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Tecnologia

O Extinto Pombo-Passageiro Está Preparando Seu Retorno

Cem anos depois de sua extinção, um grupo de pesquisas tenta trazer o animal de volta ao mundo.
Imagem: Retrato de um pombo-passageiro, por John James Audubon/Biblioteca Pública de Toronto.

O pombo-passageiro já foi a espécie de pássaro mais populosa do planeta. A quantidade desses pássaros impressionava a todos, e seus períodos de migração eram estudados com respeito e reverência por vários naturalistas.

“O ar estava carregado de pombos”, escreveu John James Audubon em 1813, em um ensaio entitulado “The Passenger Pigeon”. “A luz do crepúsculo era obscurecida como que por um eclipse; seus excrementos caiam em chuvaradas, tal como flocos de neve; e o sussurro constante do bater das asas punha meus sentidos à descansar.'”

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Quando Audubon escreveu essa passagem, bilhões de pombos dominavam os céus da América do Norte. Bandos gigantescos ocupavam o equivalente a 500 quilômetros de área, e eclipsavam o sol por horas. Os pombos eram forças da natureza tão impressionantes quanto os gêiseres de Yellowstone e as mesas (um tipo acidente geográfico) do Sudoeste americano. A ideia de que em 100 anos apenas um exemplar da espécie, criado em cativeiro, estaria vivo seria inconcebível para Audobon.

Nomeado Martha em homenagem à Primeira Dama, o último pombo-passageiro era uma das atrações fixas do zoológico de Cincinnati. Quando o seu último semelhante morreu, em 1910, Martha virou uma celebridade animal devido à seu status de sobrevivente. O zoológico a mimava de todas as formas. Martha viveu até a avançada idade de 29 anos, morrendo de causas naturais em 1º de setembro de 1914.

Martha, em 1967. Crédito: Smithsonian Institute.

A novidade é que o Smithsonian Institute está trazendo-a de volta à vida. Para celebrar o centenário da extinção repentina da espécie, o corpo embalsamado de Martha será exposto no Smithsonian Institute a partir do dia 24 de junho.

O momento não poderia ser melhor para lembrar da capacidade de destruição humana, capaz de eliminar uma espécie tão onipresente em questão de décadas. Segundo o cientista ambiental Will Steffen, o Antropoceno, a era geológica caracterizada pela intervenção humana, deveria ser vista como uma era ecológica completamente distinta das outras.

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Segundo ele, espécies têm desaparecido com uma velocidade entre 100 a 1.000 maior do que a esperada – e esse processo pode estar se acelerando. “No futuro os humanos perceberão que o Antropoceno irá representar um dos seis maiores períodos de extinção da história do planeta",  disse Steffen à BBC.

Apesar de não existirem dúvidas quanto ao papel da interferência humana na extinção do pombo-passageiro (com atos como a caça excessiva e a destruição de habitats), um estudo recente revelou que a espécie sempre teve uma população instável.

De olho no centenário, um grupo de cientistas da National Taiwan Normal University investigou as condições que afetaram a população do pombo, datando suas origens há cerca de 21.000 anos atrás. Os resultados foram publicados na Proceedings of the National Academy of Sciences, e neles os pesquisadores afirmam que a população do pombo aumentava e diminuía com uma frequência espantosa.

 "A espécie alimentava-se principalmente de castanhas, o que significa que, durante a época de produção das castanheiras, sua população podia chegar aos bilhões", disse Chih-Ming Hung, chefe da pesquisa. “Mas isso também quer dizer que a população podia variar de acordo com o ciclo de produção de nozes."

“Uma alta taxa de reprodução somada à bandos de grande porte gerava uma população de dimensões impressionantes”, disse. "Mas ao mesmo tempo, tal comportamento os deixava vulneráveis à doenças e propensos à comportamentos negativos; grandes bandos podiam causar sérios danos à florestas e outros habitats.”

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Robert Zink, um biólogo especializado em pássaros e coautor da pesquisa, enfatizou que a espécie dependia muito de eventuais safras abundantes. “Tudo se resume à comida", disse. “Os principais alimentos, no caso a bolota (semente de carvalho) e castanhas, eram de caráter altamente cíclico, e sua disponibilidade variava de região em região. Se a fonte de comida desaparece, desaparece também toda a população de pombos-passageiros. Acreditamos que esse é o motivo da variação constante da população dos pombos.”

Caça à bandos de pombos-passageiros, 1875. Crédito: The Illustrated Shooting and Dramatic News.

Existem outras teorias mais extravagantes sobre o fenomenal crescimento populacional da espécie antes de seu fim derradeiro. “Dizem que o número impressionante de pombos-passageiros existentes no século XIX foi uma consequência da aniquilação da população indígena norte-americana, principais predadores do pombo-passegeiro", especulou Hung. "Porém não temos dados suficientes para testar essa hipótese.”

Infelizmente (para os pombos), esse boom predisse um século no qual diversas forças, naturais e humanas, lutariam contra eles. A Martha virou um poderoso símbolo desse final derradeiro, assim como símbolo do caráter problemático da expansão humana. Mas Martha pode não ser a última pombo-passageiro a agraciar nossos céus.

Ressuscitar o pombo-passageiro é um dos principais objetivos do grupo de pesquisa filantrópico Revive & Restore. A ideia é extrair genes da Martha e de seus parentes e adicioná-los aos genes da pomba-de-coleira-branca, à la Jurassic Park.

Enquanto essas tentativas dão asas à diversas questões éticas e práticas, o Revive & Restore afirma que as consequências da "desextinção" devem ser estudadas por geneticistas, especialistas em ética e outros experts antes de tal tecnologia se tornar pública.

“A tecnologia genética está evoluindo tão velozmente que, em algumas décadas, amadores poderão reviver linhas genéticas inteiras" afirma o projeto Revive & Restore. "É preferível que tenhamos um grupo de normas oficiais quando chegarmos a esse ponto, para que todos ajam responsavelmente.”

Quer o futuro nos reserve Franken-pombos ou não, o centenário da extinção dessa espécie dá o que pensar. Esforços para a preservação de pássaros norte-americanos como o grou-americano e o condor-da-califórnia são um grande lembrete: no final, é mais fácil preservar uma espécie do que trazê-la de volta à vida.

Tradução: Ananda Pieratti