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Música

A Música Britânica Está Bombando Agora

Durante a semana, mostraremos em uma série de matérias que a música britânica não vive só de Londres, e há muitos tesouros a se descobrir no interior.
Emma Garland
London, GB

Como a maioria dos moradores de Londres, tenho uma relação de amor e ódio com a cidade. Claro que Londres também é o berço da PC Music e o epicentro do grime com diversas opções absurdamente bacanas de shows a semana inteira, mas também é a boca do inferno da indústria musical britânica. Se você já foi a algum show em Londres, provavelmente ele estava lotado, cheio de gente de A&R e coberto por praticamente todos os veículos de imprensa do país. Não sei se você já reparou, mas não existe sol em Londres. A cidade prospera exclusivamente sob o olhar ardente da mídia.

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Mesmo que você vá ver a banda de um amigo, que há pouco teve seu perfil publicado no Radar da NME, você vai passar uns 20 minutos na fila antes de conseguir entrar no pico, e a primeira coisa que irá fazer ao entrar no lugar é gastar dez libras em duas latas de cerveja. Supondo que o pico ainda exista, claro; com o fechamento do Buffalo Bar, Madame Jojo, The Joiners’ Arms e Plastic People nos últimos 12 meses, é bem provável que não role.

É verdade que as melhores e mais íntegras casas noturnas britânicas estão indo pra vala mais rápido que um dançarino de apoio em um clipe do T.I. por todo o país – The Cockpit fechou em Leeds, The Croft em Bristol, Cardiff’s Coal Exchange, todos os Barfly exceto o de Camden – mas no ritmo em que estabelecimentos tradicionais londrinos estão sendo engolidos pela gentrificação ou fechados por conta de leis de licenciamento imbecis é algo genuinamente alarmante. Curiosamente, Londres ficou em quarto lugar na lista da Forbes de cidades com mais milionários em 2015; prova de que tem, rapidamente, se transformado em um playground dos super ricos.

Ainda assim, Londres é amplamente considerada “o lugar para se estar” se você busca uma carreira bem-sucedida na música. As gravadoras forçam as bandas à se mudarem, como se conseguir um apê na Kingsland Road fosse como se despedir da província, em vez de uma parada certeira para destruir qualquer impulso criativo com cocaína e bobajadas mil. Quase toda a imprensa musical britânica está em Londres, então sua ânsia por notícias vai até à capital inglesa, brevemente vagando por aí sempre que rumores de “um novo Oasis” surgem do norte ou alguém começa a fazer um esquema pra rivalizar com a Fabric em Bristol, antes de voltarem. Com a exceção de alguns momentos na história – Madchester, os anos “Merseybeat” de Liverpool, o boom eletrônico de Bristol no começo dos anos 90 – a indústria musical britânica se volta incansavelmente para Londres. Por quê?

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Continua…

Antes de me mudar para Londres, no ano passado, morei em Cardiff por 20 anos e em Bath por três; duas cidades britânicas onde você assistiria a um ou dois excelentes shows por mês, provavelmente no mesmo lugar, e era isso – e você provavelmente ficaria encantado por isso. Encare assim: quando morava em Gales, pegava um ônibus até a estação de trem, um trem para a cidade, andava até o lugar (tudo levava umas duas horas, por motivos de: Gales rural) e então ficava na casa de um amigo porque os trens paravam antes dos shows acabarem. Agora deixo de ir a shows a poucos metros, literalmente, do trabalho, porque sempre tem um show na área e se eu perco não faz diferença porque logo essa galera volta, daqui a poucos meses, em algum festival.

Talvez você consiga ter um saldo melhor em um show londrino, mas a pegada no resto do país é bem diferente. Claro que as coisas mudam dependendo de quem vai tocar e onde, mas já fui até Cardiff ver uma banda que poderia ver em Londres na mesma turnê, simplesmente porque as bandas de abertura da região dirão coisas como A CIDADE ESTÁ DE PONTA-CABEÇA, alguém vai levar uma garrafada e todo mundo vai pra mesma festa na casa de alguém logo depois.

As cenas musicais fora de Londres também têm mais tempo e espaço para se desenvolverem. Dizem que a água nunca ferve quando você fica de olho, mas em Londres não dá pra mijar entre uns carros estacionados sem que milhares de pessoas te vejam, esperando alguma coisa acontecer. Assim que algo nasce dentro dos parâmetros londrinos, a galera cai em cima como se fosse a última bolacha do pacote. Acaba tudo sendo hypado, apalpado e sufocado antes mesmo de ter a chance de se desenvolver naturalmente e virar o melhor que poderia ser. Por isso você encontra uma cena vaporwave crescendo a passos pequenos no underground de Liverpool, uma comunidade psicodélica de evolução gradual em Leeds, ou mesmo o fato do grime ser considerado um lance londrino mesmo com cenas bastante ativas em Birmingham e Nottingham.

Raves a céu aberto em locais marcados no mapa com marcas de cigarro, organizar shows improvisadamente na adolescência, aquela pessoa que todo mundo conhece porque eles vão a qualquer show na região: tudo isso pode e existe em Londres, mas não do mesmo jeito. Da ressurgência do Makina (espécie de techno hardcore espanhol), no Nordeste, a comunidades faça-você-mesmo em Leeds reagindo à medidas de austeridade ao se juntarem, ao caldeirão de locais em Brighton que botam grime pra bombar lá em cima e drillcore no porão – o cenário musical britânico é mil vezes mais vibrante do que aquilo que veio a nos representar comercialmente. Londres pode ter muito ao seu favor em termos mainstream e underground, mas o som do Reino Unido vai além das exportações, formandos da Goldsmith e as gravadoras que os abrigam.

No decorrer desta semana, vamos cair com tudo no estado da música britânica atual com uma série de artigos sobre cenas além da capital inglesa: de casas noturnas fechando à imigração a festas grátis e lendas locais. Confira o conteúdo da série Fuck London, produzida pelo Noisey UK, aqui.

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Tradução: Thiago “Índio” Silva