FYI.

This story is over 5 years old.

Música

A Jornada Chega ao Fim: Adeus Sir Christopher Lee, Defensor do Heavy Metal

Prestamos nossa homenagem ao legado musical deste reverenciado ator, cantor e metaleiro.

No domingo (7), Sir Christopher Frank Carandini Lee, Cavaleiro da Ordem do Império Britânico e Comendador da Venerável Ordem de São João, deixou para trás seu corpo físico aos 93 anos de idade. Lembraremos dele como um ser de outro mundo – vampiro, mago, vilão, lorde pagão – mas seu legado reside firmemente em uma adoração sincera e de vida inteira por seu ofício e o palco em si. Lee se destacou pela primeira vez como militar durante a II Guerra Mundial; após voluntariar-se ao exército finlandês e à guarda nacional britânica, ele encontrou seu lugar como agente de inteligência para a Força Aérea Real e posteriormente como membro das Forças Especiais. Christopher trabalhou ao lado dos Gurkas nos regimentos indianos, escalou o Vesúvio três dias antes de sua erupção, caçou criminosos de guerra nazistas e, em linhas gerais, construiu uma interessantíssima história pessoal antes mesmo de botar os pés no teatro. Ao retornar de seus deveres militares, ele buscava um emprego que o satisfizesse, eventualmente voltando-se para o amor de sua infância – atuar.

Publicidade

Em 1947, Christopher teve sua estreia cinematográfica (Corredor de Espelhos) e passou a década seguinte participando de mais de 30 filmes como figurante. Quando a Hammer chegou com tudo em 1957 e o contratou para interpretar o monstro de Frankenstein, era sinal de uma mudança em sua carreira; assim que lhe foi oferecido o papel de Drácula, nascia uma lenda. Dali em diante, o ator fez muitos, muitos filmes de terror ao longo de duas décadas, incluindo a obra-prima do horror cult O Homem de Palha – que Lee citava como o melhor filme que já fez – em 1973. Depois disso, o ator tirou uma folga de interpretar monstros e foi vilão em um filme de James Bond (Francisco Scaramanga em 007 Contra o Homem Com a Pistola de Ouro), participou de vários filmes de Tim Burton, além de dar vida a incontáveis outros personagens no cinema e televisão. Sua carreira sofreu um leve baque ao receber o papel do tempestuoso mago Saruman na trilogia O Senhor dos Anéis e Conde Dooku em vários filmes de Guerra nas Estrelas, mas sua popularidade que aos poucos retornava bombou com suas primeiras declarações em apoio a um de seus gêneros musicais favoritos – o heavy metal.

Há muito tido como excelente cantor com diversas apresentações clássicas e operísticas, a voz profunda e ressonante em tom basso profundo de Lee havia aparecido em vários filmes e obras musicais (incluindo seu desempenho brilhante como Lorde Summerisle em O Homem de Palha, em que interpretava a canção folk de Paul Giovanni “The Tinker of Rye”) bem como em um disco de ópera próprio, Revelation.

Publicidade

Como é de se esperar de um ator e cantor de ópera renomado, quando Christopher resolveu entrar no mundo do metal, ele chegou com tudo e aumentou o nível da parada. Em 2005, Lee já tinha usado sua voz para empreitadas mais pesadas com seu característico zelo. Primeiramente, ele participou como vocalista convidado na faixa “Magic of the Wizard’s Dream”, single da instituição do power metal italiano Rhapsody of Fire, então atuou como narrador em diversos de seus discos. Ele também trabalhou junto com o Manowar – a banda de heavy metal mais exagerada do mundo – e com Inner Terrestrials, com quem fez uma versão metálica da Canção do Toreador da ópera Carmen em 2006. Anos depois, Christopher recebeu o título de cavaleiro por seus diversos serviços prestados à arte dramática e à caridade.

O ator também lançou vários discos solo, todos voltados para a sonoridade bombástica do metal sinfônico pela qual Lee mostrava entusiasmo sincero. Ele também lançou dois discos de metal puro e simples tomando como temática uma figura histórica sedenta por sangue – seu conhecido ancestral Carlos Magno, Rei do Sagrado Império Romano, cujo nome agracia os discos Charlemagne: By the Sword and the Cross e 2013's Charlemagne: The Omens of Death, lançados em 2010 e 2013, respectivamente. Este último (cabe lembrar que foi lançado quando Lee tinha 91 anos) contava com a participação do deus da guitarra e integrante do Black Sabbath Tony Iommi, com quem havia se dado bem após Iommi ter confessado que a atuação de Lee como Drácula o fez buscar um caminho mais obscuro com sua música. Iommi também foi o responsável por entregar a Lee o prêmio Spirit of Metal, da revista Metal Hammer, em uma cerimônia em 2010, e é legal imaginar ambos de rolê trocando ideia de riff e histórias de guerra na indústria do entretenimento (ou guerra mesmo, no caso de Lee).

Publicidade

Lee não se interessava somente por furar uns saxões. Ele também prestava homenagem aos seus ídolos literários, como visto em seu EP de 2014, Metal Knight (inspirado em Don Quixote), além de dar vazão às suas inclinações mais joviais com a série A Heavy Metal Christmas. Muitas das faixas de seus EPs de metal natalino caíram nas graças dos tops da Billboard britânica, começando com “Jingle Hell”, em 2012 (que chegou ao 22º lugar), tornando-o o artista vivo mais velho a entrar nas paradas.

Suas empreitadas no metal – “metal sinfônico”, como ele tomava o cuidado de enfatizar – no geral foram recebidas com incredulidade por parte da mídia em geral, mas como pode-se ver, ele se negava a permitir que repórteres fizessem gato e sapato de seu gênero de escolha. Christopher concedeu dezenas de entrevistas sobre seus EPs Heavy Metal Christmas e sobre sua carreira solo, e em cada uma, suas respostas calculadas sinceras faziam com que os jornalistas parecessem ridículos ao questioná-lo.

Claro que Saruman curte Rhapsody, claro que o Lorde Summerisle curte Manowar, e até o bendito o Drácula é atraído pelo lado mais trevas da música. Da ópera e música clássica ao metal sinfônico a distância não é tão grande, e com certeza o envolvimento de Lee conferiu ao metal um certo verniz de respeitabilidade. Ele era nosso defensor, e amávamos o cara por isso.

Que ele adentre Valhalla com um sorriso no rosto e uma espada em punho.

Tradução: Thiago “Índio” Silva