Guia Noisey para abrir um espaço underground
Worst Gift no Soybomb. Foto: Cortesia de Becky Martyn

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Música

Guia Noisey para abrir um espaço underground

Conversamos com alguns proprietários de espaços underground para obter sabedoria sobre como abrir um lugarzinho secreto.

Esse artigo foi originalmente publicado no Noisey Canadá.

Quer saiba você disso ou não, a sua cidade precisa desesperadamente de um espaço musical underground. Seja um galpão, uma casa punk ou algum outro tipo de espaço estranho e de uso misto, os espaços não-tão-dentro-da-lei são a força vital que faz a música ir para a frente. Desde lugares de punk e hardcore até instalações de noise e raves na madrugada, os espaços underground ajudaram a definir praticamente tudo o que foi vanguarda na música, desde sempre. Enquanto muitos de nós não damos muito valor a esses espaços quando estamos enrolando baseados na frente de alguma banda local às quatro da manhã de uma quinta-feira, tem gente trabalhando duro nos bastidores para fazer esses lugares acontecerem. E, sem eles, tudo seria pior.

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Dito isso, vocês, jovens com cartões de crédito novinhos em folha e sonhos de grandeza, com certeza deveriam criar um novo espaço underground. Seja lá qual for a sua cidade, quase com certeza se tornará uma cidade melhor, contando com mais um lugar que promova novidades e bizarrices da música. Para guiá-lo em seu caminho (que, alerta de spoiler, não vai durar para sempre), conversamos com alguns proprietários de espaços underground para obter sabedoria sobre como abrir um lugarzinho secreto.

Passo 1: Atenda a uma necessidade

Embora tenha começado como uma série de shows semi-secretos no estacionamento-garagem da universidade Emily Carr, o Emergency Room, de Vancouver, encontrou um espaço num galpão na região leste de Vancouver, e se tornou um dos espaços mais vitais da cidade, incubando a cena noise e proporcionando um espaço para que bandas então novas tocassem – como White Lung, Nü Sensae, e Shearing Pinx. Justin Gradin, cuja banda Mutators era presença certa na época, foi também o cara que assinou o contrato de aluguel do espaço. "Na época, em Vancouver, não havia onde tocar, se você fosse uma banda punk ou de noise", relembra ele. "Havia shows em que a energia literalmente era desligada no meio de uma apresentação, e mandavam todo mundo sair. Nessa época surgiu a oportunidade de ocupar um galpão, e senti que isso era necessário."

Anos depois, inspirados pelo Emergency Room, alguns jovens decidiram abrir o 360 Glen, por motivos semelhantes. "Nenhum dos clubes da cidade estava fazendo o que eu achava que tinham que fazer, no que dizia respeito a música ao vivo e eletrônica", diz o cofundador Brent (ele pediu que não usássemos seu nome verdadeiro). "Nenhum espaço estava disposto a me conceder uma sala em uma noite de final de semana sem cobrar uma taxa graúda e/ou impôr restrições babacas, estéticas e/ou de som."

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Da mesma forma, um promoter em Ontário (cujo espaço atualmente está sendo fechado, então prefere que seu nome e o da casa não sejam usados) disse que fundou seu espaço para atender a um nicho. "Quando percebi que não havia espaços que realmente representavam os meus valores enquanto promoter ou os das bandas que costumo agenciar (punk DIY)", ele explica. "Nenhum espaço em minha cidade apoia eventos para todas as idades, ou a comunidade musical da qual faço parte. Eles dizem que apoiam, mas assim que percebem que o lucro não é tanto, dão para trás."

Já outros fundaram espaços quase que por acidente. Jason Wydra, proprietário do espaço Soy Bomb, de Toronto (é mais uma casa que de vez em quando promove festas com bandas) explica que ele simplesmente queria um espaço que pudesse comportar ele, um bando de companheiros de quarto e um half-pipe. Os shows aconteceram mais organicamente, e ele afirma que o espaço "cresceu de forma não natural". David Mattatall, um DJ de Vancouver e músico, teve um destino semelhante quando fundou seu hoje defunto espaço/loja de discos. "O Zoo Zhop começou como um espaço de ensaios e dormitório para a minha banda, que se separou, então fiquei com um excesso de espaço e de aluguel nas mãos", relembra ele. "Decidi transformar o espaço que tínhamos numa casa que funcionasse em tempo integral, o mais perto possível disso… Então, acho que, se você quer ser forçado a fazer alguma coisa interessante com o espaço, o lance é sobrecarregá-lo."

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Passo 2: Conheça o seu bairro

É óbvio que ninguém quer alugar um espaço no meio de um bairro residencial. O ideal é um lugar que seja isolado dos vizinhos, e no qual não seja impossível chegar. Você também vai ter que se conformar com o que houver disponível. "O lugar nos escolheu, mas, se eu estivesse procurando, teria escolhido alguma coisa numa área industrial", diz Gradin. "Quanto mais genérica a aparência da construção, melhor."

"Era uma localização perfeita na cidade", lembra Mattatall sobre o Zoo Zhop. "Vizinhos? Em frente havia um tribunal, mas o tribunal não se importa se você faz barulho à noite, porque não tem ninguém lá. Ao lado, para o norte, havia um armazém vazio do No. 5 Orange [um strip club de Vancouver], então vai lá saber o que caralhos acontece naquele lugar. Para o sul estava o Don Pottie, um artista incrível que sempre apoiou muito o espaço, e cobria para nós toda vez que a polícia aparecia por lá. Era simplesmente um grande homem. Ele faleceu em 2012. Era um grande homem, com certeza absoluta. O apoio dele como vizinho ajudou muito, disso não há dúvida."

"A localização certa na verdade foi uma confluência de proximidade em relação às pessoas, e distância suficiente de vizinhanças nas quais pudesse haver reclamações", diz nosso amigo secreto de Ontário. "Isso, e um senhorio que parecia de boa com o que poderíamos aprontar." Falando em vizinhos: se você os tiver, não seja um babaca. Como Wydra explica, é importante manter a paz. "Seja um embaixador para com os seus vizinhos", diz ele. "Se houver algum problema, não tenha aquela atitudezinha escrota de dizer: 'vai se foder pra lá'. Tenha aquela atitude do tipo: 'peço desculpas. Como podemos fazer para resolver essa situação?' Compre uma caixa de cerveja para eles, ou corte a grama deles."

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Passo 3: Leia o seu contrato de aluguel

Uma vez encontrado o lugar, o passo seguinte é assinar um contrato de aluguel. Embora essa seja obviamente uma situação que só pode ser resolvida caso a caso, pelo menos não deixe de ler a porra do contrato. Ou, melhor ainda, faça modificações nele. Antes de se mudar para o Zoo Zhop, Mattatall passou um pente fino no contrato de aluguel, para ter certeza de que ele atendia às suas necessidades. "Quando a gente se mudou para lá, ainda como espaço de ensaios, sabíamos que teríamos alguns shows", lembra ele. "Editei o contrato antes de assiná-lo, de maneira que fosse vantajoso para nós caso descobrissem o que estávamos fazendo com o espaço. A gente morava lá, e removi todas as referências a isso ser proibido no contrato. Com a cláusula do incômodo foi tipo, eu mudei de 'ser um incômodo para os vizinhos' para 'ser um incômodo excessivo para os vizinhos'. Simplesmente acrescentei tudo que tornasse o contrato benéfico para nós."

Gradin também morou no Emergency Room por algum tempo, depois de assinar o contrato. "Eu atirava nos ratos com minha arma de espoleta, e [Jeremiah Hayward, que também morava lá] conseguiu o Disney Channel para a gente, usando uma corda como antena". O cara de Ontário cujo nome não mencionamos formou uma empresa de sociedade limitada com seus sócios, cujo nome é listado no contrato como locatária. "Quando você está operando na moita, está meio que pressupondo que há alguma coisa de errado no que está fazendo", diz ele. "E é por isso que fechamos um aluguel que era renovado mês a mês."

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Passo 4: Conheça a Lei

As leis diferem de lugar para lugar. Contudo, dirigir um espaço sem licença inevitavelmente atrairá alguma atenção indesejada da parte dos poderosos. Pelo menos não deixe de estar inteirado das regras. "Se você for abrir um espaço underground/ilegal, saiba tudo o que for possível saber sobre os regulamentos da sua cidade", diz nosso amigo de Ontário. "Saiba como eles podem foder com você, e faça tudo para adiar isso o máximo possível."

"Saiba qual é o seu zoneamento", acrescenta Gradin. "Quando os policiais apareciam no ER, e eu dizia que estava realizando uma função privada, eles sempre verificavam duas coisas: se eu tinha seguranças (não é preciso que seja um profissional, só colocar alguém na porta que pareça um segurança) e qual era o meu zoneamento. Eu estava zoneado como estúdio de gravação/espaço de ensaios, então tínhamos permissão para fazer barulho. Não é caro conseguir isso, e no final vai ser útil."

Como diz Mattatall, a cidade pode ser capaz de acabar com a sua noite, mas é mais difícil para eles fechar de vez o seu espaço. "Se uma cidade realmente quer fechar um espaço, eles têm que levar você para os tribunais", explica ele. "Isso vai custar à cidade dezenas de milhares de dólares, porque advogados custam caro. Então a cidade não vai fazer isso, eu sabia que a cidade não ia fechar o nosso espaço. Eles iriam nos assediar, e a polícia tem seus próprios métodos, mas a cidade não ia nos fechar. Não é uma ofensa passível de prisão, não é nada que a polícia possa te levar para a cadeia. E não é algo pelo qual o promotor possa levar você aos tribunais, acusando de crime. Não é nada. Então tudo o que a polícia pode fazer mesmo é fechar o seu lugar por uma noite."

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Dito isso, se você acabar numa encrenca tal que chegue até os tribunais, não pareça uma porra de um marginal. "Se você for chamado à prefeitura, tente não parecer um cara que dirige um espaço ilegal", explica Gradin. "Uma vez apareci com duas costelas quebradas e um olho roxo, mas estava vestindo camisa social e gravata, e eles me levaram mais a sério. Tinha um outro cara na cidade que dirigia um espaço ilegal e se vestida como um Bart Simpson gótico. Ele sempre pareceu se ferrar muito na mão deles."

Passo 5: Tome cuidado com a birita

O mais provável é o seguinte: as pessoas vão beber no seu espaço. Mais perigoso ainda, você mesmo talvez opte por vender birita. Isso também pode causar sérios problemas, então tome cuidado. "Se você está vendendo bebida ilegalmente, não deixe que te peguem no ato", diz Mattatall. "Mas, para ser sincero, esse também não é nenhum grande crime. É um lance importantíssimo para os espaços que funcionam dentro da lei porque, se eles perdem a licença para vender bebidas alcoólicas, perdem dezenas de milhares de dólares em potenciais vendas de bebida, isso fora as multas. A multa é porque você obteve uma licença para vender e abusou dela. É uma multa enorme dentro da província de British Columbia. Não sou advogado, mas quando se tem um espaço ilegal, não se tem uma licença para vender álcool. Eles não podem tirar a licença, só podem ir atrás do indivíduo que está vendendo a cerveja."

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Devemos enfatizar o ponto de que Mattatall não é um advogado. Mas ele tem outras coisas a dizer: "A província pode fechar os espaços legais porque pode revogar a licença para a venda de bebidas. Nós nunca tivemos licença para vender. Não há revogação. Cabe à polícia decidir se eles querem fazer alguma acusação, mas a polícia não sabe quais acusações são aplicáveis ao caso, se é que há alguma – eles vão levar a sua cerveja embora, talvez. Isso nunca aconteceu conosco, porque nunca fomos pegos. Não seja pego! Não coloque o bar num espaço aberto. Coloque o bar no ponto mais distante possível da entrada. Faça com que seja fácil fechá-lo rapidamente." Se você planeja vender cerveja sem permissão (seu depravado anárquico), esteja ciente das consequências. "Descubra qual é a multa cobrada na sua cidade no caso de venda de álcool", diz Gradin. "Economize esse valor com o dinheiro que conseguir nos shows, e deixe ele sempre guardado num lugar seguro."

Passo 6: Continue na moita, ou não

Depois que você já estiver com o seu espaço funcionando, é quase certeza que ele vai virar point para uma clientela de nicho. E, quando isso acontecer, os jornalistas sedentos vão começar a farejar. Embora seja um tanto irônico mencionar isso nesse artigo, tome cuidado com quem fala, e conheça os limites do que você pode dizer.

Nosso promoter anônimo de Ontário está no processo de desmontar seu espaço, porque jornalistas locais badalaram o lugar, chamando assim atenção demais para ele. "Teve gente que escreveu sobre o lugar, sendo que pedimos que não escrevessem", diz ele. Se ele fosse tentar tudo outra vez, diz que "não teria postado jamais o endereço, e resistido mais aos jornalistas que queriam escrever sobre o espaço."

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Mas, por outro lado, Mattatall obteve sucesso com uma abordagem oposta. Conhecendo seus direitos dentro de Vancouver, ele promoveu abertamente o Zoo Zhop o máximo possível. "Entrei na parada sabendo que eu poderia continuar sendo um pé no saco para sempre, e assim fiz", diz ele. "E o Zoo Zhop era tão na cara. A gente anunciava abertamente. Fomos à Câmara dos Vereadores e eles sabiam o que estávamos fazendo."

Passo 7: Seja teimoso

A atitude de Mattatall foi o principal motivo do Zoo Zhop ter sobrevivido durante todos os quatro anos do contrato de aluguel. "Em todos os erros que cometi, acabamos encontrando um jeito de fazer a coisa funcionar", lembra ele. "Não deixe que os poderosos te ponham para baixo. Seja persistente pra caralho. Descubra quais são as regras, as regras reais em torno das coisas, de modo que você possa ser teimosamente confiante de que o que está fazendo não vai lhe render encrencas demais."

O promoter anônimo de Ontário acrescenta que é necessário se prevenir em cada passo do caminho. "Se o que você faz é ilegal, é só uma questão de tempo até te pegarem, então não deixe de ter uma proteção."

"Não aceite ouvir 'não' como resposta – descubra alguma outra maneira de proceder", acrescenta Wydra. "Se estivéssemos fazendo tudo com as permissões devidas, não existiríamos. Não teríamos como arcar. Seria completamente insustentável. Na verdade nem agora é sustentável de fato, é só um hobby meu, que custa caro. Nunca vou conseguir recuperar os gastos nos equipamentos de áudio com o dinheiro que ganho nos shows." Gradin faz um belo resumo da coisa toda com a sua própria platitude estilo faça-você-mesmo. "Não tenha medo, não fique pensando demais, faça o que der na sua telha."

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Passo 8: Não crie grandes expectativas

Mesmo que tudo esteja correndo bem, você provavelmente não é o fundador do novo ABC No Rio ou CBGB – o seu espaço quase com certeza vai entrar pelo cano, por algum motivo ou outro. "Espere fracassar e perder todo o dinheiro que você está investindo", diz Brent. "Não há como se sentir seguro quando se tem um espaço underground. Um trabalhador informal, estilo aqueles que ficam no estacionamento das lojas de construção esperando alguém que os contrate, tem um emprego mais seguro do que o dono de um espaço underground."

Para Mattatall, o fim do Zoo Zhop simplesmente ocorreu por conta do vencimento do contrato e do senhorio ter dobrado o valor do aluguel. Gradin diz que o Emergency Room fechou durante o último show. "Sofremos algumas invasões, e estávamos todos ficando um pouco exaustos daquela coisa toda de shows, e decidimos fazer uma última festa", lembra ele. "Quando os policiais apareceram, perguntaram o que estava acontecendo, e eu disse 'uma festa particular', e que 'estava tudo sob controle'. O policial aponta para um grupo de adolescentes perto da entrada do ER – um deles está vomitando, enquanto os outros estão bebendo e fumando maconha… Vancouver é um lugar muito cu-de-ferro. Eles querem que você obedeça às regras, pague pelo estacionamento até as dez da noite, e nunca dance. Pensar com a sua própria cabeça dá problema por aqui."

Já que o Soy Bomb funciona como uma coleção de shows caseiros informais, não há muita pressão e as coisas são relativamente tranquilas. "Muita gente comete o erro de tentar dirigir espaços DIY e transformá-los num espaço viável, uma casa dentro da lei, para a qual você possa ter um modelo de negócios", Wydra explica. "Não conheço nenhum lugar, dos que duraram, que tenha tentado fazer isso. Acho que uma das coisas das quais nos orgulhamos no Soy Bomb é que, como não o levamos a sério demais, como para nós isso não é negócio, podemos fazer uma curadoria, e escolher as coisas que nos empolgam mais."

Passo 9: Mude o mundo

Limpar vômito, pedir desculpas aos vizinhos e se esconder de policiais são coisas que podem gerar a sensação de que é tudo um trabalho sem recompensa, porém, em última análise, são esses esforços que mantêm viva a cultura independente. "Isso deixa você pensar que não está inserido num sistema regimentado de fazer as coisas – há uma liberdade", diz Wydra. "Não há leões de chácara, não há última chamada. É mais uma vibe de uma reunião de amigos. Há alguma coisa de especial acontecendo, e não é restrita somente a adultos. Isso causa uma impressão muito funda nas mentes. Causou na minha, e na de centenas de milhares de garotos que estão crescendo na América do Norte e no resto do mundo."

Além de serem facilitadores, estes são também os espaços em que nascem as novas ideias. "São eles que proporcionam tudo!", exclama Mattatall. "Não existe cultura nesses espaços maiores, porque a ideia é de que a cultura é algo bacteriano. É vivo. Os rudimentos de todas as coisas que aparecem nos outros lugares acontecem nesses espaços menores. As grandes mudanças não vêm de cima, vêm de baixo. Vêm de um milhão de pequenos espaços diferentes. E, quando não se tem esse tipo de ambiente, as coisas ficam estagnadas."

Josiah Hughes é um escritor que vive em Calgary – @josiahhughes