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Música

Alkaline Trio: 18 anos, Oito Discos, Quatro Noites, e um Monte de Tatuagens de Coração e Crânio

"Nunca viramos um desses nomes consagrados, mas nosso tamanho bastou para que a banda nos desse uma vida boa pra caralho, algo que nunca imaginamos, e por esse tempo todo."

Certa tarde, um cara de 36 anos, que tem ou a maior sorte do mundo ou deu uma stalkeada pela internet, abordou três homens que matavam tempo numa rua do Brooklyn. Eles apontaram o logo de coração e crânio do Alkaline Trio no peito de seu agasalho preto com capuz, e fizeram um sinal com a cabeça indicando solidariedade. Havia um pouco de vergonha no rosto do sujeito, porque os caras acenando com a cabeça eram Matt Skiba, Dan Andriano e Derek Grant, juntos conhecidos como Alkaline Trio. "Meu nome é Eric, eu vim lá de Austin para ver vocês esta semana", o homem disse. Eric tirou uma foto com os caras, disse que estava empolgado para o show daquela noite e foi embora. "A gente deu cinquentinha para ele vir aqui fazer isso", disse Andriano, com a cara séria. "Fez a gente parecer fodão?"

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O Trio estava na cidade para o Past Live, um evento de quatro noites no Music Hall de Williamsburg no qual a banda tocaria todos os seus oito discos, de cabo a rabo. A banda, agora em seu décimo oitavo ano, trouxera a turnê de shows em série para Los Angeles, Chicago, sua cidade natal, e agora Nova York. "Todo mundo ficou falando: 'Por que vocês não esperaram o aniversário de 20 anos?'", Skiba me explicou. "Bom, porque aí teríamos nove discos. Gosto de números pares. Número ímpar é um negócio que me deixa louco". Dezoito anos realmente parece ser um número razoavelmente par e arbitrário a comemorar, mas também o Alkaline Trio é uma banda razoavelmente estranha.

Em meio a um oceano de sósias punk no final dos anos 90 e início dos 2000, o ALK3 conseguiu se destacar como farinha de um saco diferente, preto e exclusivo, preenchendo o vazio lírico poético deixado após o fim do Jawbreaker, combinado com a imagística macabra primeiramente introduzida no punk rock pelos Misfits (e que rendeu à banda o rótulo de "gótica", que, para bem ou para mal, a perseguiria por anos a fio), e tudo finalizado pela fórmula punk rock de cordas simples, extraída diretamente da era de ouro da Lookout Records. Eles percorreram as fronteiras de diversos gêneros, para se tornar famosos como a mais emo das bundas pop-punk. Ou a mais pop-punk das bandas emo, dependendo de como se encara.

"É um negócio cult, e acho que esse é o atrativo, e o que fez a banda continuar relevante por tanto tempo", disse Skiba sobre os fãs da banda. "Nunca viramos um desses nomes consagrados, mas nosso tamanho bastou para que a banda nos desse uma vida boa pra caralho, algo que nunca imaginamos, e por esse tempo todo. O fato de que a banda nunca se tornou comercialmente viável fez com que continuasse a ser especial."

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Fotos por Rebecca Reed

Quando perguntado o que fez a banda se tornar tão querida dos fãs no início, Andriano, sem hesitar, cita as letras de Skiba. E é difícil discordar. Durante anos, o ALK3 dominou, entre os punks jovens angustiados, o reino daquelas citações que colocávamos nos messengers, com as sagazes metáforas e o estilo peculiar de Skiba fornecendo as emoções. Versos como "crack my head open on your kitchen floor, prove to you that I have brains" ("racho meu crânio no chão da tua cozinha, pra te mostrar que tenho cérebro") se tornaram os hinos clássicos do coração na mão, que ressoou com uma geração de depressivos, ou no mínimo, de gente com o coração partido. O que os fãs talvez não percebam é que muitas das amadas letras surgiram por puro acaso. "Como essa letra por exemplo. Houve um negócio que aconteceu comigo e uma ex-namorada, no chão da nossa cozinha", disse Skiba. "Tem um monte de referências literais que parecem metáforas e que não foram intencionais". Mas, intencionais ou não, a banda pegou. E pegou por um longo tempo.

Porém, ser uma banda por quase duas décadas não é moleza. E, para uma banda que é amada, é ainda mais difícil, com o acréscimo das expectativas geradas e dos gostos dos fãs. "Depois de oito discos, inevitavelmente, vai haver uns que as pessoas gostam mais que outros", diz Andriano. "A gente está fazendo [o Past Live] de maneira que todo mundo possa ouvir algo que goste, e que os empolgue". E assim, a banda não soltou muitas informações sobre quais discos seriam tocados em quais noites, com os ingressos esgotando sem que as listas de músicas sequer fossem anunciadas. Foi uma aposta que obrigou muitos fãs a ir em mais de uma noite, tendo alguns comparecido em todas as quatro.

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No Past Live, o Alkaline Trio fez oscilar a sua discografia como um pêndulo ao longo da semana, com a primeira noite dedicada ao primeiro e ao oitavo discos, a noite seguinte contando com o segundo e o sétimo, depois o terceiro e o sexto, e por fim parando no quarto e quinto discos.

O Past Live englobaria tudo – 18 anos, oito discos, 93 músicas, quatro noites, e um porrilhão de tatuagens de coração e crânio.

Primeira Noite: My Shame Is True e Goddamnit

Abrir a primeira de quatro noites com o disco mais recente, My Shame Is True, foi uma maneira difícil de iniciar a celebração da discografia – tanto para o público como para a banda. Este foi um disco pós-término, que Skiba me conta ter escrito para uma ex que ele estava tentando reconquistar. Ela aparece andando de moto na capa do disco. Os dois continuam amigos, e haviam trocado mensagens naquele mesmo dia. Então é para ele um disco um tanto emocionalmente exaustivo de tocar. E, no caso do público, não foi exatamente uma recepção entusiasmada, sendo um disco que foi lançado há apenas um ano. Eles o trataram com a reverência gentil que obteria uma banda abrindo o show para outra maior. Ou tente imaginar a vibe do público quando um dos grandes experimenta com uma nova música pela primeira vez – mas durante 40 minutos seguidos.

Mas, na verdade, a única coisa que impediu My Shame Is True de ser recebido com uma estridente reação do público foi o tempo. Goddamnit, um disco que os fãs tiveram quase duas décadas para internalizar, passou perto de transformar o lugar num borrão de stagedivers e de gente apontando o dedo. Caso My Shame Is True tivesse sido lançado em 1999, o público também estaria subindo pelas paredes por causa dele. Mas, como temos uma tendência a romantizar o passado, preferindo as músicas que crescemos ouvindo, o público pacientemente esperou que Goddamnit começasse.

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Tocar o primeiro e muito amado disco, Goddamnit, logo após o mais recente, criou uma disparidade ainda maior no público. "É como ver Wilco e Minor Threat", riu Skiba, que escreveu Goddamnit com vinte e poucos anos. "Não estou dizendo que a parte Wilco é ruim. As pessoas cantam junto, mas quando entramos naquelas velhas músicas, que eu em algum momento cheguei a achar meio constrangedoras, as pessoas ficam loucaças. Então nesse mato tem coelho".

O Alkaline Trio mal deixou que o último acorde de My Shame Is True soasse por completo antes de entrar com tudo em "Cringe", a primeira música de Goddamnit, e o público imediata e previsivelmente foi de zero a cem, olhos esbugalhados, cheio de, bem, não surpresa, mas empolgação. "Porra, é o disco mais fácil de tocar. E é o que mais ensandece as pessoas", me disse Skiba. "É um piquenique no parque. Foi por causa desse disco que tudo aconteceu".

No bis, a banda tocou "Warbrain", um lado B que originalmente apareceu na coletânea Rock Against Bush, que não teve sucesso em tirar George W. Bush da presidência, resultando em mais quatro anos de soldados americanos sendo enviados para morrer inutilmente em países estrangeiros, mas ei, pelo menos rendeu essa música.

Segunda Noite: This Addiction e Maybe I'll Catch Fire

Como na noite anterior, a casa cheia educadamente acompanhou com a cabeça o ritmo do disco que abriu o show, This Addiction, na segunda noite, sem elevar demais o nível de energia. Fizeram um pouco de mosh – talvez um mosh de cortesia, e alguns gatos pingados cantaram junto. Mas, assim como na noite anterior, o segundo disco roubou a cena. Quando o This Addiction foi concluído, Skiba, que sabia exatamente o que as pessoas esperavam em troca dos ingressos, perguntou ao público: "Vocês querem ouvir um disco mais antigo?", o que, é claro, foi respondido pelo som de todo mundo mijando nas calças. "A gente fez esse disco cerca de 15 anos atrás, custou talvez uns mil paus. Chama Maybe I'll Catch Fire".

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Quando a banda entrou na primeira música, "Keep 'Em Coming", os stagedivers imediatamente se amontoaram pertinho do palco, como é de praxe. Muito se falou recentemente sobre como o stagediving é o último refúgio dos paspalhos, mas o que muitas vezes se esquece é que a dancinha pré-mergulho que as pessoas fazem no palco é a mais triste exposição do corpo humano que o planeta tem a oferecer. Muitos fizeram o skank e deram passos de dança convulsivos pelo palco antes de se jogarem ou serem atirados. Um cara fez questão de mostrar sua tatuagem de coração e crânio para o público. Para não lhe faltar com a justiça, não deve haver nenhuma igual no mundo inteiro. Quando é que você pode ver tatuagens do ALK3 em shows punk? Nunca. Nem uma vez.

A noite terminou com a última do disco, "Radio", uma das favoritas dos fãs, devido àquela que talvez seja a letra mais famosa da banda: “Shaking like a dog shitting razor blades.” ("Tremendo igual um cachorro cagando giletes.") É outra letra que fez sucesso por acidente. "Eu não inventei isso", explicou Skiba, cujos pais são ambos veteranos de guerra. "Um amigo meu estava contando histórias do Vietnã e contou esse caso de passagem – quando um soldado se encontra em estado de choque, simplesmente tremendo. Então isso foi uma gíria da época do Vietnã que eu nunca tinha ouvido. Todas aquelas letras que são constrangedoras ou chegam perto do humor escatológico… Eu escrevia alguma metáfora que não achava muito boa, mas a coisa funcionava. E caralho, as pessoas amaram, por algum motivo".

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Depois do bis com "My Friend Peter", os fãs foram para o bar no andar de baixo, trocar histórias de guerra do punk rock, a maioria delas começando com: "Lembro de ver o Alkaline Trio em 1998, num lugar desse tamaninho, que…"

Terceira Noite: Agony & Irony e From Here To Infirmary

"Não sei se deu pra perceber nas duas primeiras noites", disse Skiba, sentando no sofá de couro do camarim da banda e amarrando os sapatos para o show da terceira noite, "mas eu tava estressado pra caralho".

Skiba – como muitas, muitas (muitas) das minhas amigas mulheres podem te dizer – é bonitão. O vocalista/guitarrista de 38 anos passou por uma época um tanto sombria pós-divórcio, alguns anos atrás, em que permitiu que as drogas o puxassem para baixo. E isso para não mencionar o projeto paralelo dele, Matt Skiba and the Sekrets, no qual ele se vestia – como descrevo carinhosamente – de Pocahontas gótica. Ou o The Cereal Killers, o projeto de pop-punk para crianças que ele criou com Mark Hoppus por algum motivo. Mas, seja por causa da sobriedade, de sua dieta vegetariana ou de seu hábito de meditar – o que for, ele agora está mais lúcido e mais focado do que nunca, e mal chegou a ficar suado tocando dois discos sem intervalo. Parte da atração cult de Skiba vem do seu pendor para letras sombrias, criando uma persona de artista atormentado, mas os fãs se surpreenderiam ao ver como ele é caloroso e simpático pessoalmente. Ele pode não usar mais o delineador, mas as unhas pretas e o devilock natural em seus cabelos ainda lhe dão aquele ar de bonitão punk que lhe é característico.

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Skiba estava um pouco apreensivo quanto a tocar Agony & Irony naquela noite. "Não é que eu desgoste do disco, só é difícil pra caralho de lembrar", me conta. "Tem umas pontes bizarras, é um disco funky". Andriano, por outro lado, comenta que adora tocar esse disco. "Ficou bem claro pra mim, pelas mídias sociais, que Agony & Irony é o que as pessoas menos gostam", diz ele. "Mas é provavelmente o meu favorito".

Depois de tocar o Agony & Irony "sem fazer merda vezes demais", Skiba disse ao público: "a gente conseguiu! Agora é festa". Uma vez mais, ele sabia o que a plateia esperava ver, e começou From Here to Infirmary.

Infirmary é um favorito dos fãs, e assinalou uma modificação no DNA do ALK3, em 2001. A voz de Andriano se tornou mais comum do que nos dois primeiros discos da banda. O baixista passou a escrever letras também, fazendo a banda superar a base irrequieta sobre a qual Skiba havia construído a carreira da banda, em direção a temas e estruturas musicais mais complexos. A habilidade vocal dele também melhorou drasticamente. "Revisar as músicas para essa turnê foi muito difícil pra mim, porque é simplesmente ruim demais", ele disse sobre seu trabalho vocal no primeiro disco. "Agora, posso executá-las do jeito que deveriam ter sido executadas. Posso fazer harmonias, em vez de, tipo, soltar uns gritos atrás do Matt sem motivo nenhum e em momentos bizarros".

E, no bis, eles tocaram "Hell Yes".

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Quarta Noite: Crimson e Good Mourning

A banda começou o show dessa noite da mesma maneira que havia começado os das outras três: entrando no palco ao som da música "Time in a Bottle", de Jim Croce, cuja letra ressoava: "If I could save time in a bottle/ The first thing that I'd like to do/ Is to save every day till eternity passes away/ Just to spend them with you." ("Se eu pudesse guardar o tempo numa garrafa/ A primeira coisa que gostaria de fazer/ Seria economizar todos os dias até o fim da eternidade/ Só para poder passá-los com você." [Insira aqui a sua própria tentativa insana de interpretar o simbolismo por trás dessas palavras em relação à carreira da banda.

Crimson e Good Mourning, o quarto e o quinto LPs do Alkaline Trio, representam o substancial centro da discografia da banda, e um período particularmente significativo para o baterista Derek Grant, que entrou na banda nessa época, fazendo sua estreia em Good Mourning. "Eu não sabia como inserir a minha personalidade ali", relembrou ele. "Sabia que acabaria sendo o novato que chegou e fodeu com tudo. As pessoas diriam: 'Agora eles estão usando maquiagem e são góticos pra caralho por causa desse sujeito'". (Isso fez com que Andriano lembrasse a todos, com orgulho, de que ele "nunca usou maquiagem".) Mas, em 2005, quando o Crimson foi lançado, Grant se sentia oficialmente em casa no Alkaline Trio, e hoje é difícil imaginar a banda sem ele. Um dos momentos mais pessoais da semana aconteceu na terceira noite, quando ele pegou o microfone antes do bis, e fez com que o público desejasse à sua esposa, que estava de pé no balcão, um feliz aniversário.

Depois de concluir Good Mourning, o último disco da maratona de quatro noites, a banda ainda tinha coisa a botar pra fora. Pouca. Eles abriram mão dos salamaleques que compõem a inútil tradição do bis, e em vez de saírem do palco para ressurgir minutos depois, simplesmente instruíram o público a fechar os olhos e fingir que eles tinham saído do palco. Quando os olhos se abriram, a banda estava tocando "97", a primeira música que escreveram, e uma despedida apropriada e que encerrou o ciclo para as quase duas décadas de Alkaline Trio.

"Obrigado", Skiba disse ao público depois que terminaram. "Do fundo do meu desgraçado coraçãozinho".

Enquanto as pessoas saíam, algumas pegando mais um drinque, eu vi Eric, o texano que por acaso topou com o Alkaline Trio alguns dias antes. Pedi que ele fosse sincero comigo: aquilo tinha realmente sido por acaso, uma sorte extrema, ou ele havia rastreado a localização deles pelo Instagram? "Totalmente aleatório!", respondeu. "Virei uma esquina e lá estavam eles. Nem conheço o Instagram". Acreditei nele. "Bom, e aí, valeu o dinheiro?", perguntei. "Ô se valeu!", disse ele. "Eu teria pago o dobro. Mas não espalha".

Lembra de quando o Dan Ozi disse que amava vocês todos? Bom, esqueçam, ele não ama mais não. Siga-o no Twitter - @danozzi