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Travaram Duas Travestis Brasileiras em Dubai

Conversamos com Karen Mke, que foi para Dubai com uma amiga também travesti e ambas acabaram presas porque, no país, é crime que uma pessoa do sexo masculino tenha a identidade de gênero feminina.

“Era um sonho conhecer os Emirados Árabes, mas a viagem acabou se tornando em um grande pesadelo”, afirma a cabeleireira Karen Mke [38], brasileira que, junto com a maquiadora Kamilla Satto [33], foi detida no país em dezembro de 2013. O motivo? Serem travestis. Elas estavam em uma boate em Dubai e foram expulsas pelos seguranças, após terem sido orientadas a mostrar os documentos, nos quais ainda figuram seus nomes masculinos. O turismo deu muito errado quando elas chamaram a polícia alegando terem sido vítimas de discriminação transfóbica — acabaram sendo presas por dois dias, uma vez que, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores local, no país, é crime que uma pessoa do sexo masculino tenha a identidade de gênero feminina.

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Atualmente, as brasileiras, que tiveram os passaportes confiscados, respondem o processo em liberdade. Elas procuraram a embaixada brasileira em Abu Dhabi e foram hospedadas na casa de filipinos que conheceram por meio de uma manicure. “Já estamos aqui há quatro semanas, dividimos a casa com outras 10 pessoas e não dá mais para continuarmos neste espaço. Procuramos outro lugar para ficar, mas não falamos inglês, não temos passaporte para alugarmos nada, não encontramos ajuda de nenhum brasileiro, ou seja, estamos vivenciando uma situação nada agradável. A embaixada brasileira conseguiu transferir o julgamento do dia 23 de março para daqui a duas semanas [dia 5 de fevereiro]. Agora, estamos otimistas para sermos deportadas para o Brasil”, afirmou Karen à VICE na tarde desta quinta-feira, 23.

Elas chegaram a Dubai no dia 15 de novembro e passariam um mês no local como turistas, quando, no dia 13 de dezembro, poucos dias antes de voltarem ao Brasil, ocorreu a prisão. A cabeleireira revela que antes de ir à boate não havia sofrido nenhum tipo de discriminação nos Emirados Árabes e que a transfobia dentro da casa noturna foi provocada em menos de 20 minutos de permanência, de maneira agressiva e desrespeitosa. “A abordagem foi horrível e não acreditávamos que estávamos passando por aquilo. É claro que sabíamos da religião local, mas Dubai é uma cidade turística, de grande modernidade, nós estávamos vestidas de acordo com a cultura, não houve nenhum problema, então, jamais imaginamos que pudéssemos ser expulsas, muito menos presas. Estamos abaladas emocional e psicologicamente. A experiência foi horrível”.

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A Karen em seu aniversário, no dia 25 de dezembro.

Na prisão, ela revela que — apesar de desnecessária e humilhante — não sofreu nenhum tipo de hostilização. “De modo algum eles nos maltrataram, o tratamento foi até bom. Mas cada uma ficou em uma cela, toda fechada, sem contato com ninguém. Tentamos manter a calma, mas eu me senti horrível, não conseguia dormir. É meio inacreditável que o simples fato de ser travesti seja crime”, afirma ela, que passou o aniversário no local. Karen faz uma comparação com a transfobia no Brasil: “Apesar de o Brasil também ser preconceituoso e de pautar muitos comportamentos pela religião, nós ainda temos o direito de lutar por nossos direitos e ainda arriscamos no discurso de igualdade. Aqui, é tudo muito rigoroso e religioso”.

Karen já viajou para a Irlanda, Itália e Áustria e revela que também passou por situações desconfortáveis por causa do preconceito. “Já fiquei detida em aeroportos por ser travesti. Certa vez, fui viajar e estava bem trajada, chiquérrima, em Paris e me pararam. Fiquei horas detida. Ou seja, o preconceito é sempre o mesmo, não importa como você está vestida e o que você faça. Se identificam que você é travesti, já te olham de outra maneira.”

Apesar desses problemas em viagens internacionais, ela cogita morar na Irlanda para um curso de inglês. “Não posso me deixar abater pelo preconceito alheio e não descarto a hipótese de morar na Irlanda, pois posso aprender muita coisa por lá. Ao mesmo tempo, se for para eu sofrer tudo que já sofri, prefiro ficar no Brasil”, declarou a cabeleireira que nasceu no Amazonas e que mora atualmente em São Paulo. "Hoje, meu maior sonho é voltar ao meu país."

“Apesar de viver um verdadeiro filme de terror, essa experiência foi um aprendizado de vida. Ficamos diante dos valores da vida, dos contrastes sociais e do que ainda temos que conquistar em nossos direitos. Antes, estávamos vivendo um Sex and The City, com mordomos abrindo a porta do hotel, chofer abrindo as portas dos carros, indianos segurando nossas compras nos shopping. E, hoje, estamos na casa de família de filipinos que acorda às quatro da manhã para levar uma vida digna, simples, sem luxo. Assim como a gente, que tenta ajudar nossas famílias e viver bem”, contou.

Para as próximas viagens, ela afirma que vai estudar melhor o roteiro e evitar locais em que a diversidade sofre tais represálias. “É triste ter que pensar desta maneira, quando a cultura e a religião se sobressaem ao respeito ao ser humano, mas trata-se de uma questão de integridade psicológica, moral e física. Nunca gostei de falar das dificuldades, mas que este caso mostre que a transfobia existe e está espalhada por todos os cantos do mundo. E que o simples fato de ser travesti gera incômodo”, finalizou.

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