"Girl power era uma missão", ela diz. "Era tipo 'nos sentimos assim, e achamos que tem uma geração inteira de garotas que se sentem assim também.'"Mas aquela geração cresceu. E crescemos achando que tínhamos direitos. Nos disseram que poderíamos ter tudo, mas fomos jogados num mundo onde não podemos ter tudo. Não é coincidência que, 20 anos depois que as Spice Girls lançaram seu álbum Spice, o feminismo nunca foi mais defendido, escrutinado, desmontado, vendido por grandes empresas e saudado por embaixadores celebridades. Mas onde o girl power nos deixou? Foi um slogan que despertou milhões de meninas para a ideia básica de igualdade de gênero, ou uma frase de efeito dos caras do marketing, transformando os ganhos políticos do feminismo em consumismo barato?O girl power foi um slogan que despertou milhões de meninas para a ideia básica de igualdade de gênero, ou uma frase de efeito dos caras do marketing, transformando os ganhos políticos do feminismo em consumismo barato?
Pergunto a Horner se ela tinha ouvido falar de Hanna e do Riot Grrrl. Ela sorri, faz uma cara confusa, e balança a cabeça. "Não." Então de onde veio o Girl Power? "Da banda Shampoo", ela diz. "Eu vi essas garotas e pensei 'meu deus, isso é muito bom.'"O Shampoo, de certa maneira, foi meio que a ponte entre o Riot Grrrl e o pop mainstream. Elas se vestiam como um pastiche do rosa-menininha. Usavam camisetas dizendo "tart" e "dolly bird" (uma versão mais SFW de quando Kathleen Hanna rabiscou "slut" numa camiseta). Elas eram selvagens, grossas, agressivas e preguiçosas. Em uma entrevista para a Melody Maker, elas encheram a cara, destruíram um quarto de hotel, jogaram curry na cama e dormiram em cima. Elas eram tudo que disseram que as adolescentes não deveriam ser. A faixa título de seu álbum Girl Power de 1996 começava assim: "I don't wanna be a boy / I wanna be a girl / I wanna play with knives / I wanna play with guns / I wanna smash the place up just for fun"."Shampoo era um ultraje", diz Peter Levine, editor da revista Top of the Pops na época e que hoje é empresário de bandas como Saturdays. "Fui entrevistá-las em sua casa em Shepherd'd Bush, e elas tinham enchido a cara na noite anterior. Elas eram revoltadas, [o que significava que] elas não eram simpáticas para um público maior", diz.Apesar da atenção da imprensa ter dado ao Riot Girrrl um público global, isso também ridicularizou a causa.
Pergunto se Horner olha para trás agora e se arrepende do que disse, e ela pensa por um longo tempo. "Acho que usá-la foi um ponto sensível", diz. "Porque obviamente ela é como Marmite. Há uma grande polaridade entre as pessoas que gostavam ou não dela por causa do que ela fez como primeira-ministra. Mas para mim, não julgo isso – vamos colocar isso de lado. Para mim, foi ver uma mulher onde nunca tinha havido uma antes – como primeira-ministra. Isso foi grande em si… eu não tinha idade suficiente para entender o que ela estava fazendo e quem ela estava desagradando."Mas é possível "colocar isso de lado"? Como julgar uma figura política separadamente das políticas dela? "Acho que sempre que há o primeiro de qualquer coisa – seja Obama como o primeiro presidente negro, é sempre uma mudança", ela diz. "Quando você está num clube de garotos e é a única mulher ali, se destacando, não é uma escolha de vida fácil."As Spice Girls não era manufaturáveis, éramos incontroláveis. – Geri Horner
Mas para as riot grrrls que tinham concebido o Girl Power, ver um movimento que tocava em questões pesadas como estupro e violência sexual ser cooptado por lucro foi devastador. Talvez nada resuma mais o sentimento do que a música "#1 Must Have" do Sleater Kinney – cuja banda anterior de Corin Tucker, Heavens to Betsy, era parte do movimento Riot Grrrl. "They took our ideas to their marketing stars / Now I'm spending all my days at girlpower.com / Trying to buy back a little piece of me", ela canta."Eu não era a demografia alvo quando as Spice Girls surgiram", diz Lauren Mayberry, vocalista e compositora da banda Chvrches. "Era estranho para mim, agora que sou adulta, ver como algo que poderia ser empoderador e empolgante para meninas ser usado para vender todo tipo de merda.""Éramos garotas dos anos 90 que tinham crescido sob a influência do dinheiro e produtividade", diz Horner quando pergunto se ela realmente precisava de tanto merchandise. No começo da entrevista, citei uma frase dela do livro Girl Power Spice Girls, onde elas dizem "O feminismo precisa de um chute na bunda". Ela diz que não se lembra. Havia tanta coisa, tantos produtos, que era impossível acompanhar tudo que saía.As Spice Girls eram detestáveis… Aquilo era fingir ser uma mulher tomando o controle, mas nenhuma delas tomou o controle – elas não estavam compondo, não estavam produzindo, não estavam tocando… Achei aquilo tudo uma farsa. – Shirley Manson
Eu estaria mentindo se dissesse que ainda sou uma fã hardcore das Spice Girls. Quando tinha 12 anos, eu já achava a Baby Spice uma infantilização babaca. Mais tarde comecei a ouvir PJ Harvey, Hole e Elastica – cujas letras da vocalista Justine Frischmann sobre transar em carros ("Toda vez que vejo um capô brilhante, penso nas minhas costas nele") pareciam bem mais emancipatórias que o slogan "gritar é divertido!" das Spice Girls.Ainda assim, nunca me esqueci do girl power. As críticas às Spices Girls são válidas e necessárias, mas o que escapa a elas com frequência é um fato muito simples: o girl power nunca pretendeu ser uma perspectiva feminista acadêmica; nunca quis promover uma visão pós-estruturalista de um futuro utópico onde a hegemonia masculina foi derrubada. Era música pop feita para meninas para inspirá-las a serem confiantes, acreditarem em suas capacidades e apoiarem suas amigas. Era uma ideia simples, fácil de entender e muito básica. E esse era exatamente o objetivo.Horner se levanta para ir até seu próximo trabalho – uma sessão de fotos para uma campanha publicitária. Eu digo que gosto muito do Instagram dela. Principalmente das fotos de comida. Acho muito inspirador que uma mulher que sofreu de bulimia por grande parte da vida consiga achar prazer na comida de novo. Ela adotou o Instagram faz pouco tempo, ela diz. "As pessoas são todas retocadas e perfeitas. Não entendo isso. Só quero fazer a minha conta mais real, sabe?" Mas acrescenta: "Bom, acho que é uma geração diferente, né?"Pergunto qual é o verdadeiro legado do Girl Power na opinião dela. "Havia vozes corajosas antes das Spice Girls e vozes corajosas depois de nós", ela diz. "Ouço outras artistas dizendo 'eu ouvia sua música, ouvia sua mensagem, e isso significou alguma coisa para mim', e isso me deixa muito orgulhosa. Mas não são só artistas. São mulheres com as mãos afundadas numa pia de cozinha dizendo 'sua música me ajudou a superar alguma coisa e me fez mudar minha vida'. E isso é tudo que importa."E por mais brega que pareça, ela tem razão.Siga a Jenny Stevens no Twitter.Tradução: Marina SchnoorSiga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.É estranho, agora que sou adulta, ver algo que poderia ser empoderador e excitante para meninas ser usado para vender todo tipo de merda. – Lauren Mayberry