmente somos estratificados, baseados em economia, raça e outros critérios. Tanto N. A. como A New American Picture lidam com esse maquinário brutal e as implicações disso entrelaçadas ao tecido da nação. Os projetos são arte, não um documento (se é que isso realmente existe em fotografia), então os tópicos (se tópicos realmente existem na arte) são imprecisos e às vezes opacos, mas o tema está ali. Raça não pode ser separada desse diálogo.Veja mais fotos de N.A. abaixo.Doug Rickard é um norte-americano de 47 anos que trabalha como fotógrafo e curador. Ele também é o fundador do American Suburb X.
Tradução: Marina Schnoor