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Música

“Nunca Falta Sangue e Doideira”: Uma Entrevista com John Brannon do Negative Approach

Conversamos sobre o Saturday Night Live, turnês e como foder a porra toda.

Dois anos atrás, o jornalista/publisher/provocador Henry Owings da revista Chunklet escreveu um manifesto para a VICE denunciando o que via como pedantismo entre certos círculos de fãs norte-americanos do black metal norueguês, em que o amor pelo BMN talvez tivesse chegado o mais perto possível de uma coqueluche neste lado do Atlântico. Ele até comparou seus defensores a fãs do Jandek, o que é considerado (ou deveria ser) um golpe particularmente baixo para fãs de música independente. Owings segue sua diatribe – na verdade, uma mistura de sacadas, verdades duras e tiradas espertas – com uma sugestão para aqueles que buscam autenticidade e verdade na música sem “kvlt”; em vez disso, escutar o lendário vocalista de rock / hardcore de Detroit John Brannon.

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O artigo, obviamente, atraiu uma cota de veementes dissidentes, muitos que pareciam não ter senso de humor e ainda muitos mais – aposto – que nunca estiveram em um ambiente onde John Brannon estava para pegar um microfone e mandar um de seus urros inimitáveis, sua marca registrada. Se tivessem essa experiência, provavelmente concordariam que não importa quem ou o quê Owings estava colocando no ranking de fodões, John Brannon e qualquer uma de suas bandas – seja a pioneira do hardcore Negative Approach nos anos 80, o sleaze/art rock do Laughing Hyenas dos anos 90 ou o grupo de rock Easy Action, há muito tempo na ativa e ignorado de forma criminosa – têm a balança esmagadoramente a seu favor. Cresci na região de Detroit, então por muitos anos achei que era suspeito para falar de seus sabores particulares de rock, mas quanto mais tempo passava fora, mais claro ficava que meu cantor local favorito era o cara que toda banda punk de todo lugar queria ver quando ele tocava na cidade.

Há pouco tempo troquei ideia com o Brannon tomando uma Tecate no Reggies Rock Club em Chicago, onde o Negative Approach – que voltou em 2006 depois de um hiato de 23 anos – ia tocar com o The Casualties. Conversamos sobre o rock ‘n’ roll de Detroit, sua opinião sobre o punk ao longo de sua carreira de 30 anos e os próximos discos tanto do Negative Approach quanto do Easy Action a serem lançados em 2014 (feliz ano novo para nós!). Como declarou Owings, “John Brannon é a primeira voz do punk, do pós-punk e do rock ‘n’ roll. Ponto.” Não se pode acreditar em tudo que se lê na internet, mas tem um pouco de verdade nisso.

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Noisey: Demorou para eu conseguir falar com você. Não sabia que você não tem e-mail.
John Brannon: Não tenho computador. Parei nos anos 70. Não mexo com essas porras. Não tenho tempo para Facebook. Escuto falar dessa merda e penso: “Foda-se.” Não mexo com computador porra nenhuma.

Então nada de vídeos de gatos para você?
Posso olhar para o meu gato. Não preciso de vídeos.

Antigamente, como você pegava influência de algumas bandas mais extravagantes de Detroit e do glam rock e destilava isso no Negative Approach?
Tendo passado a infância em Detroit, fomos expostos à revista Creem, então era tudo Stooges, MC5, Alice Cooper, The Dolls, Bowie… Eu era muito novo para ir aos shows quando eles eram bacanas. Em 1973, não é que eu via show do Alice Cooper nem nada, sabe? Mas essas bandas ainda moravam lá antes de ficarem muito famosas, então era meio que uma coisa local. Eu comprava discos do Alice Cooper e a Creem quando tinha tipo 10 anos. Era isso que rolava – as primeiras sementes do “punk”, ou enfim, vinham de Detroit. As bandas mais influentes de todos os tempos: MC5, The Stooges e Alice Cooper. Tudo se voltava para isso. Tem essas merda em toda jukebox de todo bar hoje em dia, mas a gente teve uma vantagem porque era um negócio local do meio-oeste. Essas bandas eram tipo Deus e a gente achava que era assim em todo lugar.

Vi que um dos primeiros shows de volta do Negative Approach foi uma apresentação em Detroit no festival All Tomorrow’s Parties.
O primeiro foi no aniversário de 25 anos da Touch & Go e depois fizemos o primeiro Fun Fun Fun Fest em Austin, no Texas, e depois nosso amigo Thurston Moore ligou e disse: “Ei, vocês querem vir para a Inglaterra tocar com o Stooges e o MC5?” Não dava para recusar essa porra. Era a realização de um sonho. Nunca pensei que voltaria a reunir o Negative Approach, mas para a Touch & Go precisamos fazer isso. Depois recebemos várias ofertas que não podíamos deixar passar, então uma vez virou uma semana e depois as semanas viraram turnês. Fomos cinco vezes para a Europa. Fizemos umas duas turnês norte-americanas. Estamos vivos e levando.

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Como é revisitar sua juventude ou 20 poucos anos no palco toda noite quando canta essas músicas?
A gente nunca entrou na coisa política ou de “odeio o presidente”. As músicas são hinos adolescentes básicos meio que universais. É divertido voltar a isso. É uma viagem, cara, mas é divertido. Na época, ninguém viu a gente na verdade. Fizemos alguns shows na costa leste, mas os caras da banda tinham 15 ou 16 anos, então não era como se a gente pudesse fazer uma turnê mesmo.

Vocês chegaram a ir no Saturday Night Live…
Isso rolou porque o Necros ia tocar com o Misfits e o John Belushi estava no show e o Fear ia tocar [no programa] no dia seguinte. Na verdade eu só estava de roadie do Necros. É estranho, porque todos os caras do Minor Threat e Iron Cross e Meatmen e uns caras do Negative Approach estavam lá e o Belushi falou: “O Fear vai tocar. Vocês deviam ir junto para a gente destruir a NBC.”

E eles confiaram no Belushi para organizar isso?
Ele conseguiu colocar todo mundo para dentro e passar pela segurança. Foi a primeira vez que os EUA viram – foi legal – todas as bandas de hardcore originais de 1981.

Foi muito da hora voltar para Detroit depois? As pessoas assistiram?
Foi muito. Todos os meus amigos assistiram e estavam tipo: “Que porra é essa?” Acho que era chocante para a época – o fato do Fear estar na TV e na plateia estarem todas as bandas que depois se tornaram as maiores do hardcore.

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Em que momento você começou a perceber que tinha um séquito de fãs?
Eu ouvia umas merdas e via aparecerem bootlegs e pensava: “Sério?”. Não pensava muito naquilo até que fizemos um show de reunião e tinha seis mil pessoas. Foi tipo: “Uau, deve ter alguma coisa aí.” Quer dizer, eu tinha amigos que diziam: “Minha banda toca essa música” ou “Ei, tem esse bootleg”, mas eu não estava prestando atenção. Eu estava fazendo o Laughing Hyenas. Deixei tudo aquilo para trás e estava mais interessado em fazer umas merdas novas.

Isso traz alguma bagagem? As pessoas têm ideias equivocadas quando te encontram na turnê?
Elas sempre falam: “Você não é parecido com a capa dos álbuns”. E eu digo: “Bom, eu tinha 18 anos. Isso foi há 30 anos. Naquela época eu escolhia ser careca. Agora tenho 52 anos e tenho uma cabeça cheia de cabelo, então vou deixar desse jeitão esquisito mesmo”.

Tem todo um grupo novo de moleques – esses de 14 anos – e eles acham que somos uma banda nova. Alguém fala para eles ouvirem a gente e agora tem essas legiões de moleques de 14 anos que conhecem “Ready to Fight” e “Can’t Tell No One” e é uma viagem, mas é uma coisa boa. Ninguém viu mesmo esses shows na época. Todo mundo fala que viu, mas provavelmente não viu. É ótimo sair e tocar essas músicas.

Qual é a reação que vocês recebem desses moleques?
Eles piram! E antigamente era um festival da linguiça, mas agora tem várias menininhas que pulam no palco e querem cantar “Ready to Fight”. Para nós, é uma viagem que tenha sobrevivido e que a gente fique animado de tocar, então não me sinto mal por fazer isso. Não é que voltamos por causa de algum dinheiro. Se eu não sentisse que era certo, não estaria nem fazendo. Tem muitas bandas punks antigas que voltaram e são péssimas, desculpa. Amo todos os caras com quem toquei. Não me arrependo de fazer de novo.

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Trinta anos depois, hoje você sente mais afinidade com as primeiras bandas de hardcore ou com o rock ‘n’ roll do meio-oeste?
Fico feliz de poder mostrar a eles como a gente fazia antigamente. Uma banda punk da Califórnia ou de Nova York não é igual a uma banda de Michigan do meio-oeste. A gente tinha o nosso próprio ritmo. Bandas como The Necros e The Meatmen com certeza tinham um estilo próprio. O som do meio-oeste com certeza é separado de toda aquela merda. Eu viajo bastante, mas Detroit é a minha casa. Sempre volto. Estou pouco me fodendo o que os outros têm a dizer. Não tenho vontade de morar em nenhum outro lugar.

O que você acha das coisas que saem na mídia que ou fazem Detroit parecer um caos ou “a próxima utopia urbana”?
Estão sempre falando merda. Sei lá, cara. É onde eu moro, é onde minha mãe mora, é onde cresci. Amo Detroit. Sempre tentam fazer parecer um descampado apocalíptico onde 70 mil cães raivosos correm pelas ruas. Quer dizer, você é de lá, então sabe que tem lugares que são ruins, lugares que são bons, mas é bom tentar ficar longe de problema e provavelmente andar com uma arma.

Tem muita gente se mudando para Detroit e comprando prédios e reformando, então devo dizer que está tendo uma volta. Crescemos em Cass Corridor e é um lugar que mudou completamente. Tinha o Freezer Theater e o Clubhouse na época e não tinha nada além de droga, puta e piche. Agora tem restaurantes tailandeses e lojas de iogurte e minas correndo com a porra do fone de ouvido no Wayne State Campus. Antigamente, ninguém morava lá. Quer dizer, eu morava…

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E o que tem para depois dessa turnê?
Acabamos de gravar uma música nova. Foi uma parceria com o Mudhoney, o Melvins, e o Die Kreuzen para o AmRep Festival. Fomos para o estúdio e gravamos “Borstal Breakout” do Sham 69. Foi uma rapidinha, tipo: “Vocês têm que entrar em estúdio amanhã”. Então fomos para o Ghetto Studios e gravamos. Então é uma faixa nova, mas estamos começando a compor algumas músicas e trabalhando em um álbum. Achei que, depois de 30 anos, a gente devia escrever uma música nova.

Quando acabar essa turnê, o Easy Action vai entrar em estúdio. Acabamos de lançar um compacto, então vamos mandar ver no álbum completo. Estamos esperando isso. Finalmente temos um selo novo [Sojourn Records] e ele vai relançar todas as antigas e isso vai sair em vinil. E temos músicas – estamos segurando há alguns anos, então estamos prontos para começar assim que eu sair da turnê do Negative Approach. Estou fazendo as duas coisas, equilibrando as duas.

Tem uma mistura entre os membros das duas bandas. Agora que você está compondo um monte de coisas novas, como separar isso? Passados trinta anos, o Negative Approach está mais parecido com o Easy Action?
O fato de colocarmos o nome Negative Approach é brutal. Estamos entrando nessa como se quiséssemos foder umas pessoas com essa merda. O Easy Action é um ritmo diferente. Se você vai chamar uma coisa de “Negative Approach”, tem que ser uma continuação do que já gravamos. Duas mentalidades diferentes.

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Diferentes mentalidades, mas ainda tem um fio comum entre as três principais bandas que você fez.
É. É uma progressão. Regressão. Sei lá como você quer chamar. Isso mantém a coisa indo, sabe? Tento manter agressivo e interessante.

Você acha que seus shows ainda são tão loucos quanto eram antes?
Todo dia tem drama. Nunca falta sangue e uns doideras ficando loucaços. Isso não diminuiu. É basicamente garantido que quando tocamos “Ready to Fight” vai rolar sangue. Todos nós já fomos nocauteados algumas vezes. Os moleques dominam em certas músicas e invadem o palco. Eu curto quando eles estão bem na nossa cara. Não gosto daquela merda de barreira. Quero que as pessoas estejam bem na minha cara para olhar nos olhos delas – sem separação entre a banda e o público. É assim que era, é assim que deve ser. As coisas perderam força – a ideia de punk rock das pessoas, mas a gente quer lança-las num frenesi e se divertir.

Ainda tem algumas bandas que te lembram como o punk é visceral e como deveria ser?
Bom, tem algumas bandas que mandam bem e algumas bandas que acham que estão indo bem, e algumas bandas que fazem por outros motivos que não os que deveriam ter. Punk por lucro. Alguns jovens hoje veem assim: “Vou começar uma banda e seis meses depois vou ter um contrato para um disco. Vou estar num ônibus fazendo turnê e vou transar e vou comprar uma casa”. Não esqueçamos, crianças, que a gente estava lá batalhando para essa merda acontecer.

Não foi fácil no começo e agora é uma coisa muito universal. Entre MTV e internet, já está tudo muito definido; como se vestir, como agir, como vender seu produto. Os jovens acham que essas coisas são esperadas. “Estou tocando há seis meses, já devia estar dormindo em um ônibus de turnê”. Ainda estamos dormindo no chão, dirigindo uma porra de uma van e levando essa porra na rua. Tem que manter a verdade ou nem fode. Tem muito cu-de-frango por aí. Somos de Detroit, cara. A gente toca pesado, se diverte pesado, trabalha pesado. A atitude do meio-oeste, comparada com algum moleque de Los Angeles que acha que vai montar uma banda e ser “o próximo sucesso”. A gente te vê daqui a dois anos quando você estiver trabalhando numa lanchonete.

Então a música ainda é a parte mais importante?
Ah, para nós, é de verdade! Ela tem um significado para nós. Por isso nunca desistimos. É ótimo que a Touch & Go Records tenha conseguido lançar todos os álbuns do Negative Approach e do Laughing Hyenas. O fato de que ainda conseguimos fazer discos e turnês e que as pessoas aparecem. A gente está bem com isso, cara. É tudo que precisamos. Não tem a ver com o dinheiro. Tem a ver com sair e foder com as pessoas. É isso que queremos fazer.

Jamie Ludwig gostava mais do SNL quando o Ian Mackaye pulava do palco nas pessoas - @unlistenmusic