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Música

O Que os Filmes de Tom Waits Me Ensinaram Sobre Estilo

Suponho que os filmes de Tom me educaram a respeito de estilo tanto quanto suas músicas me ensinaram sobre queijo quente: não aprendi muito, mas me diverti bastante como espectador.

Se um monte de publicitários houvesse decidido criar uma personificação do Século XX Norte-Americano, um avatar tanto da cultura popular quanto do barulhento motor do destino manifesto, Tom Waits poderia ser o grisalho resultado. Chiando como um cano d’água estourado, rosnando para todos os cães de rua, picapes envelhecidas pelo sol e garrafas de Coca-Cola quebradas, bêbado em busca do sonho, sua música arranha a porta dos fundos de uma casa de pórtico e cerquinha branca. Seu vocal tende a dividir opiniões: ou você ama, como eu, pelo som de um homem gritando e fazendo baladas com as próprias tripas, ou ainda você o acharia tão atrativo quanto um bebê urrando e colocando as suas tripas pra fora enquanto arrastam suas pequenas unhas em um quadro negro.

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De qualquer forma, a música de Waits é visceralmente evocativa de uma fatia em especial da cultura americana, em um grau comparável somente à de Springsteen, sua contraparte da Costa Leste. Quando se ouve qualquer um dos dois, praticamente pode-se tocar no jeans azul, sentir os assentos de couro, e sentir o cheiro de gasolina derramada no asfalto. Nunca se está longe de um posto de gasolina. Mas hoje não focaremos no Waits músico, mas sim no Waits enquanto ícone de estilo, tomando seus filmes como referência, pois em mais de trinta anos de carreira, Waits acumulou uma filmografia impressionante, desde Vidas Sem Rumo a Drácula de Bram Stoker a Sete Psicopatas e um Shih Tzu a Paixão Suicida.

A primeira coisa que se nota ao espiar Tom Waits entrando de mansinho na cena de um filme é que se trata mesmo de Tom Waits, o personagem das músicas, tanto quanto se não mais que o personagem que ele deve representar.

Pode-se imaginar a legião de estilistas, cabelereiros e maquiadores olhando para a vacilante e surrada sombra que Waits projeta e decidindo então que, do jeito que ele é, seria perfeito para interpretar aquele cara que vive no bar, um vagabundo ou mendigo gentil. Porque seja lá quem for que coloque Tom Waits no elenco de seu filme está escolhendo Tom Waits, e sabe que ele aparecerá no set vestido assim:

Waits aparentemente pilotando um helicóptero em Brincando nos Campos do Senhor.

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Ou assim:

Você estará contratando um integrante adulto e artisticamente desgrenhado do bando de Peter Pan e os Garotos Perdidos. Ou talvez um elfo azarado que agora mergulha em lixeiras e dorme embaixo de túneis de autoestrada.

Em suma, ele não é bem um ator de personagens, mas um personagem cuja performance até então tem durado uma vida inteira – de crooner de bar preservado em uísque a rato do deserto desidratado. Um homem que passa tempo, se você acreditar em suas lorotas e vertiginosas lendas, acelerando entre lixões em sua perua com painéis de madeira. (Encontrei Waits uma vez e me entristece relatar que um Lexus utilitário preto modelo 2010 era seu veículo de escolha).

O mais próximo que Waits já chegou de ser respeitado foi um filme dos anos 90, A Chave do Enigma, a confusa sequência de Jack Nicholson para o incrível filme de macho de Polanski Chinatown (protagonistas dirigindo filmes não é nem de longe uma boa ideia, penso eu), em que ele tinha esta aparência: um detetive de filme menos esfarrapado que o normal.

Quando falo em respeitável, talvez eu queira dizer parecido-com-um-dos desenhos em Uma Cilada Para Roger Rabbit (Parabéns ao homem fumando um charuto em traje de gala pelo photobomb).

Todos os outros personagens interpretados por Waits são figuras anti-establishment desequilibradas, queixando-se ativamente do sistema (ver Heróis Muito Loucos, Drácula de Bram Stoker, Domino: A Caçadora de Recompensas) ou então um daqueles que já caíram através das rachaduras da indiferença social (Entre Amigos, Paixão Suicida, O Pescador de Ilusões). Então suponho que os filmes de Tom me educaram a respeito de estilo tanto quanto suas músicas me ensinaram sobre queijo quente: não aprendi muito, mas me diverti muito como espectador.

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Vejamos então as séries de Waits em oferta. Disponível em diversos sabores arquetípicos.

ARQUÉTIPO 1: O LOUCO DE OLHAR SELVAGEM

Tom vive este papel, ele sai da pista como um homem que abandona a pista e usa seus esquis para caçar, se jogando, deliberadamente na loucura. Com um elenco de gente seriamente perturbada, Earl Piggot, em Short Cuts – Cenas da Vida não é o pior. Ele é só um motorista de limusine depressivo e alcoólatra. Aqui ao lado de sua esposa, Lily Tomlin, que no filme interpreta uma assassina. Olha só que colar de flores ameaçador.

Earl está feliz aqui porque está bêbado. Earl só fica feliz quando bebe. A bebida traz felicidade, criançada.

As roupas de Earl mudam no filme dependendo se ele está feliz e bêbado. No caso, felicidade = Havaí, com shorts de surfe e camiseta que deixam tatuagens à mostra. Se ele está deprimido e taciturno, aparece com trajes supostamente respeitáveis. Durante o trabalho Earl geralmente usa óculos escuros para esconder olheiras. Aqui há uma lição clara de que quanto mais colares de flores = mais felicidade.

Temos aqui O Pescador de Ilusões, em que o veterano do Vietnã interpretado por Waits jorra bile e teorias conspiratórias de sua cadeira de rodas. Aqui aprendi que bandanas e mangas cortadas podem ser classudas quando a alternativa é Jeff Bridges numa pegada de terno ultra yuppie. (Repare naquele rabo de cavalo, que de acordo com “fontes” agora está “de volta”. Até me arrepio).

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Dando continuidade a uma longa parceria com Francis Ford Coppola, Tom esteve a bordo de sua abordagem bela, opulenta e quixotesca do mito de Drácula. Sua versão tomou algumas liberdades audaciosas. Vimos Drácula (interpretado pelo confiavelmente vil Gary Oldman) andando por aí no sol usando protetor solar fator 15. Vimos sereias vampirescas lésbicas, incluindo aí uma chocrível Monica Bellucci. Curtimos Van Helsingices exageradas de Antony Hopkins. E, o mais ridículo, vimos Keanu Reeves tentando dar uns amassos com Winona Ryder, com seu melhor sotaque inglês de mentira enquanto portava o rosto sem emoção de um peixe morto. Mas toda a doideira vem de Waits, que interpreta Renfield, um pestilento paciente encarcerado do sanatório; comedor de ratos, consumidor de insetos, usuário de camisa-de-força e vigia do temível Drácula.

No filme, ele tomou o único passo que faltava para o Louco de Olhar Selvagem: camisa-de-força.

Não sei se você já tentou ir pra balada com uma camisa-de-força, mas não é legal. Seus passos de dança ficam extremamente limitados. Como você vai alcançar sua bebida? E não há chance alguma de apalpar algum estranho.

Tom também pôde usar um monte de acessórios bacanas, como essas mãos-de-tesoura. Eu não consigo lembrar porque ele precisava delas. Talvez ele fizesse camisas-de-força sob encomenda.

Dicas essenciais de estilo do louco-Waits:

Trapos e ossos (humanos, se consegui-los)

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Camisas-de-força

Uniformes de prisão

Colares de flores havaianos

Barbas irregulares

ARQUÉTIPO 2: O PSICOPATA CALADO

Como alternativa, talvez você queira adicionar perigo ao seu traje e neste caso Tom sugere agarrar um espírito animal o tempo inteiro.

O rosnado ameaçador e olhar vazio de Tom já arrepiaram muitos protagonistas femininos e masculinos. O Psicopata Calado pode ser um expert, como o inventor de armas em massa benevolentes de Heróis Muito Loucos. Além disso, o OPC manda bem no color blocking:

Chapéu amarelo, blazer amarelo, calças quadriculadas. Cantadas.

O que me traz a uma dica geral de estilo de Tom Waits: homens com chapéus. Não sou grande fã de chapéus. Quando vejo um homem com algo na cabeça, penso: “O que ele esconde ali?” Mas há certamente algo a ser dito sobre a ortodoxia decorosa de todo homem ter que usar um chapéu, como ocorreu na primeira metade do século XX. Breve fato histórico: antes de John Fitzgerald Kennedy, a maioria dos homens usava algum tipo de chapéu, fosse ele plano ou tipo coco. Diz a lenda que o fato de JFK ter abandonado o chapéu é a razão pela qual as pessoas perceberam que não precisam de algo para esconder as cabeças.

Então temos Tom Waits como o incrível dono de restaurante dos anos 50 Benny em O Selvagem da Motocicleta, que chega ao auge do impacto em p&b com uma espécie de blusa de bolinhas e óculos de meio aro. Por mais que seja um pouco injusto chamar Benny de psicopata sem nenhuma evidência empírica.

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Benny: não é um psicopata de fato.

Já o Sr. Nick, de O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus, é coisa do diabo mesmo.

Perdão, quero dizer que ele é mesmo O Diabo. Parnassus, um monge bem velho, fez todo o tipo de apostas e tratos com o Velho Nick, e é hora da cobrança, e rapaz, ele cobra com estilo. Os trajes de Tom enquanto Diabo incluem um chapéu (naturalmente), um colete (nada anormal), uma cigarrilha (meio estilosa) e um bigode fino como lápis.

O que é foda.

Leve em conta seus parceiros nesta empreitada.

Vincent Price, Little Richard, John Waters.

ARQUÉTIPO 3: O COMERCIANTE SÁBIO

Conhecer a imagem pública de Tom Waits é conhecer uma combinação destes arquétipos, é claro, e ver um criador de mitos volátil dando duro. Mas este é o mais próximo do Tom de verdade, um vigarista que adora esquadrinhar vendas de garagem, aconselhando os protagonistas dos filmes.

O estilo de Tom, mostrado aqui em estilo “Insano-o-visão 300” de Tony Scott. Observe como o processo cruzado das cores é ansiosamente levado ao máximo. Horrível. Em Domino - A Caçadora de Recompensas, Waits aparece para dizer aos personagens para devolverem a grana aos assassinos de quem roubaram. Ele o faz usando um terno bem normal, como se estivesse indo para um funeral ou uma reunião de empréstimo com o banco.

Então em Paixão Suicida, ele é bem normal (com exceção do fato de ser um defunto). Novamente, clássicos trajes do Velho Oeste norte-americano.

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Paixão Suicida (direita), O Livro de Eli (esquerda).

Em um de seus recentes filmes, O Livro de Eli, ele surge como o classioc Comerciante Sábio – literalmente – velho o suficiente para lembrar do mundo antes do apocalipse, quando ainda existiam coisas como bíblias, baralhos e isqueiros Zippo.

Ele parece usar um agasalho de corrida durante o filme e como ele não corre nenhuma vez, fica claro que é uma escolha de estilo e uma que realmente não apoio.

Por ultimo, lhes deixo com Sobre Café e Cigarros, em que Tom interpreta um personagem chamado Tom Waits. Com certeza ele escolheu as roupas antes.

Tenha em mente que Iggy é só dois anos mais velho que Tom, então seu penteado aqui – que uma garota de de 12 anos em 1976 mataria pra ter – fica ainda mais impressionante.

Então o que quero dizer com isso? O que podemos interpretar do estilo de Tom Waits através de seus personagens em filmes? A lição que aprendi é crucial – estilo é algo que pode ser internalizado: se você sempre se vestir como um refugiado de um passado/futuro alternativo, recusando-se a deixar que tendências atuais lhe atinjam, não tem como errar. O estilo de Tom Waits é ao mesmo tempo pensado e descartável, uma lição sutil em eternidade efêmera. E vestindo-se assim por tempo o suficiente, a realidade tropeçará logo atrás de você.

Certa vez Tom Waits acidentalmente pisou nos pés de Davo. Em seus dedos mesmo. Ele está no Twitter - @battery_licker

Tradução por: Thiago “Índio” Silva.