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Fui à Inauguração do Primeiro Cemitério Lésbico da Alemanha

Cerca de 100 pessoas se reuniram num cemitério arborizado no leste da cidade para a inauguração do primeiro cemitério para mulheres gays do país.

As Spreedivas cantam na inauguração do primeiro cemitério lésbico da Alemanha. Fotos por Sabine Glasmeyer.

Domingo foi um dia incrível paras as velhas senhoras lésbicas alemãs. Enquanto o resto de Berlim comia panquecas de batata ou tentava bloquear os raios de sol em seus casulos matinais, cerca de 100 pessoas se reuniram num cemitério arborizado no leste da cidade para a inauguração do primeiro cemitério para mulheres gays do país.

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As senhoras – todas membras do SAFIA, uma sociedade alemã de lésbicas idosas – estavam animadas e surpreendentemente alegres em falar sobre a própria mortalidade, a importância de ser visível e a aceitação da morte. Uma delas disse que o cemitério era o primeiro do tipo na Europa, mas ninguém tinha certeza absoluta. Nem o Google.

“Algumas pessoas diriam que isso é histórico, mas hoje vamos dizer que é her-stórico”, disse a fundadora, Hilde Heringer, à multidão reunida no Cemitério Protestante Paroquial Georgiano em Prenzlauer Berg, ao norte de Alexanderplatz. “Temos agora um lugar, pela primeira vez, onde lésbicas podem ser enterradas ao lado de quem amaram.”

Os tabloides alemães tiveram um dia cheio quando a inauguração foi anunciada na semana passada. “Que coisa inútil!”, guincharam alguns, enquanto outros argumentaram que a ideia era muito romântica. Basicamente, ninguém sabia o que pensar e parecia que todos estavam perdendo o ponto. Afinal de contas, além de carregadores de caixão e coveiros, quem pode dizer que realmente passou muito tempo da vida pensando em cemitérios?

Mas com todas aquelas mulheres reunidas na nova ala do cemitério, falando sobre a importância de ter seu espaço e com a comemoração da multidão crescendo, a história começou a fazer um pouco mais de sentido para quem era de fora.

O espaço de 131 metros quadrados está no terreno da igreja e tem lugar para 80 caixões e muitas urnas, e as vagas estão sendo preenchidas rápido. “Já reservei meu lugar – é bom não perder tempo”, sussurrou a mulher sentada a meu lado na inauguração.

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As quatro fundadoras do cemitério.

Uma série de discursos das quatro principais fundadoras – identificadas facilmente pelos bonés de basebol vermelhos – iniciaram as festividades. Depois dos discursos, o coro lésbico da cidade, as “Spreedivas”, apresentou algumas canções.

Astrid Osterland, membra da SAFIA, tem liderado a divulgação com a imprensa. Toda sorrisos em sua calça verde limão, ela deu um argumento claro do motivo pelo qual as lésbicas merecem um pedaço de terra onde possam apodrecer juntas pela eternidade, já que as famílias nucleares fazem isso desde o começo dos tempos.

“Venha aqui – veja isso, todas essas lápides são famílias enterradas juntas”, disse a senhora de 69 anos, apontando para a parte mais antiga do cemitério. “Os Müllers têm que ir todos juntos, então, por que nós não?”

Combatente veterana da homofobia e pelo direito de ser abertamente gay, Osterland sabe que está ficando velha: “A morte é uma parte da vida; é preciso aprender a viver com isso e aceitar. Muitas de nós não têm uma família com quem ser enterradas. Em vez disso, queremos descansar ao lado daquelas com quem lutamos, amamos e vivemos”, ela disse, sorrindo. Na verdade, quase todo mundo ali estava sorrindo – até o vigário protestante que apareceu para fazer um discurso.

Vigário Peter Stock.

“Sabemos que a maneira como as pessoas vivem toma muitas formas, mas a conexão com nossos entes queridos continua a mesma”, disse o vigário Peter Stock, um dos poucos homens presentes na cerimônia. “A Igreja Luterana apoia a união de pessoas em qualquer de suas formas.”

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Osterland fez questão de frisar que o grupo não teve problemas em conseguir a aprovação das autoridades religiosas. Não é segredo que as entradas nos cemitérios alemães estão minguando – algumas pessoas têm até transportado seus entes queridos até a fronteira oriental pela cremação mais barata. “As autoridades do cemitério estão muito empolgadas”, ela disse, rindo. E é por isso que a SAFIA conseguiu assegurar um contrato de 30 anos com as autoridades. A coisa toda custa cerca de €15.000 (R$46.000) e foi financiada inteiramente por doações. Nenhum dinheiro do estado está envolvido e as mulheres são responsáveis por organizar o local. Na verdade, elas até já instalaram um banco muito legal, patrocinado por uma cantora e carpinteira do Spreedivas.

Voluntárias plantam árvores no cemitério.

No espírito de aceitação da mortalidade, as lésbicas que desejam ser enterradas aqui poderão fazer uma consulta com outra das fundadoras, Usah Zachau. Julgando por seu discurso, parece que ela tem um carinho por cemitérios. “Passei muito tempo neles quando era criança – eles não eram algo para se temer”, ela disse. “Qualquer coisa pode ser ensinada num cemitério.”

Presumo que a principal lição aqui seja tolerância. Uma escritora presente me disse que as membras da SAFIA eram parte de “uma sociedade ativa. Somos políticas e queremos ser visíveis depois da morte”. Ela não quis dar seu nome, mas ficou feliz em gritar “Viva la vulva!” pelo cemitério. “Tivemos experiências ruins com a imprensa”, ela explicou.

Uma senhora que desfrutava do banco novo foi mais comedida. Depois de me convidar para sentar, ela disse que a área “estabelece um exemplo de que esse tipo de vida existe e que vale a pena. Mesmo agora pode ser difícil para jovens lésbicas serem aceitas por suas famílias”.

Com todas as donas das vagas ainda bem vivas, a SAFIA pode ter que esperar um tempo para batizar o solo com o primeiro caixão. Até lá, há muita jardinagem pela frente.

@jesscware